Jornal Estado de Minas

Avenida Saramenha é símbolo da vida que pulsa na Zona Norte de BH

Em uma esquina, a Linha Verde, passarela para o aeroporto internacional de Confins, que dá no mundo. No outro extremo, o Ribeirão do Onça, que desemboca no Rio das Velhas, seguindo o São Francisco, que também cruza divisas e se abre para o Atlântico e dele para o planeta. De uma ponta à outra, com menos de dois quilômetros de extensão, há um outro mundo, um microcosmo estendido em um traçado de contrastes e desafios, onde a cidadania começa a se sobressair. Seu nome é Avenida Saramenha, artéria no quadrante dos bairros Heliópolis, Floramar, Guarani e Tupi, na Região Norte de Belo Horizonte – a nova fronteira de urbanização de uma capital que já não tem lá muito para onde crescer. Hoje duplicada, com canteiro central e espaço reservado para pedestres e ciclistas, nem de longe a via lembra o córrego conhecido na infância pela dona de casa Rosineide Teodoro dos Santos, de 42 anos, nascida na área. “Para atravessar, a gente tinha que cruzar pinguelas”, recorda-se. Mas o progresso também espanta: trouxe violência e trânsito; trouxe drogas. Agora, a comunidade se movimenta para se apropriar da avenida e desfrutar do que o desenvolvimento trouxe de bom. O que se vê pelos quarteirões indica que está conseguindo.



Último ponto de explosão em Belo Horizonte, a Zona Norte floresce. Com ela, a Saramenha. Para descobrir a vida que pulsa nesse pequeno universo, o Estado de Minas percorreu a avenida em dias e horários diferentes. A cada momento, a cidade se expressa no comércio que gira. Vai do topa-tudo com grande estoque de bugigangas à boa academia de ginástica, onde se vende saúde. Tem também bailão para gente de juízo que vara a madrugada ao som de forró e sertanejo; tem carroceiro que tira o sustento no tocar das mulas e tem flora de bom gosto.

Nada que faça lembrar os tempos dos primeiros moradores, que chegaram nos anos 1930, como servidores de fazendas na região. Casinhas em condições precárias foram se juntando por cinco décadas até a chegada do asfalto. Os cidadãos, então, ganharam novas oportunidades para a melhor apropriação da avenida.

Mas, nesse Norte de paradoxos, a violência ainda assusta. Enquanto a artesã Dorinha, moradora do Residencial Maria Stella, reclamava mais segurança para a região, não longe dali, o agente penitenciário Ronaldo Miranda de Paula era fuzilado por bandido foragido da polícia, na Avenida Waldomiro Lobo. Ainda assim, com o helicóptero da polícia a riscar o céu em busca do assassino, Dorinha, síndica de um dos 50 blocos, que somam 800 apartamentos, com quase 4 mil moradores, diz gostar muito de morar na Saramenha. Especialmente, pela união por parte da boa turma que faz funcionar o lazer e o social do conjunto em que vive. “A gente tem sempre o que fazer no clube do condomínio”, conta.



Na sede social há duas piscinas, churrasqueira, sauna e salão de festas, além de bar de sucesso nos fins de semana. Dorinha quer mais. A mãe de Leandro, Jefferson e das gêmeas Cibele e Gisele exibe vocação de líder comunitária: “Quero trabalhar melhor pelo condomínio. Precisamos de coleta seletiva, de transformar nosso lixo orgânico. Gostaria que o clube oferecesse aulas de arte para a comunidade. É preciso uma ocupação ainda melhor do bom espaço que temos”, defende. É com que sonham e para o que trabalham muitos moradores e gente que frequenta a avenida.

Via de todos os sons

Linha de mão dupla em diversidade cultural, música para todos os gostos atravessa de uma ponta à outra a Saramenha. No bar de esquina, o rádio toca pop rock nacional, hit do Jota Quest, enquanto o pedreiro Milton faz pausa para pingado morno. O celular do garoto da bicicleta amarela chama hip-hop qualquer. Ele atende: “Fala, véi! Tô na padaria”. O resto do assunto fica entre os amigos. No mesmo quarteirão, a balconista Neli, vaidosa, passa batom para assumir o caixa e cantarola, junto da TV, canção de Paula Fernandes. A bela, na crista da onda sertaneja, anima o ambiente.

Na outra ponta, quilômetro dali, pouco mais tarde, a academia de ginástica bomba música eletrônica para embalar a dança dos ferros. Pouco antes, Opalão branco, turbinado, passa ao ritmo de inconfundível batidão funk. Dentro dele, com quilos de alto-falantes no porta-malas, o moço sem camisa, de óculos escuros e se fazendo de galã quer chamar a atenção. Cotidiano de cenas cruzadas que se repetem ao longo do dia. À noite, a balada é outra: é profissional. Hora de bailão de sucesso na avenida.



Um dos símbolos da retomada da avenida é a Praça Jorge Alves recuperada e reocupada (foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press)


Há 11 anos no mesmo endereço, a casa de shows do gênero, com capacidade para 3 mil pessoas, é sucesso entre os mais maduros. Os donos do negócio bem que tentaram trabalhar para a moçada de pouca idade, logo na inauguração. Não deu certo. O funk trouxe aborrecimentos para a família do empresário Magno Florentino de Oliveira, de 47 anos, responsável pela administração, que, por fim, decidiu trabalhar outro público: gente acima dos 25, 30 anos e também, claro, a melhor idade.

Dois dias da semana, na quinta-feira e no domingo, quem comanda a pista são os veteranos. É quando o bailão mostra sua força casamenteira e une a moçada com mais de 60, ao som de clássicos nacionais e internacionais. Às sextas e aos sábados, o forró vai até quase raiar o dia.

A principal concorrência do bailão é a sede social do Conjunto Residencial Maria Stella. Para atender os habitantes de seus 800 apartamentos, o programa do clube na sexta-feira é sucesso entre os que gostam da boa seresta. O evento é limitado a moradores e convidados. Segundo a administração, parte dos R$ 220 mensais de cada condômino é destinada ao lazer. Em editorial publicado no último informativo interno, o administrador Afonso Celso Guimarães chama a atenção para a importância da participação de todos. Segundo ele, “para usufruir de benefícios que poucos condomínios têm condições de proporcionar”.