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Estado de Minas

Seca obriga famílias do semiárido mineiro a recorrer até a rios e córregos contaminados


postado em 12/08/2011 06:00 / atualizado em 12/08/2011 13:00

Paulo busca água no minadouro todos os dias. A que vem do reservatório da comunidade não é tratada(foto: Luiz Ribeiro/DA Press)
Paulo busca água no minadouro todos os dias. A que vem do reservatório da comunidade não é tratada (foto: Luiz Ribeiro/DA Press)


O trabalhador rural Manoel Messias dos Santos encara dura rotina para quem já tem 80 anos, a maior parte deles vividos à beira do Rio Gravatá. Quando o sistema de abastecimento da localidade onde mora é paralisado, e isso ocorre quase todos os dias, ele é obrigado a buscar água no rio. O problema não para por aí. O leito de onde ele tira água é o mesmo no qual a comunidade despeja todo o esgoto do povoado de Alfredo Graça, na zona rural de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, a 678 quilômetros de Belo Horizonte. A realidade de seu Manoel é comum a muitas comunidades rurais do semiárido mineiro. Ali, boa parte da água disponível ou é salobra ou está contaminada por resíduos despejados nas bacias hidrográficas da região.

Durante uma semana, a reportagem do Estado de Minas percorreu 23 comunidades rurais em nove cidades da região mais seca de Minas, o Norte e os vales do Jequitinhonha e Mucuri. Em nenhuma delas havia água tratada. Para nada: beber, cozinhar, dar banho nas crianças ou lavar roupa. Nada também para dar aos animais ou irrigar a plantação, essencial para garantir comida no prato das famílias ou dinheiro no bolso para a sobrevivência. O drama, histórico no país, é agravado pela grande quantidade de rios afetados pela seca.

O abastecimento dessas comunidades, que vivem praticamente sem água, vem dos rios ou dos poucos córregos que ainda não secaram. Muitos deles estão sujos. Segundo Relatório de Monitoramento das Águas Superficiais, produzido no primeiro trimestre, as águas das bacias hidrográficas que cortam a região do semiárido mineiro estão contaminadas por coliformes fecais (bactérias presentes nas fezes) e outros produtos químicos tóxicos. No Rio Gravatá, onde seu Messias busca a água para abastecer sua casa, o índice de resíduos de fezes está 1.000% acima do parâmetro considerado aceitável pelos conselhos estaduais do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos. O documento, elaborado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), aponta o despejo de esgoto sanitário no leito do Gravatá como fonte da poluição.

O que ocorre em Minas é amostra do Brasil rural que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), tem indicadores piores, nesse aspecto, do que o de alguns países com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH). Em relatório sobre o cumprimento dos Objetivos do Milênio, divulgado no fim de março, a ONU aponta que os índices de saneamento (água e esgoto tratados) da zona rural brasileira se assemelham aos países africanos. No Brasil, a proporção de moradores rurais atendidos por saneamento adequado é inferior, por exemplo, à da zona rural da República do Sudão, na África, ou do Timor Leste, na Ásia, nações vítimas de intermináveis guerras civis e com baixo IDH. Em Minas, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, 827 mil domicílios não têm rede geral de distribuição de água e são abastecidos por meio de poços, nascentes, cisternas e caminhões-pipa.

Chuva

Uma alternativa usada na região são reservatórios que coletam água da chuva. Mas, na maioria dos casos, a quantidade não é suficiente para uso doméstico, sobretudo quando as famílias são maiores e a água é turva e contaminada pelo contato com os animais. Os caminhões-pipa com água tratada levados pelas prefeituras amenizam a situação. Em algumas localidades, a população também recorre a pequenos açudes enlameados, usados para saciar a sede da criação, que também padece com a falta de água. É o caso da comunidade de Lagoa da Manga, em Virgem da Lapa, a 560 quilômetros de Belo Horizonte. Lá vivem 20 famílias que só bebem água limpa quando passa uma caminhão da prefeitura.

Um açude abastece as casas da localidade. A água é imprópria para o consumo doméstico, mas é a única que a comunidade tem para lavar pratos e panelas e dar para os animais. Roupa de cama ninguém lava. Para beber, eles usam água de poços abastecidos por caminhão-pipa. Sueli Ribeiro Machado, 32 anos, conta que a água do caminhão-pipa é jogada em um poço de cimento sem cobertura. “A água até que vem clara, mas fica aqui desse jeito e acaba ficando escura, mas a gente bebe assim mesmo”, diz. “Essa do açude a gente só usa para a criação, para lavar vasilhas e fazer as coisas da casa. Mas, se acabar a do poço, a gente vai ter é de beber essa mesmo.”


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