Apesar de a Prefeitura de Congonhas, na Região Central de Minas, ter publicado dois decretos para impedir que o pó fino e vermelho levantado por veículos de mineradoras e aqueles que trafegam pelas estradas de chão danifiquem seu patrimônio histórico, as autoridades de trânsito locais ainda não começaram a multar. Enquanto isso, veículos de carga e transportes imundos continuam a trafegar perto dos 12 profetas do mestre Aleijadinho e do santuário de Bom Jesus de Matosinhos.
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Multa por sujeira de minério em Congonhas gera dúvidas para a PMSantuário de Bom Jesus de Matosinhos comemora 30 anos do título de Patrimônio MundialNessa quinta-feira, dois dias após a publicação do decreto que prevê a proibição do trânsito de veículos nessas condições pela área tombada como patrimônio da humanidade pela Unesco, a reportagem do Estado de Minas flagrou pequenos caminhões, vans e ônibus sujos circulando ao lado dos templos e obras barrocas.
De acordo com a prefeitura, houve três blitzes educativas, mas as autoridades de trânsito ainda não podem emitir autos de infração, porque ainda não classificaram a multa para quem transgredir as determinações do decreto municipal.
Enquanto isso, comerciantes, profissionais ligados ao turismo, visitantes e moradores reclamam muito da imundície sobre o conjunto histórico. Na terça-feira, uma nuvem de poeira vermelha se ergueu do morro da Casa de Pedra, no alto do vale oposto ao monte do santuário de Bom Jesus de Matosinhos. O pó varreu a região e deixou as obras históricas, igrejas e o comércio poluídos. Segundo moradores e guardas municipais, a poluição é gerada por minas e caminhões que trafegam pelas estradas de chão e passam pelo Centro rumo à 040.
Dona de uma lojinha de artesanato em pedra sabão bem ao lado da Basílica de Bom Jesus de Matosinhos, a comerciante Ana de Paula, de 45 anos, acha que o problema vem das mineradoras. “Eles fazem essa poeira toda e o vento carrega para cá. Aí, depois, cada um de nós é que tem de varrer e limpar a terra vermelha do chão, das paredes e das mercadorias”, reclama.
Além da sujeira, a lojista diz acreditar que o cenário dos 12 profetas e as capelas do Jardim dos Passos ganham aparência de abandono para os turistas, mesmo estando bem conservados e pintados. “A poeira nos dá trabalho e impede o turista de entrar no clima de contemplação.”
Diante dos degraus da Basílica, entre fotos e passeios, o casal de turistas paulistas Julio Monteiro, 54 anos, e Emília Monteiro, de 53 anos, se disse impressionado pelas belas esculturas e construções centenárias. Porém, depois de terem visitado Ouro Preto e Mariana, criticaram a falta de conservação e de cuidados com o acervo. “Em Ouro Preto, as usinas de minério deixaram um cheiro terrível. Não combina com a beleza do cenário. As mineradoras de lá e de Congonhas tinham de ser fechadas. Isso aqui (patrimônio histórico) não tem preço”, disse Emília.
Os turistas cariocas Matilze de Jesus, de 68 anos, Luiz Henrique e Maria Edenir D’Ávila, de 38 e 43, respectivamente, também criticam a sujeira lançada sobre os profetas de Congonhas. “Chega uma hora em que a cidade precisa escolher se vai preservar seus tesouros ou vai faturar. Não dá para ganhar dos dois lados”, afirma.
De acordo com restauradores que trabalham na conservação do santuário, e que pediram para não serem identificados, a poeira não danifica as estátuas, mas traz prejuízo estético. Não pode ser limpa das estátuas, por isso, só quando chove é que eles ficam sem a camada de terra vermelha.
Rachaduras na história
Casarões e igrejas que contam a história de Santa Luzia, desde sua fundação no fim do século 17, correm o risco de deixar o posto de guardiães da memória. Caminhões, carretas e ônibus convencionais que circulam livremente por ruas do Centro Histórico já causaram prejuízos a esses imóveis que estão com paredes com rachaduras. Mesmo protegido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas (Iepha) e com tombamentos isolados de bens nas instâncias federal e municipal, o Centro se tornou objeto da 4ª Promotoria de Justiça de Santa Luzia. O órgão impetrou ação civil pública com pedido de liminar para impedir a circulação de veículos pesados no perímetro protegido que abrange cerca de 300 imóveis.
A medida, de acordo com a promotora Daniele Naconeski, autora da ação, foi necessária diante da falta de iniciativas do poder público para preservação do patrimônio. Segundo ela, levantamento pericial feito em 2008 pela Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural já havia constatado problemas estruturais nos imóveis ocasionados pelo tráfego pesado.
Uma das casas que hoje sofre com o impacto é a da família do analista de sistemas Rubem Lima Dolabella Teixeira da Costa, de 33 anos. “Quando os caminhões passam, tudo treme. Vidros da janela já quebraram e paredes estão rachadas”, conta.
A preocupação da promotora se agravou nesta semana com um anúncio do Departamento Nacional de Infraestrura e Transportes (Dnit). Coforme o órgão, será proibida a passagem de caminhões com carga acima de 45 toneladas e no máximo cinco eixos circulantes a partir de segunda-feira nas pontes provisórias na BR–381, sobre o Rio das Velhas, em Sabará, o que põe Santa Luzia novamente na rota dos veículos de carga.
Apesar de ser o órgão municipal responsável pelo patrimônio, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo não apresentou nessa quinta-feira nenhuma ação prática em andamento para proteção do Centro Histórico. No entanto, a Secretaria Municipal de Segurança informou que um projeto para restrigir o tráfego de veículos pesados está em andamento e previsto para entrar em vigor em setembro. De acordo com o secretário Ronildo José dos Santos, a restrição já é válida por meio do Decreto nº 2584, de 31 de Maio de 2011 para veículos articulados acima de 30 toneladas. Segundo ele, a partir de segunda, guardas municipais vão fiscalizar os três portais de entrada da cidade. “O condutor que desrespeitar a proibição será sujeito a penalidades estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e será obrigado a retornar”, afirmou.