O povoado de Morro Vermelho, a 10 quilômetros de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, prepara-se para encenar, nesta quarta-feira, os 307 anos da Cavalhada Nossa Senhora de Nazareth, uma das mais antigas tradições culturais do Brasil, introduzida por colonizadores portugueses e jamais interrompida. Durante três séculos, a manifestação folclórica e religiosa vem sendo repassada de geração a geração em suas características originais. É assistida por mais de 5 mil moradores e visitantes. Apesar de enfocar a luta entre mouros e cristãos, a cavalhada representa o final da guerra, culminando com a vitória dos cristãos, a conversão e o pacto de aliança. Segundo o presidente da Cavalhada Nossa Senhora de Nazareth, Nildo de Jesus Leal, a tradição começou em Portugal no século 13 e se espalhou pelo Brasil. No século VI, os mouros ou mulçumanos invadiram a Europa, de onde só foram expulsos 800 anos depois.
A Festa de Nossa Senhora de Nazareth foi aberta ao meio-dia do dia 30 de agosto com repiques de sinos e queima de fogos, anunciando aos moradores o início das festividades. À noite foi iniciada a novena, repetida diariamente. O mesmo ocorreU em Caeté, onde a Bandeira de Nazareth segue de casa em casa.
Nesta terça-feira, dia 6, ao fim da tarde, depois de concentração no Bairro Bonsucesso, em Caeté, mais de 200 cavaleiros participaram do desfile da Bandeira de Nazareth pelas ruas e avenidas, em direção a Morro Vermelho, onde foram recebidos, ao anoitecer, em grande festa popular.
Na quarta-feira, os moradores e visitantes de Morro Vermelho são acordados às 4h com banda de música, fogos e repique de sinos. São celebradas missas pelos festeiros, mordomos e cavaleiros. Ao meio-dia começa o Desfile dos Mascarados, que percorrem ruas e casas, expulsando males e limpando caminhos para cavalhada à noite.
Às 21h, logo após a novena, 12 cavaleiros cristãos e 12 mouros conduzem a Bandeira de Nazareth à praça, onde são recebidos por fogos de artifício, repiques de sino e banda de música. O imperador mouro saúda com embaixadas a bandeira, recebida do embaixador cristão, que também a venera. Os mouros hasteiam a bandeira em seu reino, simbolizando a adoção da fé cristã.Para selar a paz entre os povos, os embaixadores dão novas embaixadas. Cristãos e mouros entrelaçam fitas no mastro, amarrando o compromisso de fé aos pés da Virgem Maria. Unidos, os cavaleiros fazem uma série de evoluções. Encenam um 8 (união de dois povos), uma meia lua (início de uma amizade crescente) e assistem a um espetáculo pirotécnico (queima de deuses pagãos). Cristãos e mouros fazem novas evoluções e se despedem da multidão.
Na quinta-feira, dia da natividade da Virgem Maria, há missa cantada em latim a quatro vozes, acompanhada de orquestra. À noite, é realizada procissão pelas ruas enfeitadas. A chegada da imagem à Matriz é transformada em apoteose e queima de fogos, sendo a festa encerrada com o Te Deum, um agradecimento a Deus.
História
Fundado 1650, Morro Vermelho viveu, no início do século XVIII, o apogeu do ciclo do ouro, chegando a agrupar mais de 10 mil habitantes entre mineradores, tropeiros, mascates, comerciantes, trabalhadores e escravos.
O arraial é conhecido, na história antiga de Minas Gerais, como palco da primeira eleição direta da Américas. Em dezembro de 1707, como ato supremo de resistência às determinações de Portugal e dos desmandos de paulistas nas comarcas mineiras, os povos de Sabará, Rio das Velhas e do Caeté marcharam para Morro Vermelho, onde elegeram, pelo voto direto, o líder da comunidade Manuel Nunes Viana como governador das Minas Gerais. Foi o início da Guerra dos Emboabas, movimento que se estendeu até 1709 e que representou a formação de Minas.
Também foi marcante em Morro Vermelho a insurreição em 1715 contra Portugal pela cobrança do quinto do ouro pelo número de bateias. Determinada pela Coroa Portuguesa, a cobrança foi aceita por três comarcas mineiras, mas o motim arrebentou em Morro Vermelho, onde o governador da província foi recebido em armas e revogou a decisão.
Em 7 de setembro de 1983, a comunidade de Morro Vermelho se concentrou para um ato cívico na Praça da Matriz para mais um levante pela dignidade e cidadania. Ali, deu início a um novo grito de liberdade, pelas eleições diretas para presidente da República. Até então, um ato isolado da oposição no Brasil, o movimento de Morro Vermelho foi tomando as ruas das grandes metrópoles brasileiras e se tornou um clamor nacional.
Como chegar
Para quem está em Belo Horizonte, o acesso pode ser feito pela BR-381, via Serra da Piedade até Caeté, seguindo-se por estrada de terra até o distrito. O acesso a Caeté pode ser feito também por Sabará em estrada asfaltada. Outra opção é por Nova Lima e Raposos, seguindo-se 16 quilômetros por estrada de terra.