Se a função de uma rodovia federal é fazer a ligação entre os estados, na BR-381 as sandálias de borracha do lavrador Emanuel da Silva, de 59 anos, são como os pneus de qualquer carro ou caminhão. Ele pode até ser confundido com um andarilho sem destino, mas o que o move pela estrada é a saudade dos pais, da mulher e dos filhos. Por isso, deixou Ribeirão Preto, em São Paulo, onde estava havia 30 anos cortando cana, para caminhar 1.900 quilômetros de volta para casa, em Salvador, na Bahia. Viaja empurrando um carrinho de metal que fez para levar a sucata que recolhe e vende para o sustento.
Histórias como essa quase não são percebidas por quem se esforça para vencer as mais de 200 curvas do trecho de 108 quilômetros da BR-381, chamada Rodovia da Morte, entre Belo Horizonte João Monlevade (Vale do Aço). Ao percorrer por 24 horas essa via perigosa, inaugurada em 1959 pelo presidente Juscelino Kubitschek, a reportagem do Estado de Minas mostra que a pressa dos motoristas e a dor causada pelos acidentes, durante o dia, dão lugar, à noite, a delitos e ao hálito de cachaça do beijo das prostitutas.
Depois que deixou a mulher e dois filhos pequenos em Salvador, Emanuel da Silva passou de canavial em canavial na região de Ribeirão Preto. Até que a saudade bateu e ele, mesmo sem dinheiro, resolveu voltar. “Não tenho mais notícias se meu pai e minha mãe estão vivos ou como estão minha mulher e meus filhos. O trabalho em São Paulo acabou e, por isso, ficou difícil voltar”, conta.
Conversar com o lavrador de barba branca comprida, chapelão vermelho e branco e corpo sujo com a poeira do asfalto exige disposição. Ele não se nega a falar, mas se recusa a parar a caminhada pela BR-381. “Já perdi muito tempo na vida”, justifica.
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Cinco dos radares instalados na BR-381 nunca foram ligadosRadares continuam desligados na rodovia da morte Músicos interditam BR-381 para cobrar duplicação da rodoviaArtistas fazem show na BR-381 para pedir duplicação da rodoviaO sol forte que castiga o baiano inspira a garotada que vive nos povoados em volta da rodovia. Em Nova União, a atração é uma cachoeira que fica logo embaixo da pista, depois de uma pinguela de troncos finos. Do alto das rochas da encosta, jovens como o estudante Cleyton Henrique dos Santos, 18 anos, se refrescam dando saltos mortais na água esverdeada de procedência duvidosa.
VENDAS E ROUBOS
O calor e a falta de paciência na lenta fila para atravessar a ponte provisória do Rio das Velhas, em Sabará impulsionam as vendas para os motoristas de água mineral, refrigerantes e amendoins torrados. Dezenas de pessoas percorrem os veículos ao longo da via para ganhar uns trocados. “Consigo uns R$ 20 por dia para fazer compras para minha casa”, disse a doméstica Erlita Coelhos, 47. Ela só não fica depois das 17h30 por causa do risco de assaltos. “Estão roubando os motoristas que ficam presos na fila”, conta.
Uma das vítimas dos assaltos na região foi o auxiliar administrativo A.F.C., 32, que levou um tiro no peito, um no braço esquerdo e outro na perna direita, que o deixou manco. “Os dois bandidos queriam levar meu carro. Tentei correr e atiraram em mim. Achei que iam me matar, mas começou a chegar gente e eles fugiram com meu celular”, lembra.
Não é difícil ver as marcas da violência pela BR-381. Toda semana, o comerciante de Sabará F.G. encontra um punhado de documentos desovados na porta de seu estabelecimento, à beira da estrada. “As prostitutas atraem os caminhoneiros para armadilhas, usando bebidas e drogas. Depois os roubam e jogam seus documentos fora”, diz, mostrando o CPF, carteira de identidade, habilitação, certificado de reservista e cartões de crédito que encontraram de um rapaz de 29 anos, morador de São Gonçalo do Rio Abaixo.
Com o cair da noite, as prostitutas dos postos de gasolina aparecem entre as carretas compridas. Sobem nas boleias e fazem seus programas com os condutores, ali dentro ou no labirinto de carrocerias e carros estacionados. O preço médio é R$ 20. Algumas confirmam vender rebites – droga que os caminhoneiros usam para se manter acordados – e outras drogas.
Isoladas em casas no meio do mato, mulheres que trabalham em pequenos bordéis de beira de estrada começam a se embriagar cedo para aguentar o maior número de programas possível. São mulheres de rosto sofrido, que cobram R$ 15 por cliente, como D., de 31. Segundo ela, a ingestão de álcool começa às 17h. Quando escurece já está tonta, dançando pela casa de luz fraca com os interessados. Os clientes não gostam da chegada de estranhos e encaram qualquer um que aparece de surpresa.