O trabalhador rural Manoel Messias dos Santos encara dura rotina para quem já tem 80 anos, a maior parte deles vividos à beira do Rio Gravatá Quando o sistema de abastecimento da localidade onde mora é paralisado, e isso ocorre quase todos os dias, ele é obrigado a buscar água no rio O problema não para por aíO leito de onde ele tira água é o mesmo no qual a comunidade despeja todo o esgoto do povoado de Alfredo Graça, na zona rural de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, a 678 quilômetros de Belo HorizonteA realidade de seu Manoel é comum a muitas comunidades rurais do semiárido mineiroAli, boa parte da água disponível ou é salobra ou está contaminada por resíduos despejados nas bacias hidrográficas da região
Durante uma semana, a reportagem do Estado de Minas percorreu 23 comunidades rurais em nove cidades da região mais seca de Minas, o Norte e os vales do Jequitinhonha e Mucuri Em nenhuma delas havia água tratadaPara nada: beber, cozinhar, dar banho nas crianças ou lavar roupaNada também para dar aos animais ou irrigar a plantação, essencial para garantir comida no prato das famílias ou dinheiro no bolso para a sobrevivênciaO drama, histórico no país, é agravado pela grande quantidade de rios afetados pela seca.
O abastecimento dessas comunidades, que vivem praticamente sem água, vem dos rios ou dos poucos córregos que ainda não secaram
O que ocorre em Minas é amostra do Brasil rural que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), tem indicadores piores, nesse aspecto, do que o de alguns países com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH)Em relatório sobre o cumprimento dos Objetivos do Milênio, divulgado no fim de março, a ONU aponta que os índices de saneamento (água e esgoto tratados) da zona rural brasileira se assemelham aos países africanosNo Brasil, a proporção de moradores rurais atendidos por saneamento adequado é inferior, por exemplo, à da zona rural da República do Sudão, na África, ou do Timor Leste, na Ásia, nações vítimas de intermináveis guerras civis e com baixo IDHEm Minas, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, 827 mil domicílios não têm rede geral de distribuição de água e são abastecidos por meio de poços, nascentes, cisternas e caminhões-pipa
Chuva
Uma alternativa usada na região são reservatórios que coletam água da chuvaMas, na maioria dos casos, a quantidade não é suficiente para uso doméstico, sobretudo quando as famílias são maiores e a água é turva e contaminada pelo contato com os animais
Um açude abastece as casas da localidadeA água é imprópria para o consumo doméstico, mas é a única que a comunidade tem para lavar pratos e panelas e dar para os animaisRoupa de cama ninguém lavaPara beber, eles usam água de poços abastecidos por caminhão-pipaSueli Ribeiro Machado, 32 anos, conta que a água do caminhão-pipa é jogada em um poço de cimento sem cobertura“A água até que vem clara, mas fica aqui desse jeito e acaba ficando escura, mas a gente bebe assim mesmo”, diz“Essa do açude a gente só usa para a criação, para lavar vasilhas e fazer as coisas da casaMas, se acabar a do poço, a gente vai ter é de beber essa mesmo.”