Na cúpula do governo federal, uma operação para desmanchar um esquema que, suspeita-se, arrecadava altas cifras no superfaturamento de obras bilionárias em rodovias. Bem longe dos gabinetes, nas estradas, a população paga com vidas o preço da omissão. Somente neste mês, quando a presidente Dilma Rousseff (PT) começou a faxina que afastou 21 dirigentes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), pais e mães já choraram a perda de pelo menos 40 filhos em BRs que cortam Minas Gerais. Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que parte desses dramas poderia ter sido evitada, caso o departamento envolvido nas denúncias conseguisse executar sua missão de conservar as rodovias: em trechos de 10 estradas onde ocorreram acidentes há 16 editais de reforma e manutenção paralisados devido à crise no Ministério dos Transportes.
Mas as vítimas de julho são apenas parte de uma tragédia capaz de destruir famílias, sem escolher data – em todo o ano de 2010, foram 1.344 mortes em BRs e, em 2009, 1.214. Deitado em uma cama de hospital com dois braços imobilizados, o prefeito de Três Marias, Adair Divino da Silva, de 49 anos, conhecido como Bem-te-vi, é retrato dessa situação. No domingo, dia 24, ele perdeu a mãe, Maria de Almeida Silva, de 74, e a filha, Nayara Jéssica Oliveira Silva, de 19, num só acidente, na BR-040, na altura do município de Felixlândia, Região Central de Minas.
Pela segunda vez, Bem-te-vi é o único a sobreviver em um desastre na rodovia. Em outubro de 2006, quando voltava de BH com presentes para o Dia das Crianças, a imprudência de um caminhoneiro pôs fim à vida da esposa do prefeito, Lucilene Antônia da Silva, de 44, em outro episódio em que ele saiu a salvo. “Os dois acidentes ocorreram pela irresponsabilidade de caminhoneiros. O asfalto da estrada é bom, mas há necessidade urgente de duplicação, pois o movimento é muito grande”, diz o prefeito, abalado e sem conseguir conter as lágrimas.
Vidas sem volta
“Há bilhões em obras superfaturadas e famílias indo embora. Não há como mensurar a dor da perda, a vida de ninguém volta. Estradas com melhores condições conseguiriam resguardar a irresponsabilidade de motoristas”, afirma Bem-te-vi, pai de outros dois filhos. O especialista em trânsito José Aparecido Ribeiro reforça as críticas à crise envolvendo o Ministério dos Transportes e classifica como lamentável a situação das estradas em Minas. “A solução seria reconstruir tudo. Nossas rodovias têm mais de 40 anos e estão completamente defasadas, com trechos que não comportam mais pista simples nem dão condições de segurança aos motoristas”, afirma o fundador do movimento SOS Rodovias Federais.
No dia 2, três semanas antes de Bem-te-vi perder mãe e filha, estourou a crise nos Transportes, com denúncias de suposto esquema de sobrepreços em obras. Na mesma data, foram exonerados três funcionários do Dnit, principal órgão do ministério. Dia 5, foi a vez de o ministro Alfredo Nascimento ser afastado da pasta, encerrando as atividades com ofício que suspendeu, por 30 dias, todas as licitações de projetos, obras e serviços de engenharia em curso. Entre as principais obras afetadas pela medida em Minas, estão a duplicação da BR-381, no trecho de Belo Horizonte a Governador Valadares, a revitalização do Anel Rodoviário e a construção da terceira faixa na BR-040, no sentido Rio de Janeiro.
Endereços do medo
Na BR-381, de Belo Horizonte ao Vale do Aço, trecho conhecido como Rodovia da Morte, foram duas vítimas apenas este mês – o assistente de produção da Banda 14 Bis, Wilson Maciel, de 58, e a ex-secretária de Educação de João Monlevade, Geralda Machado, de 67. Nesse mesmo trecho, repleto de curvas e riscos, há três editais suspensos, prevendo o alargamento da pista e melhoria da segurança da via (veja quadro completo na página 27). Sexta-feira, o Dnit informou, por meio de nota, que o trecho de 70 quilômetros entre BH e São Gonçalo do Rio Abaixo tem previsão para ser licitado até o fim do ano.Já na BR-040, no sentido Rio de Janeiro, há uma licitação suspensa e quatro mortes no trecho que liga BH a Alfredo Vasconcelos, na Região Central.