Trata-se da investigação sobre a morte da empregada doméstica Luzia Rodrigues Fernandes, de 65 anos, em 2009Ela foi atropelada na calçada no Prado, Região Oeste da capital, pelo médico Fellipe Ferreira Valle, à época com 29 anosEle fugia de policiais militares, depois de sair de uma boate na Praça Raul Soares, no Centro, e dirigiu na contramão por nove quarteirõesIndiciado por crime doloso, o médico também foi denunciado pelo Ministério Público e chegou a receber sentença de pronúncia para ir a júri popularEm fevereiro, porém, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, atendendo a recurso da defesa, desqualificou a interpretação, em posição semelhante à do STF
Para o promotor do 2° Tribunal do Júri de Belo Horizonte, Francisco de Assis Santiago, a decisão do STF é absurda “Estou cansado de decisões de favorecimento a bandidosEssa decisão é uma verdadeira licença para matarEla diz: ‘Pode beber e dirigir, porque, se matar alguém, não vai dar em nada’O motorista embriagado assume os riscos de sua conduta e por isso precisa ser punido por homicídio doloso, tendo em vista o dolo eventualO mesmo acontece com casos que envolvem racha, direção em alta velocidade ou carro na contramão”, afirma.
O promotor reconhece que o TJMG mantém o entendimento pela culpa, mas não se abate“O tribunal ainda é muito conservador, mas nós, promotores, entendemos que muita gente ainda vai morrer nessa combinação perigosa de álcool e direção, se não houver uma punição rigorosaSe um caso deste tipo chegar para mim, o motorista vai ser denunciado por homicídio dolosoSou pai de família e prezo a vida, por isso minha caneta é dura”, diz ele.
Para o advogado do médico, José Arthur Di Spirito Kalil, as decisões do Supremo e do TJ são corretas e técnicas“Meu cliente não se submeteu ao teste do bafômetro, e um exame clínico depois do acidente não demonstrou sinais de embriaguez, embora ele tenha dito em depoimento que bebeu
Chefe do Departamento de Operações Especiais do Detran/MG, o delegado Ramon Sandoli destaca que o entendimento do STF não é o mesmo que o da Polícia Civil mineira“A Polícia Civil, por meio do Detran, compartilha do entendimento do Ministério Público: o motorista que conduz um veículo após ingerir bebida alcoólica ou em alta velocidade entende que pode causar um mal maior”, afirma.
A delegada-adjunta de Acidentes de Veículos, Andréa Abood, afirma que a proposta é dar um tratamento mais rigoroso ao assunto“A sociedade nos cobra mais rigor, e o entendimento da primeira instância é de homicídio doloso, em casos de acidentes com mortes que envolvam embriaguezCrimes de trânsito são tratados como negligência, imprudência ou imperícia, supondo que ninguém sai de casa com a intenção de usar o carro para matarA discussão é de que o motorista sabe que o álcool interfere nas suas capacidadesNão se pode generalizar e por isso a maioria dos casos ainda fica caracterizada como culpaTodas as circunstâncias são levadas em consideração, mas a intenção é de trabalhar com mais rigor”, avisa
Para o advogado Carlos Cateb, especialista em transito da Ordem dos advogados do Brasil, seção Minas Gerais, a decisão do Supremo abre um precedente ariscado “Praticamente acaba com a puniçãoFiquei decepcionadíssimoO condutor que dirige em alta velocidade, na contramão ou embriagado, sabe desse perigo e assume o riscoMas essa decisão confirma a absoluta certeza da impunidade e só beneficia o criminoso”, avaliaEle, porém, reconhece que a falha tem origem em brecha deixada pelo Código Brasileiro de Trânsito, que permite a interpretação que resulta em punição mais suave
Dolo ou culpa
O Código Penal trata como homicídio doloso os casos mais graves, em que o agente tem a intenção de matarO crime é hediondo e o artigo 121 prevê pena de seis a 20 anos de prisãoHá situações em que há o dolo eventual, quando o acusado não quer cometer o crime, mas assume o riscoNos casos de trânsito, por exemplo, uma corrente do direito defende que agravantes como a embriaguez, a alta velocidade e a direção na mão contrária do fluxo podem ser caracterizados dessa formaOs tribunais que acompanham esse entendimento aplicam a mesma pena do homicídio dolosoJá o homicídio culposo trata da negligência, imprudência e imperícia, mas pressupõe que o agente não tem a intenção de cometer o crimeA pena, nesses casos é de um a três anos de reclusão.
O caso Fellipe Valle
O caso Gustavo Bittencourt
O caso Eduardo Pedras