Jornal Estado de Minas

Seca obriga famílias do semiárido mineiro a recorrer até a rios e córregos contaminados

Alessandra Mello
Paulo busca água no minadouro todos os dias. A que vem do reservatório da comunidade não é tratada - Foto: Luiz Ribeiro/DA Press


O trabalhador rural Manoel Messias dos Santos encara dura rotina para quem já tem 80 anos, a maior parte deles vividos à beira do Rio Gravatá Quando o sistema de abastecimento da localidade onde mora é paralisado, e isso ocorre quase todos os dias, ele é obrigado a buscar água no rio O problema não para por aíO leito de onde ele tira água é o mesmo no qual a comunidade despeja todo o esgoto do povoado de Alfredo Graça, na zona rural de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, a 678 quilômetros de Belo HorizonteA realidade de seu Manoel é comum a muitas comunidades rurais do semiárido mineiroAli, boa parte da água disponível ou é salobra ou está contaminada por resíduos despejados nas bacias hidrográficas da região

Durante uma semana, a reportagem do Estado de Minas percorreu 23 comunidades rurais em nove cidades da região mais seca de Minas, o Norte e os vales do Jequitinhonha e Mucuri Em nenhuma delas havia água tratadaPara nada: beber, cozinhar, dar banho nas crianças ou lavar roupaNada também para dar aos animais ou irrigar a plantação, essencial para garantir comida no prato das famílias ou dinheiro no bolso para a sobrevivênciaO drama, histórico no país, é agravado pela grande quantidade de rios afetados pela seca.

O abastecimento dessas comunidades, que vivem praticamente sem água, vem dos rios ou dos poucos córregos que ainda não secaram
Muitos deles estão sujosSegundo Relatório de Monitoramento das Águas Superficiais, produzido no primeiro trimestre, as águas das bacias hidrográficas que cortam a região do semiárido mineiro estão contaminadas por coliformes fecais (bactérias presentes nas fezes) e outros produtos químicos tóxicosNo Rio Gravatá, onde seu Messias busca a água para abastecer sua casa, o índice de resíduos de fezes está 1.000% acima do parâmetro considerado aceitável pelos conselhos estaduais do Meio Ambiente e de Recursos HídricosO documento, elaborado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), aponta o despejo de esgoto sanitário no leito do Gravatá como fonte da poluição

O que ocorre em Minas é amostra do Brasil rural que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), tem indicadores piores, nesse aspecto, do que o de alguns países com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH)Em relatório sobre o cumprimento dos Objetivos do Milênio, divulgado no fim de março, a ONU aponta que os índices de saneamento (água e esgoto tratados) da zona rural brasileira se assemelham aos países africanosNo Brasil, a proporção de moradores rurais atendidos por saneamento adequado é inferior, por exemplo, à da zona rural da República do Sudão, na África, ou do Timor Leste, na Ásia, nações vítimas de intermináveis guerras civis e com baixo IDHEm Minas, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, 827 mil domicílios não têm rede geral de distribuição de água e são abastecidos por meio de poços, nascentes, cisternas e caminhões-pipa

Chuva

Uma alternativa usada na região são reservatórios que coletam água da chuvaMas, na maioria dos casos, a quantidade não é suficiente para uso doméstico, sobretudo quando as famílias são maiores e a água é turva e contaminada pelo contato com os animais
Os caminhões-pipa com água tratada levados pelas prefeituras amenizam a situaçãoEm algumas localidades, a população também recorre a pequenos açudes enlameados, usados para saciar a sede da criação, que também padece com a falta de águaÉ o caso da comunidade de Lagoa da Manga, em Virgem da Lapa, a 560 quilômetros de Belo HorizonteLá vivem 20 famílias que só bebem água limpa quando passa uma caminhão da prefeitura

Um açude abastece as casas da localidadeA água é imprópria para o consumo doméstico, mas é a única que a comunidade tem para lavar pratos e panelas e dar para os animaisRoupa de cama ninguém lavaPara beber, eles usam água de poços abastecidos por caminhão-pipaSueli Ribeiro Machado, 32 anos, conta que a água do caminhão-pipa é jogada em um poço de cimento sem cobertura“A água até que vem clara, mas fica aqui desse jeito e acaba ficando escura, mas a gente bebe assim mesmo”, diz“Essa do açude a gente só usa para a criação, para lavar vasilhas e fazer as coisas da casaMas, se acabar a do poço, a gente vai ter é de beber essa mesmo.”