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Estado de Minas Na trilha do Dr. Lund

O achado do mais antigo fóssil humano do país

Arqueóloga que chefiou missão franco-brasileira e encontrou fóssil humano mais antigo do país resgatou para a ciência a importância dos sítios históricos da região de Lagoa Santa


24/09/2011 06:00 - atualizado 24/09/2011 07:37

 

Patrocinada pela Unesco, a expedição promoveu, de 1974 a 1976, escavações nas cavernas, principalmente na Lapa Vermelha
Patrocinada pela Unesco, a expedição promoveu, de 1974 a 1976, escavações nas cavernas, principalmente na Lapa Vermelha (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press/Reprodução )

O que há de comum entre a Revolução Russa (1917), os campos de prisioneiros da Alemanha nazista e um crânio humano de 11,4 mil anos? Antes que alguém pense tratar-se do roteiro de novo filme de ficção ou tema de romance fantástico, é bom avisar que o elo dos três episódios tem como figura central uma mulher – e muito a ver com Minas. Filha de diplomatas franceses, a arqueóloga Annette Laming Emperaire (1917-1977) teve uma vida de grande atuação e bem globalizada, numa época em que essa palavra nem estava nos dicionários. Nascida em São Petersburgo 15 dias antes de os bolcheviques tomarem Moscou, ela seguiu com os pais para a França e durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) participou da Resistência até cair em desgraça nas mãos dos alemães. Com o fim do conflito, Annette se dedicou à sua paixão pelas pesquisas e escavações, que lhe trouxeram ao Brasil e, na década de 1970, a Lagoa Santa, na Grande BH. Como chefe de uma missão franco-brasileira, encontrou o fóssil humano com datação mais antiga do país, a Luzia, e deu nova dimensão aos achados do naturalista dinamarquês Peter Lund (1801-1880).

Um bom pedaço da passagem da pesquisadora francesa pela região cárstica de Lagoa Santa, que inclui, além desse município, Matozinhos, Pedro Leopoldo, Capim Branco, Vespasiano, Confins, Funilândia e Prudente de Morais, está em cartaz no Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Caale), no Centro de Lagoa Santa. Montada pela prefeitura local, que administra o espaço, com apoio do Serviço de Cooperação e Ação Cultural da Embaixada da França, a mostra vai até dezembro e traz um documentário, cadernetas de campo, fotografias das cavernas, desenhos de pinturas rupestres, mapas, artefatos em pedra e outros materiais do acervo do Caale ou cedidos pela família e outros especialistas. “Madame Annette ainda é pouco conhecida dos brasileiros, embora tenha desenvolvido pesquisas em outros estados e prestado serviços relevantes à ciência”, diz o curador da exposição, o museógrafo Mauro Agostinho Chagas.

Ao lado da arqueóloga Rosângela Albano, responsável pelo Caale (criado em 1983), e do historiador da entidade, Cleito Ribeiro, Mauro conta que Annette teve papel de relevância na formação de toda uma geração de arqueólogos, a exemplo de André Prous, Niède Guidon, Maria Beltrão e Paulo Junqueira. Olhando os painéis nas paredes e as peças expostas, Rosângela destaca a metodologia criada pela francesa, até então inédita no país, para o estudo das pinturas rupestres presentes nas cavernas e abrigos da região, enquanto Cleito ressalta que ela fez as primeiras datações com o uso de carbono 14 no Brasil.

A missão franco-brasileira em Lagoa Santa, sob a chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ficou na região entre 1974 e 1976 e concentrou as escavações principalmente na Lapa Vermelha de Pedro Leopoldo. Foi nessa caverna que Annette encontrou Luzia, cujo crânio está no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ). Em 1998, a primeira mulher da América, como entrou para a história, ganhou um rosto e uma história. Ao fazer o levantamento de coleções de fósseis no museu, o antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), fez estudos aprofundados sobre os ossos e providenciou a datação, que é de 11,4 mil anos. }

Cleito Ribeiro, Rosângela Albano e Mauro Chagas organizam mostra arqueológica em Lagoa Santa
Cleito Ribeiro, Rosângela Albano e Mauro Chagas organizam mostra arqueológica em Lagoa Santa (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)

Despertar nas pesquisas

Um dos grande méritos da missão franco-brasileira foi resgatar a importância , no cenário científico mundial, de Lagoa Santa, onde de Lund, em mais de quatro décadas, coletou mais de 12 mil fósseis, os quais foram enviados, em 1845, ao rei da Dinamarca. A expectativa é de que 300 deles, em exposição no Museu Zoológico de Copenhague, retornem a Minas em regime de comodato para mostra permanente no receptivo turístico Peter Lund, a ser inaugurado, ainda sem data, na Gruta da Lapinha, em Lagoa Santa. O acordo foi firmado, em 2010, entre os governos da Dinamarca e de Minas.

Depois de Lund, a região, localizada na Área de Preservação Ambiental Cárstica de Lagoa Santa (APA Cárstica), só atraiu novos olhares na década de 1950, quando pesquisadores da Academia Mineira de Ciências e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomaram as escavações. Mauro destaca que houve um hiato de quase 100 anos nas pesquisas, mas a missão franco-brasileiro fez um bom trabalho durante dois anos, provocando um despertar nas pesquisas de maneira sistemática. “Esta região é das mais importantes do mundo em termos arqueológicos, paleontológicos e espeleológicos”, afirmam os três especialistas sobre a presença do homem, dos fósseis e das cavernas. Rosângela explica que o legado de Madame Annette inclui a criação de um guia, referência até hoje para estudos de material lítico, ou instrumentos de pedra produzidos pelos primeiros habitantes da América do Sul. Já no Paraná, onde atuou nas décadas de 1950 e 1960, Annette estudou os sambaquis, os sítios arqueológicos do litoral.

As fotos da exposição, que faz parte da 5ª Primavera de Museus e homenageia as mulheres, mostram o dia a dia de Madame Annette, vista com os instrumentos de seu ofício, junto à equipe ou caminhando nas cavernas. “Contam que era uma pessoa afável, simples e conversava com todo mundo”, diz Mauro. Paralelamente à exposição, há também uma mostra sobre Peter Andreas Brandt, desenhista e ilustrador que acompanhou Lund.


Um marco da arqueologia
Annette Laming Emperaire se formou primeiro em filosofia para depois se especializar em arqueologia. Em Paris, estudou sob orientação do francês Leroi Gourhan, com enfoque na arte rupestre da Europa ocidental, e nos anos seguintes dedicou-se aos estudos sobre a pré-história sul-americana, desenvolvendo, com o marido J. Emperaire, as pesquisas científicas pioneiras sobre os sambaquis do litoral brasileiro. Nesse setor, conseguiram as primeiras datações radiocarbônicas para sítios arqueológicos do país. Depois de estudar os sítios de ocupação humana mais antiga na Patagônia chilena, Annette retornou ao Brasil e participou da expedição e estudar um dos últimos grupos indígenas arredios do Brasil meridional – os xetás, do Paraná. Já como diretora de pesquisas da École Pratique des Hautes Etudes, de Paris, Annette foi, nos anos 1970, coordenadora científica da missão franco-brasileira de Lagoa Santa, que atuou no abrigo de Lapa Vermelha IV, em Pedro Leopoldo, na Grande BH. Nesse local foi possível, pela primeira vez, obter a datação mínima para pinturas rupestres brasileiras.


Linha do tempo
1801 – Nasce na Dinamarca Peter W. Lund, que viveu 46 anos na região de Lagoa Santa e é considerado o pai da paleontologia, arqueologia e espeleologia brasileiras
1832 –Lund (1801-1880) faz as primeiras descobertas de fósseis em cavernas e abrigos de Lagoa Santa
1845 – Lund envia ao rei da Dinamarca a coleção de fósseis encontrados na região de Lagoa Santa
Década de 1950 – Pesquisadores da Academia Mineira de Ciências e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomam as escavações na região
1974 –Missão franco-brasileira, chefiada por Annette Laming Emperaire (1917-1977), faz escavações, até 1976, em Lagoa Santa
1975 – Annette Laming encontra na Lapa Vermelha IV o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo com datação do Brasil
1998 – Antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo, estuda e data (11,4 mil anos) o crânio de Luzia
2010 – Em maio, governos de Minas e da Dinamarca fecham acordo para cessão, em comodato, de 300 fósseis para exposição permanente em Lagoa Santa

 


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