Jornal Estado de Minas

Presente inesperado

Na véspera do Dia dos Pais, homem encontra filha que não via há 32 anos

"Queria vê-la antes que Deus me chamasse"

Tatiana Leosina, filha e Antônio Camilo, pai - Foto: Marcos Michellin/EM? DA Press




Uma aventura extraconjugal qualquer não deixaria tantas marcas na vida de um homem casadoAntônio Camilo dos Santos, de 72 anos, se lembra da hora, dia e local do primeiro encontro com a mãe de Tatiana Leosina dos Santos , de 32Segundo ele, às 16h30 de 2 de novembro de 1977, numa esquina da Rua Dante, no Bairro São Lucas“Ela era bonita demais e eu gostava muito dela”O romance ganhou a força da intimidade e um ano depois, a doméstica Maria de Lourdes, aos 18 anos, ficou grávida de TatianaTudo muito bom, não fosse o Antônio Camilo já casado e pai de 12 filhos“Nem me lembro se contei pra ela que era casado logo que a gente se conheceuVocê sabe como homem é safado, né!? Mas ela sabia da minha vida e até comprava umas roupinhas para eu levar para os meus filhos”Com a gravidez e o nascimento da menina, o relacionamento tomou novo rumo e Antônio Camilo acabou afastado da filha por 32 anosOntem, às 15h, em auditório da Delegacia de Desaparecidos de Belo Horizonte, Antônio Camilo teve novamente nos braços a filha, mulher feita e cheia de ausência.

A história do pai desaparecido é repleta de crianças e duras separaçõesBem apessoado, forte, muito simpático – meio Morgan Freeman, meio Samuel Jackson, norte-americanos, astros de cinema – o aposentado fala do passado com clareza e de peito aberto, com a convicção de quem tem a consciência tranquila de homem de família
Conta que teve cinco filhos do primeiro casamento e que com a separação ficou com as criançasLogo depois, conheceu a segunda mulher, Sebastiana, que assumiu seus filhos como delaJuntos, tiveram outros sete“Uma companheira maravilhosa”, dizDono de enorme coração, em 1977 não resistiu aos encantos da bela Lourdinha, moça batalhadora, vinda de Conselheiro Lafaiete para tentar a vida na capital“Eu queria ficar com ela, mas na minha situação, não tinha jeitoCom mulher e 12 filhos, era muito difícilMas eu queria muito ter sido pai da menina que tive com elaSou um homem pobre, mas queria que ela convivesse com os irmãos dela, que estivesse perto do pai”, afirma.

Tatiana evita falar da mãe, Maria de Lourdes Costa, moradora do Bairro PompeiaApenas confirma que, de fato, ela não queria que a filha reencontrasse o pai
“Ela não quis, não deixou e o mandou sumirÉ só o que seiAos 11 anos a vontade veio muito forte de encontrá-loDe saber como ele é, saber da vida dele, conhecer meus irmãosEste ano não dei conta e resolvi procurar por ele”, diz, sem esconder a satisfação de estar, agora, sentada ao lado daquele com quem tanto sonhouTatiana é tímida e tem os traços de Antônio CamiloContida, segura a emoção ao falar da vida difícilFoi criada pelos avós maternos em Conselheiro Lafaiete até os 8 anos, quando veio para Belo Horizonte para morar com a mãe e o padrastoCasada, Tatiana não tem filhosEnfrentou aborto espontâneo e perdeu um bebê de colo“Vivo tentando ter a minha família”, sorri, com o olhar bandeado para o senhor elegante de barba e cabelos prateados.

O encontro

Tatiana chegou primeiro ao auditório e ocupou cadeira reservada para a coletiva com a imprensaJornais e emissoras de tevê queriam registrar o reencontro de pai e filha, 32 anos depoisAcompanhada de assistente social e funcionária da delegacia de desaparecidos, a moça, pouco a pouco, foi ganhando segurança para conversar com os jornalistas“Você acha que seus pais se amavam?”, perguntam os colegas“Acho que sou fruto de… não seiEles que vão ter que me dizer”, confunde-seO clima de expectativa com a chegada do pai é grandeCom as mãos inquietas e com os olhos na porta, a moça dá toda a atenção possível aos gatos pingados da informação presentes“Ele chegou… ai, ai, ai”, sussurram ao fundo“Ele é bonito, né!?”, reage Tatiana ao ver entrar o aposentado, acompanhado da neta Fernanda Carolina, de 14 anos.

Olhares profundos e pausa de silêncio preparam o abraço para o disparo das câmerasNo entanto, demorado pela natureza do afeto, pai e filha pareceram ignorar a presença intrusaQuando se deram conta era hora de responder perguntasAntônio Camilo foi logo se explicandoContou detalhes do dia do encontro, demonstrando importância ao relacionamento vivido com Maria de LourdesConta que, em 1978, com a mãe e a menina no colo, procurou cartório e disse: “Quero registrar essa menina que está no colo dessa moçaQuero que ela tenha o meu nome”Foi quando soube que, como já era casado, por lei não podia dar seu nome à moçaO Santos que Tatiana, hoje, tem no nome vem, coincidentemente, do maridoE foi apenas no dia do casamento, há 10 anos, que a moça soube do nome do pai, nunca visto nem por fotografias.

Antônio Camilo tinha as explicações na ponta da línguaPareciam guardadas para a ocasião“Aconteceu que ela (a mãe) tinha um padrinho, o senhor José Maria, que era muito bom para ela e entrou no assuntoEu sei que ele queria o melhor para ela, mas isso acabou afastando a genteComo eu era casado, ele achou melhor que eu sumisse da vida delaAí, ele me denunciou, pedindo pensãoEu disse que daria, mas que não precisava que fosse daquela formaEu entendi e respeitei a vontade dela não me querer mais na vida”Dois anos depois, pesou a mão do destino e a mulher Sebastiana se foiAntônio Camilo ficou viúvo e com 12 filhos para criarOntem, não escondeu a satisfação do reencontro“Sempre disse para os meus filhos que, antes que Deus me chamasse, eles tinha que conhecer a minha filha”Abraça e beija Tatiana, feliz da vida com o presentão na véspera do Dia dos Pais.

Personagem da notícia

Paula Luciana, investigadora de polícia

Anjo da família

Policial há 20 anos, Paula Luciana está na Delegacia de Desaparecidos de Belo Horizonte desde 2006Além das atribuições normais de agente concursada, atua como investigadora e mediadora em casos do Setor de Encontro de Famílias do departamentoFoi ela quem encontrou o aposentado Antônio Camilo dos Santos, atendendo o pedido de Tatiana LeosinaDiz que nem sempre os encontros são felizesSegundo a investigadora, é bem comum o procurado não aceitar a ideia de rever quem o procuraEla fala com especial carinho do trabalho de mediação, da alegria de promover encontros como o de ontem, entre pai e filha“Não houve a menor resistênciaEle disse que queria muito rever a filha“Nosso trabalho dá muita satisfação”, afirmaPaula credita a força do departamento à percepção da delegada Cristina Coelli, que entendeu a necessidade do serviço de auxílio específico em casos de família e viabilizou a sua criação