Primeiro, o repórter embarcou em um ônibus 1995, que vai de Belo Horizonte a Joaíma, no Vale do Jequitinhonha, fazendo um trajeto de 703 quilômetros, em linha regular quanto à frequência (três vezes por semana) e totalmente irregular quanto ao cumprimento das normasBurlando a figura legal do fretamento, que permite a veículos licenciados transportar passageiros mediante contrato com empresas ou grupos, donos de ônibus vendem passagens individuais e fazem linhas para as mais variadas cidades.
Conheça a rota do transporte clandestino em Minas
Depois, foi a vez de uma malconservada Parati 2004, que circula entre Teófilo Otoni e Governador Valadares levando, por R$ 25, passageiros aliciados nas imediações das rodoviárias dos dois municípiosO motorista contou que faz o trecho de 145 quilômetros, ida e volta, até quatro vezes por dia, nas épocas de maior movimentoSignifica que ele pode ficar ao volante por até 1.160 quilômetros em uma só jornada de trabalho, expondo seus clientes a toda sorte de perigos na BR-116, a tristemente famosa Rio-Bahia, ao desafiar os limites da resistência física e dos reflexos de um condutor.
No mesmo dia, uma van 2004, lotada, fez em 4h40 o percurso de 320 quilômetros entre Governador Valadares e Belo Horizonte, incluindo o tempo de espera na sempre congestionada passagem pela ponte provisória no Rio das Velhas, em Sabará, e uma parada para lancheTodos os dias, o motorista, cuja jornada começa às 4h, vai e volta ao Vale do Rio Doce.
Ele mesmo, que cobra R$ 50 de cada um, conta que só tira folga quando não agüenta mais de cansaçoE revela que há carros particulares que, ao preço de R$ 50 por passageiro, fazem o trecho ida e volta duas vezes ao dia, ou seja, percorrem 1.400 quilômetros.
Dentro dos veículos clandestinos, os passageiros, quase sempre de baixo poder aquisitivo, revelam que viajam sob tensão, por terem conhecimento de que estão começando uma aventura perigosa“Entrego na mão de Deus”, diz uma mulher pouco antes de embarcar na verdadeira rodoviária que se estabeleceu na Rua Aarão Reis, ao lado da Praça da Estação, no Centro de Belo Horizonte, um dos locais de onde saem mais ônibus clandestinosRodoviária sem cobertura, sem banheiros, sem organização, sem segurança.
Economia
Mesmo com alegações de supostas “vantagens”, como menor tempo de viagem, a principal razão que motiva o passageiro a correr os riscos é o preço mais baixo
Quanto aos perueiros, a principal preocupação durante a viagem é evitar as blitzes do DER-MGEnquanto dirige a van usada pela reportagem do EM, o motorista fala constantemente ao celular, trocando informações sobre a localização de qualquer tipo de fiscalizaçãoEle contou, também, que paga a “espiões” que dão notícia sobre a presença de agentes do DER a tempo de ele mudar o trajeto“O DER está nojento”, confirma o motorista de um ônibus clandestino.
Nas vans, diante da presença da Polícia Rodoviária ou de outras “ameaças”, os passageiros são orientados a fechar a janela, revestida com filme escuro, para impedir que sejam vistos do lado de foraOs motoristas também revelam que, se o veículo é abordado, todos são recomendados a não admitir que pagam pela passagem, o que caracterizaria a irregularidadeNão costuma, ainda, haver preocupação com o uso do cinto de segurança, salvo na iminência de alguma abordagem por parte de autoridades.
Amparada em nova legislação, a punição agora é muito mais rigorosaNa primeira vez, a multa por transporte irregular de passageiros é de R$ 1.090,65, valor que dobra a partir da reincidência, chegando, então, a R$ 2.181,30 por autuaçãoO veículo é apreendido e a liberação só ocorre mediante a quitação de todas as multasE o pagamento não livra o infrator de processo penal
Um motorista de carro particular contou que, depois de flagrado e multado na BR-116, entrou com ação judicial alegando que os passageiros foram coagidos pela Polícia Militar a revelar que estavam pagando pelo transporteLevou como testemunha duas passageiras, orientadas a negar o fato em juízoEle garantiu que obteve indenização por danos morais no valor de R$ 6.800Deu R$ 2 mil para cada “testemunha” e ficou com o resto.
O ônibus que faz a linha para Joaíma usado pela reportagem tem três autuações por transporte irregular, aplicadas em março de 2010 e maio e julho de 2011No entanto, continua carregando os passageiros para lá e para cáO veículo tem ainda mais uma autuação por desobedecer a ordem da autoridade de trânsito, condutor sem cinto de segurança e falta de documento obrigatório.
Epidemia que deve ser controlada
É pertinente a imagem de epidemia e de vírus usada por um diretor do DER para definir a proliferação do transporte irregular de passageirosInoculados no sistema, esses vírus cuidam de, gradativamente, destruir tudoA evasão de passageiros faz com que o sistema regular, caro, ineficiente e, muitas vezes, desconfortável, perca fôlego e tenha de cobrar cada vez mais caro pela passagemOs clandestinos, por sua vez, praticam uma competição predatória com os regulares e com outros irregularesCom o tempo, sem plano B, sem estrutura e sem alternativas, entram em decadência e não mais se sustentamO passo seguinte é o caosTrata-se de um jogo de perde-perde em que o passageiro fica na posição do marisco diante da briga do mar com o rochedoA ação tem de ser enérgica por um lado e educativa por outroÉ preciso fazer amplas campanhas de massa para que todos entendam a gravidade da situação(ML)