Um dos autores de um crime hediondo que abalou o país em 22 de dezembro de 1992 está prestes a ganhar a liberdade condicional. Condenado a 32 anos de prisão por ter sequestrado e assassinado a menina Miriam Brandão, de 5 anos, – e, ainda queimar o corpo – , William Gontijo Ferreira, depois de cumprir 17 anos da pena, preenche os requisitos legais para pleitear libertação, e a soltura depende apenas do resultado de um exame criminológico pedido pela juíza Cláudia Regina Macegosso, da 1ª Vara Cível e Criminal de Caeté, na Grande BH. Os dois outros envolvidos no crime – Wellington Gontijo Ferreira, irmão de William, e Rosemeire Pinheiro da Silva, ex-funcionária da família –, condenados a penas menores, já obtiveram a liberdade condicional.
O Ministério Público já se manifestou favoravelmente à libertação condicional de William Ferreira, mas a juíza considerou necessário laudo psicológico e psiquiátrico antes de analisar o pedido. “Determinei que se realizasse perícia de periculosidade para ter a convicção de que ele tem condições de voltar ao convívio da sociedade”, disse ao Estado de Minas a magistrada, que informou ter agido assim “por cautela” diante das “peculiaridades” do caso.
Em seu despacho, Cláudia Macegosso observou que “o recuperando foi considerado autor direto do crime, inclusive se imputando a este a conduta de ceifar a vida da vítima com características de crueldade e barbaridade que não merecem ser repetidas aqui, posto que bem esclarecida nos autos e que, na época, causou uma das maiores comoções neste estado e com repercussão na seara nacional”
.
Ela afirmou que “o crime ainda é lembrado pelos anais do jornalismo e das discussões acadêmicas como um dos que mais horrorizaram o cenário nacional”. Cláudia Macegosso observou, também, que William “nunca se submeteu a qualquer exame pericial ou médico capaz de comprovar a cessação de sua periculosidade ou mesmo que apresentasse a este juízo um indicativo de personalidade desvinculada da perversidade ou outro elemento que se possa ter ao menos o indício de sua capacidade de total reintegração”.
William já obteve benefícios em função do tempo que ficou atrás das grades e pelo bom comportamento na prisão. Atualmente, ele fica livre de segunda a sexta e se recolhe à Fazenda de Ressocialização Reviver, em Caeté, para passar os fins de semana. A juíza informou que, nos autos, ele comprovou que trabalha. Mesmo assim, ela considerou indispensável o exame criminológico. “O preenchimento do requisito objetivo e o bom comportamento no estabelecimento onde cumpre pena em regime aberto não se mostram, neste caso, suficientes para a concessão imediata do benefício que se pleiteia.” Depois de realizado o exame, a juíza da Caeté vai analisar o resultado e avaliar se concede ou não a liberdade condicional ao assassino de Miriam Brandão.
Em 22 de dezembro de 1992, Miriam Brandão, de 5 anos, foi sequestrada pelos irmãos Wellington e William enquanto dormia, na casa de seus pais, o homeopata Volney Henrique Brandão e a socióloga Jocélia de Castro, no Bairro Dona Clara, Região da Pampulha. Eles se passaram por funcionários de uma empresa telefônica para entrar no imóvel. No dia seguinte, Miriam chorou e chamou pela mãe, no cativeiro, no Bairro Santa Cruz. Para que a menina parasse de chorar, os irmãos a sufocaram com éter. Em seguida, ela foi estrangulada, esquartejada e queimada. No mesmo dia, os sequestradores fizeram o primeiro contato com a família para exigir dinheiro pelo resgate. Em 7 de janeiro de 1993, os dois foram presos na casa usada como cativeiro, onde foram encontrados os restos mortais da criança enterrados no quintal. Rosemaire Figueiredo Silva, funcionária da farmácia de Jocélia e Volney e namorada de Wellington, foi presa acusada de ajudar no sequestro.
`Serei a eterna punida`
Diante da notícia de que o assassino de sua filha está em vias de ser libertado, a funcionária pública Jocélia Brandão, em depoimento emocionado ao Estado de Minas, na sala da mesma casa onde sua filha foi sequestrada há 18 anos, disse que sente profunda solidão e a sensação de fim de um ciclo: "Acaba o sentimento de que alguém estava pagando pela morte de minha filha. Os únicos punidos agora somos eu e minha família. Terei a prisão perpétua quanto ao direito de conviver com minha filha. Serei a eterna punida". Jocélia tinha 26 anos quando Miriam foi sequestrada e morta, apenas dois anos a mais do que a filha teria hoje.
A lei
“A lei tem de ser cumprida”, avalia Jocélia, sem reagir à ideia de libertação do último dos envolvidos. Mas ela considera que a punição para crimes hediondos no Brasil é muito branda. “As autoridades deveriam pensar nas famílias que são realmente punidas”. Jocélia defende a prisão perpétua, mas recusa a pena de morte. Diz que na época do crime chegou a defender a pena capital, mas depois mudou de ideia. “A gente não está preparado para ter pena de morte. Temo pela vida de pessoas que possam ser inocentes e pagar de uma forma sem retorno.”
Os criminosos
Jocélia esteve diante dos algozes de sua filha logo depois do crime, autorizada pelas autoridades. Queria perguntar a eles: Por quê? Wellington e Rosemeire só choraram e William respondeu que daria tudo para devolver a vida de Miriam à mãe. No fim do ano passado, viu Welington dentro de um carro, num sinal de trânsito. “Vi que ele me reconheceu. Eu me senti muito mal”. Há poucos meses, viu novamente Wellington, a pé, passando ao lado do carro dela. Ele abaixou a cabeça. “Pensei novamente em perguntar: ‘Por quê? Não perguntei. Peço a Deus para não me encontrar mais com eles.”
O perdão
“Nunca consegui ter ódio deles, nem desejei o mal a eles. Se eu quisesse vê-los mortos, teria encontrado alguém que faria por mim. Depois de um tempo, consegui lidar com o perdão. Ao perdoá-los, não tenho a obrigação de gostar deles. Eles pagaram diante de nossas leis, mas não diante de Deus. Quero ficar livre para viver a minha vida sem rancor. De minha parte, eles estão livres para viver a vida deles”. Ela elogia a juíza Cláudia Macegosso, que pediu um laudo criminológico antes de libertar William. “Não quero que cometam injustiça com ele, mas não pode deixar a sociedade à mercê de alguém perigoso.”
A fé
“Por um tempo fiquei afastada de Deus por causa do que aconteceu. Frequentávamos a igreja. Dois dias antes do sequestro, Miriam tinha comprado uma Bíblia para um funcionário nosso. Briguei com Deus, mas Deus me restaurou e restaurou minha fé. Tenho certeza de que se ele não estivesse comigo eu teria enlouquecido. Os filhos que Deus permitiu que ficassem comigo só me dão alegria. Sou uma pessoa feliz”. Jocélia tem um filho de 26 anos e duas filhas (de 15 e 17 anos).
A lembrança
“Eu gostaria que eles (os criminosos) soubessem que para mim isso tudo não faz parte do passado, como Wellington disse. Não quero apagar isso jamais. Faz parte de minha vida. Queria poder abraçar a minha filha”, afirma Jocélia, que lembra o dia do sequestro: “Saí às 7 horas, fui à cama dela dar um beijo e dizer ‘fica com Deus’. Quarenta minutos depois recebi um telefonema comunicando que ela tinha desaparecido.”
O futuro
Jocélia pretende intensificar o trabalho de conversas e palestras em grupos que vivenciam perdas para falar sobre superação. “Preciso fazer isso, sinto essa responsabilidade”. Ela supõe que esse “fim de ciclo’ que identificou diante da iminência da libertação de William pode ter a ver com esse momento. “Talvez seja a hora de escrever um livro”. Ela quer também fundar o Instituto Miriam Brandão para “amparar vítimas de violência e outras pessoas vulneráveis, como idosos”.