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Estado de Minas PRESENTE INESPERADO

Na véspera do Dia dos Pais, homem encontra filha que não via há 32 anos

"Queria vê-la antes que Deus me chamasse"


postado em 13/08/2011 07:17 / atualizado em 13/08/2011 11:34

Tatiana Leosina, filha e Antônio Camilo, pai(foto: Marcos Michellin/EM? DA Press )
Tatiana Leosina, filha e Antônio Camilo, pai (foto: Marcos Michellin/EM? DA Press )




Uma aventura extraconjugal qualquer não deixaria tantas marcas na vida de um homem casado. Antônio Camilo dos Santos, de 72 anos, se lembra da hora, dia e local do primeiro encontro com a mãe de Tatiana Leosina dos Santos , de 32. Segundo ele, às 16h30 de 2 de novembro de 1977, numa esquina da Rua Dante, no Bairro São Lucas. “Ela era bonita demais e eu gostava muito dela”. O romance ganhou a força da intimidade e um ano depois, a doméstica Maria de Lourdes, aos 18 anos, ficou grávida de Tatiana. Tudo muito bom, não fosse o Antônio Camilo já casado e pai de 12 filhos. “Nem me lembro se contei pra ela que era casado logo que a gente se conheceu. Você sabe como homem é safado, né!? Mas ela sabia da minha vida e até comprava umas roupinhas para eu levar para os meus filhos”. Com a gravidez e o nascimento da menina, o relacionamento tomou novo rumo e Antônio Camilo acabou afastado da filha por 32 anos. Ontem, às 15h, em auditório da Delegacia de Desaparecidos de Belo Horizonte, Antônio Camilo teve novamente nos braços a filha, mulher feita e cheia de ausência.

A história do pai desaparecido é repleta de crianças e duras separações. Bem apessoado, forte, muito simpático – meio Morgan Freeman, meio Samuel Jackson, norte-americanos, astros de cinema – o aposentado fala do passado com clareza e de peito aberto, com a convicção de quem tem a consciência tranquila de homem de família. Conta que teve cinco filhos do primeiro casamento e que com a separação ficou com as crianças. Logo depois, conheceu a segunda mulher, Sebastiana, que assumiu seus filhos como dela. Juntos, tiveram outros sete. “Uma companheira maravilhosa”, diz. Dono de enorme coração, em 1977 não resistiu aos encantos da bela Lourdinha, moça batalhadora, vinda de Conselheiro Lafaiete para tentar a vida na capital. “Eu queria ficar com ela, mas na minha situação, não tinha jeito. Com mulher e 12 filhos, era muito difícil. Mas eu queria muito ter sido pai da menina que tive com ela. Sou um homem pobre, mas queria que ela convivesse com os irmãos dela, que estivesse perto do pai”, afirma.

Tatiana evita falar da mãe, Maria de Lourdes Costa, moradora do Bairro Pompeia. Apenas confirma que, de fato, ela não queria que a filha reencontrasse o pai. “Ela não quis, não deixou e o mandou sumir. É só o que sei. Aos 11 anos a vontade veio muito forte de encontrá-lo. De saber como ele é, saber da vida dele, conhecer meus irmãos. Este ano não dei conta e resolvi procurar por ele”, diz, sem esconder a satisfação de estar, agora, sentada ao lado daquele com quem tanto sonhou. Tatiana é tímida e tem os traços de Antônio Camilo. Contida, segura a emoção ao falar da vida difícil. Foi criada pelos avós maternos em Conselheiro Lafaiete até os 8 anos, quando veio para Belo Horizonte para morar com a mãe e o padrasto. Casada, Tatiana não tem filhos. Enfrentou aborto espontâneo e perdeu um bebê de colo. “Vivo tentando ter a minha família”, sorri, com o olhar bandeado para o senhor elegante de barba e cabelos prateados.

O encontro

Tatiana chegou primeiro ao auditório e ocupou cadeira reservada para a coletiva com a imprensa. Jornais e emissoras de tevê queriam registrar o reencontro de pai e filha, 32 anos depois. Acompanhada de assistente social e funcionária da delegacia de desaparecidos, a moça, pouco a pouco, foi ganhando segurança para conversar com os jornalistas. “Você acha que seus pais se amavam?”, perguntam os colegas. “Acho que sou fruto de… não sei. Eles que vão ter que me dizer”, confunde-se. O clima de expectativa com a chegada do pai é grande. Com as mãos inquietas e com os olhos na porta, a moça dá toda a atenção possível aos gatos pingados da informação presentes. “Ele chegou… ai, ai, ai”, sussurram ao fundo. “Ele é bonito, né!?”, reage Tatiana ao ver entrar o aposentado, acompanhado da neta Fernanda Carolina, de 14 anos.

Olhares profundos e pausa de silêncio preparam o abraço para o disparo das câmeras. No entanto, demorado pela natureza do afeto, pai e filha pareceram ignorar a presença intrusa. Quando se deram conta era hora de responder perguntas. Antônio Camilo foi logo se explicando. Contou detalhes do dia do encontro, demonstrando importância ao relacionamento vivido com Maria de Lourdes. Conta que, em 1978, com a mãe e a menina no colo, procurou cartório e disse: “Quero registrar essa menina que está no colo dessa moça. Quero que ela tenha o meu nome”. Foi quando soube que, como já era casado, por lei não podia dar seu nome à moça. O Santos que Tatiana, hoje, tem no nome vem, coincidentemente, do marido. E foi apenas no dia do casamento, há 10 anos, que a moça soube do nome do pai, nunca visto nem por fotografias.

Antônio Camilo tinha as explicações na ponta da língua. Pareciam guardadas para a ocasião. “Aconteceu que ela (a mãe) tinha um padrinho, o senhor José Maria, que era muito bom para ela e entrou no assunto. Eu sei que ele queria o melhor para ela, mas isso acabou afastando a gente. Como eu era casado, ele achou melhor que eu sumisse da vida dela. Aí, ele me denunciou, pedindo pensão. Eu disse que daria, mas que não precisava que fosse daquela forma. Eu entendi e respeitei a vontade dela não me querer mais na vida”. Dois anos depois, pesou a mão do destino e a mulher Sebastiana se foi. Antônio Camilo ficou viúvo e com 12 filhos para criar. Ontem, não escondeu a satisfação do reencontro. “Sempre disse para os meus filhos que, antes que Deus me chamasse, eles tinha que conhecer a minha filha”. Abraça e beija Tatiana, feliz da vida com o presentão na véspera do Dia dos Pais.

Personagem da notícia

Paula Luciana, investigadora de polícia

Anjo da família

Policial há 20 anos, Paula Luciana está na Delegacia de Desaparecidos de Belo Horizonte desde 2006. Além das atribuições normais de agente concursada, atua como investigadora e mediadora em casos do Setor de Encontro de Famílias do departamento. Foi ela quem encontrou o aposentado Antônio Camilo dos Santos, atendendo o pedido de Tatiana Leosina. Diz que nem sempre os encontros são felizes. Segundo a investigadora, é bem comum o procurado não aceitar a ideia de rever quem o procura. Ela fala com especial carinho do trabalho de mediação, da alegria de promover encontros como o de ontem, entre pai e filha. “Não houve a menor resistência. Ele disse que queria muito rever a filha. “Nosso trabalho dá muita satisfação”, afirma. Paula credita a força do departamento à percepção da delegada Cristina Coelli, que entendeu a necessidade do serviço de auxílio específico em casos de família e viabilizou a sua criação.


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