O primeiro dia de aplicação da norma que proíbe a circulação de veículos leves e utilitários que possam deixar resíduos de minério pelas ruas de Congonhas, na Região Central de Minas, foi marcado por dúvidas, muita conversa e nenhuma multa. A previsão é da taxa pela infração, considerada média, seria de R$ 85, com perda de três pontos na carteira. Policiais militares que participaram da operação não sabiam em que artigo do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) poderiam enquadrar os infratores.
“Estamos impedindo que veículos de mineradoras trafeguem pela cidade carregando uma crosta de minério no chassi, nas rodas e na lataria. Tomamos essa decisão devido à sujeira que deixam na cidade”, disse Scliar. Segundo ele, o pó de minério chega em Congonhas pelo vento e agarrado nos carros.
Em 2006, o município havia proibido o tráfego de caminhões que pudessem provocar danos às vias e aos imóveis do século 18 tombados pelo patrimônio histórico. O conjunto arquitetônico e artístico da Basílica de Bom Jesus dos Matosinhos foi reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1985. Lá estão os profetas de Aleijadinho e as capelas dos Passos da Paixão de Cristo.
O secretário reconhece que há estradas de terra no município, mas o foco não são os carros que voltam de sítios ou fazendas. Para ele, é fácil diferenciar a poeira comum do minério, pela cor. “O pó do minério vira uma lama preta agarrada nos carros e os veículos que trabalham nas mineradoras são frotas identificadas”, disse.
Sem autorização
A Guarda Municipal de Congonhas, incluída na operação, não pode aplicar multas, função que caberia à Polícia Militar. Segundo o secretário, a prefeitura está municipalizando o trânsito e em dois meses os agentes terão autorização para multar. “A Polícia Militar nos informou que a Central de Operações deles, em Belo Horizonte, ainda não respondeu qual o exato enquadramento que essas multas vão ter”, acrescentou. Ele observa que o Código de Trânsito Brasileiro dá a prerrogativa ao município de gerenciar o uso das suas vias.
Além do transtorno causado à população, com a sujeira e o aspecto “enferrujado” de Congonhas – que ganhou o apelido de “cidade encardida”, segundo o secretário –, o turismo também é afetado pela poeira. Ele faz referência aos visitantes atraídos pelo tombamento do conjunto como Patrimônio da Humanidade. “A impressão é que a cidade é mal cuidada e afasta os turistas. A área central é varrida duas ou três vezes por dia e, diariamente, são retiradas até 5 toneladas de pó de minério das ruas. Aqui, o serviço de limpeza urbana não trabalha somente com vassouras, mas também com pá e enxada”, afirma.
Ele argumenta que o patrimônio histórico, como os 12 profetas feitos por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, é um dos atingidos pelo acúmulo de minério. “Há uma série de estudos que tratam do problema que esse pó de minério pode acarretar às estátuas que ficam ao ar livre”, alerta o secretário. O pó também é apontado como agravante dos danos à saúde da população, principalmente em períodos secos, como agora. “Aumentam os casos de problemas respiratórios com crianças e pessoas idosas”, disse.
Os veículos das mineradoras, segundo o secretário, vão para a cidade com até 6 centímetros de espessura de crosta de terra. “Eles passam por quebra-molas e ruas de calçamento, deixando os dejetos ao longo da via”, acusou. Há legislação nacional que obriga as mineradoras a manter as vias internas das minas molhadas, para diminuir a poeira. “Agora, elas precisam instalar os lava-rodas. O veículo transitando molhado dentro da mina fica muito sujo. A gente considera que é uma obrigação das empresas mineradoras não permitiu que seus veículos que transitam internamente tragam essa sujeira para dentro da cidade”, cobra o Scliar.
Legislação se aseou no CTB
O tenente Cláudio Corrêa Armond, da 12ª Companhia do 31º Batalhão da PM, afirma que a polícia busca um enquadramento para esse tipo de infração. “Consultamos a nossa diretoria de meio ambiente e trânsito, que é especializada nesse assunto. Tão logo a gente tenha uma resposta, vamos começar as autuações de trânsito”, disse o militar. Ele reconhece a existência de regulamentação do município para legislar sobre o trânsito, mas observa que o CTB não faz referência a veículos sujos.
Sobre o critério de julgamento do grau de sujeira do automóvel, o tenente disse que a parte externa do assoalho e as rodas serão avaliadas . “Também estamos aguardando um critério de avaliação da diretoria de meio ambiente e trânsito para ver se é realmente a Polícia Militar que vai constatar isso”, declarou o tenente.
O diretor de Trânsito de Congonhas, Sérgio Pires, informou que o decreto, inspirado no CT B, diz que serão multados veículos com potencial de causar sujeira. “Está voltado para os que circulam em área de mineração. Os fiscais do meio ambiente e da gestão urbana, ou o guarda municipal ou policial militar que verificar essa condição no veículo, ele faz a autuação. Agora, quanto à subjetividade de estar mais sujo ou menos sujo, faço uma analogia ao CTB quando diz sobre motorista alcoolizado. Você não precisa soprar o bafômetro, mas se tiver sinais evidentes de que está alcoolizado, você é autuado”, afirmou Pires.
Ele reconhece que não existe uma codificação específica para sujeira ou pó se o assunto é a regulação das leis de trânsito, mas apenas para derramamento de carga. Porém, pretende recorrer ao mesmo princípio que pune motoristas em veículos de três eixos circulando em não conformidade com a via. Os carros autuados por sujeira serão fotografados como prova da infração. Pires prevê 30 agentes de trânsito autorizados a multar. São funcionários públicos concursados com cursos específicos na área, além da PM e da Guarda Municipal.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Sustentável, Gabriel Scliar, a negociação com o setor de mineração para controle desse problema, com participação do Ministério Público, ocorre há dois anos. Na região, são duas mineradoras próximas à cidade e quatro no entorno, mas que, de acordo com ele, também seriam responsáveis pela poluição local. Ele diz que a cidade já está mais limpa depois da campanha. “Muitos veículos de mineradoras passam por uma ducha antes de transitar pelas ruas de Congonhas”.