Jornal Estado de Minas

Impasse na mesa de bar

Bares perdem licença para pôr mesas na calçada


Quem toma uma inocente e refrescante cervejinha nas calçadas de Belo Horizonte nem imagina que pode estar em território ilegal. Com 4 mil bares, dos quais 40% têm mesas nas calçadas, a capital dos botecos se vê diante de um emaranhado de leis – de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo e o Código de Posturas – que está impedindo cada vez mais bares de servir clientes ao ar livre. A proibição afeta estabelecimentos em toda a cidade e é mais visível no principal reduto da boemia belo-horizontina, o Bairro Santa Tereza. Um a um, estabelecimentos da região estão perdendo as licenças para pôr mesas nos passeios. Hoje, apenas três mantêm a autorização. Entre os bares que não conseguiram renovar a permissão estão os tradicionais Bolão, Bartiquim e Temático, que se veem obrigados a acomodar clientes de forma clandestina. Assustados, donos de botecos prometem entregar carta ao prefeito Marcio Lacerda cobrando solução para o impasse.



Os problemas para donos de bares começaram em julho do ano passado, com a aprovação da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, que proibiu mesas nas calçadas de bares em vias residenciais, categoria que representa 80% das ruas de BH e é maioria na zona boêmia. Os proprietários de botecos chiaram e, depois de negociações, a prefeitura apresentou como solução um estudo que mudaria a classificação das vias e permitiria aos bares manter as mesas nas calçadas. Na quarta-feira, porém, donos de bares voltaram a ficar preocupados, uma vez que nenhuma rua de Santa Tereza, por exemplo, foi incluída no projeto enviado pela prefeitura à Câmara Municipal para alterar vias em BH.

“Estamos apavorados. Queremos negociar um tempo maior, para ver se há como mudar a lei. Isso vai abalar Santa Tereza, onde os bares estão sem licença”, diz o proprietário do Bartiquim, Rômulo César da Silva, o Bolinha. Duas vezes campeão do festival Comida di Buteco, o bar tem apenas três mesas na área interna e, sem licença para usar a calçada desde abril, está funcionando de forma irregular. “Se tirar as mesas, não tenho como manter a casa aberta”, afirma Bolinha, que alerta para outro problema além da classificação das vias. Ele se refere a outra legislação recentemente revista, o Código de Posturas, documento que regula o uso do espaço público e impõe restrições à ocupação de calçadas. Segundo a lei, podem usar mesas e cadeiras ao livre apenas estabelecimentos nos quais os passeios tenham largura mínima de três metros, com a condição de que deixem faixa livre de, no mínimo, um metro para pedestres. A lei também autoriza, em casos excepcionais, móveis em calçadas entre 2 e 3 metros, desde que mantida faixa de um metro para pedestres, livre de barreiras como postes e árvores.

Sem autorização

Foi por essa limitação que o Bar Bolão, com passeio de 2,8m, perdeu licença de 42 anos para funcionar com mesas e cadeiras nas calçadas. “Não conseguimos renovar (a permissão), mas estamos usando mesmo assim. Minhas mesas na calçada são as mais disputadas”, afirma Sílvio Eustáquio Rocha, um dos donos do bar. Ele acredita que a fiscalização está dando uma “colher de chá”, já que vários bares do bairro estão na mesma situação. Os frequentadores também pedem solução. “Tirar as mesas é algo fora da realidade”, avalia o representante comercial Edmar Vieira Júnior, de 39 anos, ao saborear uma cerveja no Alto dos Piolhos, que concentra bares. Outros moradores apostam no equilíbrio. “É um incômodo não haver espaço e um desgaste quando bares passam do horário. Mas Santa Tereza é boêmio e queremos que o bairro seja pensado de forma a manter uma convivência entre moradores e empresários”, defende Ibiraci José do Carmo, da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza.



A secretária municipal adjunta de Planejamento Urbano, Gina Rende, é categórica ao afirmar que, enquanto as duas leis vigorarem, os bares ficam sem mesa e cadeira na calçada. “Não há o menor cabimento em mudar a classificação das ruas, pois o bairro não tem estrutura que comporte vias mistas, capazes de receber empreendimentos imensos”, afirma. “Além disso, essa restrição nas leis foi discutida por vários setores da sociedade, não foi posta no papel à toa”, acrescenta. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), Paulo Nonaka, reconhece que o impasse pode afetar outros bairros, como Cruzeiro, Anchieta e Santo Antônio, e defende a prudência. “Temos que verificar melhor qual o impacto das leis”, diz. A Regional Leste informa que as ações em bares têm sido rotineiras e que multas estão sendo aplicadas.

Outros tempos

Álvaro Fraga

Na década de 1970, os bares em Santa Tereza podiam ser contados nos dedos. O bairro, à época, tinha características predominantemente residenciais. As ruas, algumas já asfaltadas, tinham pouco movimento e nos fins de tarde dava para bater uma bolinha em frente de casa, até escurecer. À noite, o ponto de encontro obrigatório era a Praça Duque de Caxias. Dali, o programa invariavelmente era ver um filme no cinema em frente e depois escolher um dos botecos onde tomar a cerveja, falar dos amores adolescentes e planejar a festinha do fim de semana, normalmente ao som dos Beatles e dos Rolling Stones.
Sem “forasteiros” vindos de outros bairros, os bares eram bem tranquilos, com no máximo cinco ou seis mesas, e ninguém precisava espalhar cadeiras na calçada, pois a freguesia, embora fiel, era pequena. Também não havia desrespeito à Lei do Silêncio. Por volta das 2h, as portas de aço eram baixadas e quem era amigo do dono do boteco tinha o privilégio de tomar a saideira encostado no balcão. E, se a conversa estivesse boa, poderia acabar em um dos bancos da praça, mas sem fazer muito barulho, pois o padre morava em frente, conhecia todo mundo e era implacável nos sermões dominicais com quem perturbava seu sono.