Vida de ciclista é assim: antes de tudo, saudável e prazerosa, mas também arriscada, cheia de obstáculos e muito, muito solitária. São as impressões de quem, pela primeira vez, topou o desafio de usar a bicicleta como meio de transporte, em uma cidade montanhosa que planeja traçar por seu mapa 138 quilômetros de ciclovias até 2020. Não é pouco: seria o suficiente, com sobras, para ir pedalando da capital a Divinópolis, na Região Centro-Oeste. Com seis pistas exclusivas para bikes, Belo Horizonte ganhará, até o fim do mês, mais duas rotas, a da Savassi e a da Avenida Américo Vespúcio, chegando a 29,4 quilômetros de vias. O investimento de R$ 1,2 milhão nessas pistas, apenas este ano, é aposta da prefeitura para incentivar cidadãos a deixar o carro na garagem.
O Estado de Minas aderiu à proposta e, com a meta de fazer um test-drive nos dois sentidos da chamada Rota da Savassi, enfrentou, de bike e capacete, o trânsito da capital mineira. Nos 2,8 quilômetros de pista, da Rua Professor Moraes até a Avenida dos Andradas, os obstáculos e o desrespeito chamaram a atenção, muito mais que a quantidade de ciclistas. Isso na rota mais central da cidade, que, além das pedras pelo caminho, tem seu traçado em uma área dominada por veículos.
São exatamente eles que representam o principal desafio para quem pretende pedalar pela cidade. E ele começa antes mesmo de se chegar à ciclovia. A experiência de pedalar por ruas e avenidas tira em parte os encantos do que é andar de bicicleta nos tempos de infância, aquela sensação de liberdade, de sentir o vento no rosto sem preocupação com o motorista mais apressado ou o motoqueiro menos educado.
Quando a intenção é usar a bike como transporte numa metrópole, é preciso administrar também sentimentos de medo e insegurança. Embora o objetivo do poder público seja incentivar a alternativa, as ciclovias ainda são como ilhas na cidade, atendendendo um número restrito de ciclistas, ainda sem conexões entre as rotas. Para chegar até elas, é preciso enfrentar o trânsito feroz de ruas e avenidas dominadas por motos, carros, ônibus e quase nenhuma bike. Enquanto o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) aponta que é dever de carros e demais veículos proteger o ciclista, na prática, quem está de bicicleta parece invisível aos olhos dos seres motorizados.
Não é fácil se convencer de que, como estabelece o CTB, na ausência de ciclovias, o lugar de bicicleta é na rua, na faixa da direita e no mesmo sentido dos carros. Basta seguir pela Avenida Getúlio Vargas, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de BH, para ser fechado por um ônibus e, instintivamente, buscar refúgio no passeio, junto dos pedestres. “O motorista não reconhece a bicicleta como veículo. Ônibus e táxis não respeitam mesmo ”, afirma a médica Vívian Andrade, de 29 anos, que desde 2008 adotou o transporte movido a pedais para ganhar agilidade no trânsito e fugir de engarrafamentos.
Alívio
Atravessar a Avenida Afonso Pena junto dos veículos significa conviver com outro incômodo: a impressão é de que não há tempo para completar a travessia antes que o sinal feche. Frente a esses contratempos, a chegada à ciclovia da Savassi, na Rua Professor Moraes, quase esquina com Avenida do Contorno, é reconfortante. O trajeto, exclusivo para ciclistas e projetado para garantir a segurança de quem optou por usar a magrela no trânsito, contempla a Avenida Bernardo Monteiro, passando pela Avenida Carandaí e Rua Piauí até chegar à Avenida dos Andradas.
A BHTrans ainda trabalha na implantação da via, prevista para ficar pronta dia 27. “Estamos em obras a partir da Avenida Carandaí até a Andradas, mas, no restante, só faltam alguns detalhes de sinalização para arrumar”, diz o supervisor do programa Pedala BH, da BHTrans, Mauro Luiz de Oliveira. Mas o paraíso de trafegar numa área especial para bicicletas logo se desfaz. Mesmo antes de inaugurado, o trecho está sendo invadido pelo desrespeito, que espalha pedras pelo caminho dos ciclistas.
Na Rua Professor Moraes, motoristas insistem em invadir a pista de bikes para estacionar. “Tenho que deixar os pacientes na clínica e não tem lugar para parar. Não tenho outra opção”, justifica José Francisco Costa, de 53, na direção de uma van. A constante entrada e saída de veículos das garagens também deixa ciclistas em apuros. Logo no início do percurso, a equipe do EM ficou presa entre dois carros. Para conseguir passar, foi obrigada a desviar pela pista de veículos.
Mas a invasão nas ciclovias não tem sido apenas de motoristas. Pedestres também tomam conta do espaço e, curiosamente, transformaram trechos em pista de caminhada. “Antes ia para a Praça da Liberdade, mas agora tenho caminhado por aqui”, diz o aposentado Adnylson Luiz Rocha, de 68, que não tem medo de ser atropelado por ciclistas. “É muito difícil eles passarem.” Tão difícil que tem gente que até transformou a pista em área de trabalho. O trecho entre as ruas Aimorés e Timbiras exige habilidade no guidom, pois é preciso desviar de baldes e tapetes deixados no meio da ciclovia pelo lavador de carros.
Mais adiante, um obstáculo inusitado. Às quintas-feiras, na Avenida Carandaí, é dia de feira de frutas, verduras e biscoitos. A construção da pista para bicicletas não alterou a rotina dos comerciantes, que, agora, montam as barracas em cima da ciclovia. “Estamos aqui há 30 anos e a prefeitura nem nos consultou”, reclama o feirante Vítor Paulo Gonçalves, de 47.
Pedalar é viável, mas não é fácil
Um dia pedalando em Belo Horizonte é suficiente para derrubar o mito de que o relevo da cidade não combina com bicicleta. A marcha do veículo ajuda a amenizar o tranco da subida e há áreas menos íngremes bem adequadas à rotina sobre duas rodas, contanto que o ciclista tenha disposição e fôlego. A camisa fica suada, mas quem encara o desafio tem como recompensa os benefícios para a saúde. Afinal, além de meio de transporte, a bicicleta é exercício físico. “Comecei a andar de bicicleta porque é mais rápido do que carro. Além disso, acabo relaxando e fazendo meu exercício. Quando vou trabalhar, levo uma muda de roupa na mochila”, conta a médica Vívian Andrade.
De cima de uma bicicleta, o olhar sobre Belo Horizonte se transforma. A vontade de admirar as árvores se confunde com a surpresa de descobrir que a Rua Piauí é mais íngreme do que você imaginava. A todo momento, o ciclista tem que tomar decisões: escolher a rua com menos trânsito, seguir pela avenida mais plana, tudo sem esquecer as leis de trânsito. Mas sobre duas rodas a gente descobre também, rapidamente, que a cidade está longe de incorporar a ideia da ciclovia.
A Região Hospitalar é um exemplo dessa descoberta. “Estamos perdidos com essa ciclovia. E o estacionamento?”, queixa-se Aline Alves, de 29, que toda semana leva a mãe para sessões de quimioterapia na Santa Casa de BH. A Rota da Savassi, ciclovia que será inaugurada dia 27, passa bem atrás do hospital, onde hoje há vagas de estacionamento rotativo. Queixas ouvidas e continuando a pedalar, foi bem perto dali que a equipe do EM também descobriu que bicicleta estraga e que, ao contrário do carro, não tem seguro que dê jeito. A solução é empurrar a magrela, que, nessas horas, já nem é tão magra assim.
O Estado de Minas aderiu à proposta e, com a meta de fazer um test-drive nos dois sentidos da chamada Rota da Savassi, enfrentou, de bike e capacete, o trânsito da capital mineira. Nos 2,8 quilômetros de pista, da Rua Professor Moraes até a Avenida dos Andradas, os obstáculos e o desrespeito chamaram a atenção, muito mais que a quantidade de ciclistas. Isso na rota mais central da cidade, que, além das pedras pelo caminho, tem seu traçado em uma área dominada por veículos.
São exatamente eles que representam o principal desafio para quem pretende pedalar pela cidade. E ele começa antes mesmo de se chegar à ciclovia. A experiência de pedalar por ruas e avenidas tira em parte os encantos do que é andar de bicicleta nos tempos de infância, aquela sensação de liberdade, de sentir o vento no rosto sem preocupação com o motorista mais apressado ou o motoqueiro menos educado.
Quando a intenção é usar a bike como transporte numa metrópole, é preciso administrar também sentimentos de medo e insegurança. Embora o objetivo do poder público seja incentivar a alternativa, as ciclovias ainda são como ilhas na cidade, atendendendo um número restrito de ciclistas, ainda sem conexões entre as rotas. Para chegar até elas, é preciso enfrentar o trânsito feroz de ruas e avenidas dominadas por motos, carros, ônibus e quase nenhuma bike. Enquanto o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) aponta que é dever de carros e demais veículos proteger o ciclista, na prática, quem está de bicicleta parece invisível aos olhos dos seres motorizados.
Não é fácil se convencer de que, como estabelece o CTB, na ausência de ciclovias, o lugar de bicicleta é na rua, na faixa da direita e no mesmo sentido dos carros. Basta seguir pela Avenida Getúlio Vargas, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de BH, para ser fechado por um ônibus e, instintivamente, buscar refúgio no passeio, junto dos pedestres. “O motorista não reconhece a bicicleta como veículo. Ônibus e táxis não respeitam mesmo ”, afirma a médica Vívian Andrade, de 29 anos, que desde 2008 adotou o transporte movido a pedais para ganhar agilidade no trânsito e fugir de engarrafamentos.
Alívio
Atravessar a Avenida Afonso Pena junto dos veículos significa conviver com outro incômodo: a impressão é de que não há tempo para completar a travessia antes que o sinal feche. Frente a esses contratempos, a chegada à ciclovia da Savassi, na Rua Professor Moraes, quase esquina com Avenida do Contorno, é reconfortante. O trajeto, exclusivo para ciclistas e projetado para garantir a segurança de quem optou por usar a magrela no trânsito, contempla a Avenida Bernardo Monteiro, passando pela Avenida Carandaí e Rua Piauí até chegar à Avenida dos Andradas.
A BHTrans ainda trabalha na implantação da via, prevista para ficar pronta dia 27. “Estamos em obras a partir da Avenida Carandaí até a Andradas, mas, no restante, só faltam alguns detalhes de sinalização para arrumar”, diz o supervisor do programa Pedala BH, da BHTrans, Mauro Luiz de Oliveira. Mas o paraíso de trafegar numa área especial para bicicletas logo se desfaz. Mesmo antes de inaugurado, o trecho está sendo invadido pelo desrespeito, que espalha pedras pelo caminho dos ciclistas.
Na Rua Professor Moraes, motoristas insistem em invadir a pista de bikes para estacionar. “Tenho que deixar os pacientes na clínica e não tem lugar para parar. Não tenho outra opção”, justifica José Francisco Costa, de 53, na direção de uma van. A constante entrada e saída de veículos das garagens também deixa ciclistas em apuros. Logo no início do percurso, a equipe do EM ficou presa entre dois carros. Para conseguir passar, foi obrigada a desviar pela pista de veículos.
Mas a invasão nas ciclovias não tem sido apenas de motoristas. Pedestres também tomam conta do espaço e, curiosamente, transformaram trechos em pista de caminhada. “Antes ia para a Praça da Liberdade, mas agora tenho caminhado por aqui”, diz o aposentado Adnylson Luiz Rocha, de 68, que não tem medo de ser atropelado por ciclistas. “É muito difícil eles passarem.” Tão difícil que tem gente que até transformou a pista em área de trabalho. O trecho entre as ruas Aimorés e Timbiras exige habilidade no guidom, pois é preciso desviar de baldes e tapetes deixados no meio da ciclovia pelo lavador de carros.
Mais adiante, um obstáculo inusitado. Às quintas-feiras, na Avenida Carandaí, é dia de feira de frutas, verduras e biscoitos. A construção da pista para bicicletas não alterou a rotina dos comerciantes, que, agora, montam as barracas em cima da ciclovia. “Estamos aqui há 30 anos e a prefeitura nem nos consultou”, reclama o feirante Vítor Paulo Gonçalves, de 47.
Pedalar é viável, mas não é fácil
Um dia pedalando em Belo Horizonte é suficiente para derrubar o mito de que o relevo da cidade não combina com bicicleta. A marcha do veículo ajuda a amenizar o tranco da subida e há áreas menos íngremes bem adequadas à rotina sobre duas rodas, contanto que o ciclista tenha disposição e fôlego. A camisa fica suada, mas quem encara o desafio tem como recompensa os benefícios para a saúde. Afinal, além de meio de transporte, a bicicleta é exercício físico. “Comecei a andar de bicicleta porque é mais rápido do que carro. Além disso, acabo relaxando e fazendo meu exercício. Quando vou trabalhar, levo uma muda de roupa na mochila”, conta a médica Vívian Andrade.
De cima de uma bicicleta, o olhar sobre Belo Horizonte se transforma. A vontade de admirar as árvores se confunde com a surpresa de descobrir que a Rua Piauí é mais íngreme do que você imaginava. A todo momento, o ciclista tem que tomar decisões: escolher a rua com menos trânsito, seguir pela avenida mais plana, tudo sem esquecer as leis de trânsito. Mas sobre duas rodas a gente descobre também, rapidamente, que a cidade está longe de incorporar a ideia da ciclovia.
A Região Hospitalar é um exemplo dessa descoberta. “Estamos perdidos com essa ciclovia. E o estacionamento?”, queixa-se Aline Alves, de 29, que toda semana leva a mãe para sessões de quimioterapia na Santa Casa de BH. A Rota da Savassi, ciclovia que será inaugurada dia 27, passa bem atrás do hospital, onde hoje há vagas de estacionamento rotativo. Queixas ouvidas e continuando a pedalar, foi bem perto dali que a equipe do EM também descobriu que bicicleta estraga e que, ao contrário do carro, não tem seguro que dê jeito. A solução é empurrar a magrela, que, nessas horas, já nem é tão magra assim.