Jornal Estado de Minas

Guerra sobre área do Parque da Serra da Canastra pode acabar na Justiça

Emenda que tenta reduzir parque onde nasce o Rio São Francisco, de carona em texto que trata da Amazônia, pode ser questionada pelo MP, caso vença a resistência na Câmara

Valquiria Lopes Simone Lima

Fiscais na unidade: ofensiva ameaça a área sob proteção federal - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press %u2013 18/6/10

A disputa ambiental travada no Legislativo envolvendo uma das mais importantes unidades de conservação de Minas, berço do Rio São Francisco, pode ir parar na JustiçaA proposta de fixar a área do Parque Nacional da Serra da Canastra em 71,5 mil hectares, contra os 200 mil originais, prevista na Emenda 14 do deputado federal Odair Cunha (PT/MG), apresentada à Medida Provisória 542/2011, pode ser alvo de ação direta de inconstitucionalidade do Ministério Público Federal, caso seja aprovadaA possibilidade foi levantada pela procuradora da República em Passos, no Sul de Minas, Ludmila Oliveira“Por enquanto, a votação cabe aos congressistasSe a mudança for aprovada, o procurador-geral da República pode pedir a anulação da matéria”, afirma

Veja as fotos do parque


A Medida Provisória à qual foi anexada a emenda de Odair Cunha, da presidente Dilma Rousseff (PT), trata da alteração de limites de unidades de conservação na Amazônia, para desenvolvimento de projetos hidrelétricos e de assentamentoDepois de editada, recebeu 14 emendas, entre elas a que trata da Serra da CanastraPara a procuradora Ludmila Oliveira, a ação pode ser um instrumento para barrar a iniciativa do deputado mineiro“O parque tem alta relevância para preservação de espécies endêmicas de fauna e espécies ameaçadas de extinçãoÉ uma área de recarga aquífera estratégica para bacias de rios importantes, como o Rio Grande e o São FranciscoDiminuir essa área seria um retrocesso”, afirma a representante do Ministério Público Federal.

Para ela, o que deve ser feito é a consolidação da área que já foi delimitada e que está sob proteção, de 200 mil hectares

Outro aspecto que a procuradora defende é que o caráter de urgência peculiar às medidas provisórias não é compatível com uma alteração de grande porte em uma unidade de conservação que tem proteção integral.

A controvérsia em torno da verdadeira extensão do Parque da Canastra remonta há mais de 30 anos De acordo com o deputado Odair Cunha, quando a unidade de conservação foi criada, em 1972, o decreto de criação estabelecia a área do parque em 200 mil hectares, mas em seu artigo 4º, o texto abria precedente para a delimitação de áreas agriculturáveis“Em 1974, o plano de manejo feito para o parque limitava o espaço em 71,5 mil hectares, que é a área real da unidade de conservaçãoComo o governo federal não desapropriou os outros cerca de 130 mil hectares, há famílias e mineradoras que estão tendo suas atividades econômicas prejudicadas”, afirma o deputado

Já o diretor do reserva, Darlan de Pádua, afirma que o plano de manejo foi feito apenas para a área já desapropriada, o que não interfere na área original de aproximadamente 200 mil ha do parqueAo falar sobre a emenda, Darlan de Pádua faz um alerta: “O Brasil é obrigado a preservar pelo menos 4% de cada bioma e na Canastra temos uma das maiores manchas do cerrado brasileiro, que pode ser colocada em riscoTemos espécies raras, como lobo-guará, tamanduá-bandeira, tatu-canastra, onça-parda, e outras em extinção, só preservadas por causa do parque.”
 
Bancada

Na própria Câmara dos Deputados, onde tramita a proposta referente ao parque, há resistência à ideia de reduzir a área de conservaçãoA bancada do Partido Verde já se manifestou contra a medida“É um absurdo tentar passar uma emenda junto a uma medida provisória e tentar mudar a área de um parque tão importante quanto o Parque da Canastra, ainda mais sem estudos de viabilidadeVamos nos colocar radicalmente contra na votação”, afirma o líder do PV na Câmara, deputado federal Sarney Filho (MA)
Segundo ele, a bancada tem como aliados na resistência o bloco do PPS e a Frente Parlamentar AmbientalistaA Medida Provisória 542/2011 já está trancando a pauta na Câmara e deve ser votada no prazo de duas a quatro semanas

Mesmo diante das críticas, o deputado Odair Cunha reiterou nessa quinta-feira que a emenda apresentada por ele não diminui a área do Parque da Canastra, mas apenas regulamenta o que de fato é o espaço total da unidade de conservaçãoSobre a postura contrária dos parlamentares do PV, Odair afirma que “sempre vão haver bancadas contra e a favor de qualquer projeto”Diz ainda que “do mesmo modo que o MPF tem legitimidade para entrar com uma ação”, ele, como parlamentar, tem para propor a emenda

Fogo é outro adversário

 

 

Fiscais na unidade: ofensiva ameaça a área sob proteção federal - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press %u2013 18/6/10 

As iniciativas para reduzir a área do Parque Nacional da Serra da Canastra não são a única preocupação dos defensores da área verde: o fogo é outro grande adversárioDepois de três dias de incêndio, pelo menos 800 hectares de mata foram completamente destruídos em São Roque de Minas, no Centro-Oeste do estado, município que faz parte da área do parque e que abriga a nascente histórica do Rio São FranciscoA preocupação agora é evitar que as chamas invadam a parte regularizada da área de conservação da Canastra.

Nos últimos dias, cerca de 50 pessoas, entre voluntários e brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), lutam para conter as chamasNessa quinta-feira , durante mais de 12 horas, homens e mulheres munidos de abafadores e bombas d’água conseguiram controlar o primeiro foco, que atingiu uma área denominada de Complexo da Canastra, onde foram destruídos aproximadamente 300 hectares de mata.

Segundo o agente de fiscalização ambiental do ICMBio Lourenço Leno da Silva, um córrego será usado a partir de hoje para tentar acabar com o segundo foco de incêndio, que atinge a região do Complexo da Babilônia, onde mais de 500 hectares foram destruídos“Estamos esperando também dois aviões para ajudar nesse combateAcreditamos que até no fim do dia as chamas serão controladas”, diz

Uma base foi montada no local conhecido como Garagem de Pedra, que fica a 20 quilômetros das chamas Segundo Lourenço Silva, o fogo está em uma área de difícil acesso, o que atrasa os trabalhos“Precisamos contar com um helicóptero para chegar até o localAinda não sabemos especificar os danos casados à fauna e à flora do parque”, conta.

Nessa quinta-feira, enquanto a equipe controlava os dois focos de incêndio, um terceiro se formou, também no Complexo da Babilônia, próximo a DelfinópolisPara o chefe do Parque Nacional da Canastra, Darlan Pádua, todos os incêndios foram criminosos“Não há possibilidade de esses focos terem começado de forma naturalAlém do desrespeito à natureza, há os custos para combater o fogoSó com aeronaves, não gastamos menos de R$ 25 mil por dia”, calcula.