O avanço da violência nas escolas públicas e particulares de Minas registrado pelas estatísticas e sentido na carne por professores e alunos mobiliza Ministério Público, Judiciário, Legislativo, sindicatos e educadores em busca de soluções para a paz. O número de ocorrências cresceu 140% (82 para 190) nas escolas no primeiro semestre deste ano comparado a igual período de 2010, segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social. Em pouco mais de um mês, um menino de 11 anos foi flagrado com revólver na instituição onde estuda e um adolescente tentou matar a tiros um auxiliar de serviços em BH. E outro estudante agrediu uma diretora em Contagem. Há menos de um ano, um professor foi assassinado por um estudante na capital.
Enquanto o Ministério Público discute com prefeituras das cidades polo de Minas a assinatura de termos de ajustamento de conduta (TAC) para combater o bullying, outro grave problema nas escolas, o Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (Saae-MG) e o Sindicato dos Professores do Estado de Minas (Sinpro) se juntam ao Ministério Público e à Justiça para mapear a violência nos colégios dessas cidades polo.
“Nós e o Sinpro procuramos o Ministério Público e o juiz Antônio Gomes de Vasconcelos depois da morte do professor de educação física. O próximo passo agora será a abertura de audiências públicas nessas cidades para discutir soluções e medidas para inibir a violência nas escolas, seja contra alunos, professores e funcionários”, informa o presidente do Saae, Carlúcio Borges Araújo. Ele considera que a violência se manifesta de formas diferentes nas escolas. “Na pública, a violência física é mais presente. Na particular há violência psicológica aplicada pelo alto poder aquisitivo e as ameaças à carreira dos funcionários. Isso os (trabalhadores da educação) deixa tensos, mas, como não há registro do desgaste, temem até o afastamento pelo INSS”, diz.
Já o Sinpro lançará campanha na segunda-feira mostrando situações vivenciadas pelos docentes. Para tentar solucionar essa difícil equação de combate à violência, a Assembleia Legislativa sediará o Fórum Técnico de Segurança nas Escolas, que, depois de enumerar propostas no interior, vem discutir a questão na capital.
Para o professor da Faculdade de Educação da UFMG Walter Marques, a violência na escola é reflexo da própria sociedade. Ele afirma que o modelo “salvacionista” da educação está falido e que a escola sozinha não conseguirá resolver estes problemas. “Os conflitos sociais vão eclodir na escola, que há muito tempo está isolada da sociedade e da família. O professor hoje é pai, psicólogo, assistente social, enfermeiro. A escola assumiu uma função que não é dela e precisa voltar a compartilhar as responsabilidades”, afirma o professor. “A pesquisadora da violência Helena Abramo, diz que a violência ocorre quando não se consegue conversar. O que falta na escola é diálogo. Quanto mais as escolas subirem seus muros, quanto mais as famílias se isolarem em condomínios, cercas elétricas e carros blindados, mais violência vai existir. É um trabalho de comprometimento e integração”, completa.
Professora da PUC Minas, Sandra Tosta ressalta outros aspectos para um índice de violência que chega a 26%, de acordo com pesquisa que ela mesma desenvolveu em escolas particulares entre 2009 e 2010: o perfil dos alunos e a falta de valorização dos professores. Segundo ela, a educação precisa de políticas públicas sérias. “Não podemos pensar que o problema é só da escola. Os profissionais são profundamente desvalorizados e desqualificados e, com isso, perdem toda a sua eficácia como educador. Outra questão é o perfil do aluno que chega às escolas sem limites, com postura da própria família. A educação começa em casa, mas as famílias entregaram esse dever à escola. Assim, o professor vive situação de fragilidade e as causas de seu adoecimento são violência, estresse e relações tensas com a gestão escolar por causa das ameaças de desemprego”.
O Sinpro também ouviu 2.500 educadores em todo o estado em 2009 para avaliar o problema. O estudo indica que 41% dos entrevistados já sofreram agressão. A maior parte (27%) foi vítima de ameaças, assédio moral ou violência psicológica e cerca de 5%dos professores denunciaram ter sofrido violência física. Mas o professor não é o único alvo. Entre os estudantes, o bullying é o que mais preocupa. De acordo com dados do IBGE, três em cada 10 estudantes brasileiros, matriculados no último ano do ensino fundamental, relatam ter sido vítimas dessa humilhação. E Minas Gerais foi reprovado, pois BH é a segunda capital com o maior índice (35,3%) desses atos de violência, atrás apenas de Brasília, com 35,6%.
Depoimentos
M. C. G. B., de 46 anos
Professora
“Com 20 anos de profissão, posso dizer que hoje não existe mais professor que não tenha sofrido violência. Mas, nos colégios particulares, os professores se calam, com medo de perderem seus empregos. Para os gestores, o aluno é um cliente que deve ser agradado. Por enquanto, ainda estamos na agressão verbal, mas não demora muito para a gente apanhar. Os alunos não têm mais respeito, acham que podem falar como quiser, porque não há valorização do profissional da educação. Ontem mesmo, na escola onde dou aulas, vi um estudante xingar o professor, que não pôde fazer nada”
J. A., M., de 13 anos,
Aluno do 8º ano
“Eu odiava que me chamassem de ‘gordo’. Isso virou um rótulo, uma marca, que já me fez ser excluído de times de futebol e de grupos de educação física. Como a camiseta do uniforme ficava apertada, me acostumei a vestir sempre um moletom, mesmo em dias de calor. As brincadeiras me chateavam tanto que me cansei de inventar desculpas para faltar à aula. Já disse que estava com dor de barriga, no ouvido, na garganta. Até mudei de escola, emagreci 20 dos 86,8 quilos, mas aqueles malhados que pensam que são o máximo ainda me chamam de ‘gordo’. Reclamei com a diretora, mas a zoeira não para”