O fotógrafo Robert Serbinenko já perdeu as contas de quantas vezes acordou no meio da madrugada com o grito da torcida do Flamengo “debaixo do travesseiro”. E ele nem mora ao lado de um estádio, mas nas imediações da Avenida Prudente de Morais, no Bairro Santo Antônio, em plena Região Centro-Sul, um dos redutos da boemia da capital. A perturbação, que nesse caso vem dos bares que reúnem torcedores de times mineiros, paulistas e, em especial, cariocas, parece estar com os dias contados. O Ministério Público (MP) estadual considerou a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) omissa no controle do barulho e, por meio de recomendação, cobra adoção de medidas para pôr fim ao conflito entre diversão e sossego nos bares e restaurantes na capital dos botecos.
Ao decretar guerra à poluição sonora, o promotor de Defesa do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo Cristovam Joaquim Fernandes Ramos Filho nada mais faz que exigir da PBH o cumprimento de normas que ela mesma criou, seja a Lei do Silêncio ou o Código de Posturas. Entre as ações recomendadas, em caso de estabelecimentos que infrinjam os limites da emissão de ruídos, estão implantação de tratamento acústico, restrição do horário de funcionamento e da permanência de mesas e cadeiras nas calçadas. A contratação de funcionário responsável por silenciar os frequentadores é outra medida prevista, além de oferecer estacionamento coberto aos clientes.
O promotor explica que as medidas independem de multas ou notificações e estão relacionadas apenas à constatação pelo poder público de ruído acima do permitido. Mas, se nenhuma das ações surtir efeito, a PBH também pode interditar parcialmente ou totalmente o bar ou restaurante. “Ninguém quer proibir o funcionamento dos bares, mas que eles funcionem dentro da lei. A prefeitura está sendo omissa. Já deveria estar adotando essas medidas, pois se trata de uma questão de agir e fiscalizar”, afirma Cristovam, explicando, que se não a recomendação não for cumprida a prefeitura pode ser alvo de ação civil pública.
Para se ter ideia do tamanho do incômodo, a poluição sonora representa 30% das reclamações referentes ao controle ambiental até agosto, segundo a Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização. O barulho somou 311 de um total de 1.034 queixas. Em levantamento feito em janeiro pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, então responsável pela fiscalização da Lei do Silêncio, bares, boates e casas de shows representavam 55% das reclamações. O Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Minas (Sindhorb) estima que há 5 mil bares e restaurantes na cidade.
Guajararas
A recomendação do MP se refere a uma resposta da PBH, que alegou não ter base legal para restringir o funcionamento de bares. A questão surgiu após sete bares da Rua Guajajaras, no Centro de BH, que, em março, foram alvo de liminar que determinava seu fechamento dos estabelecimentos às 22h, às quintas e sextas-feiras. A decisão judicial foi baseada em denúncia do MP, que apontou problemas como som alto dos carros de frequentadores, consumo de drogas e sexo explícito na rua.
“Na época do processo da Rua Guajajaras, mandei um ofício à prefeitura solicitando que restringisse o horário de funcionamento dos bares. Eles me responderam que não havia embasamento legal para tal. Fiquei perplexo, pois a cidade tem uma lei que estabelece medidas que podem ser tomadas nesses casos”, explica Cristovam. Quem sofreu restrições por vias judiciais não vê com bons olhos a exigência de mais rigor no combate ao barulho e fala com ironia da recomendação do MP. “Acho que todos os bares da cidade deveriam ser fechados e que botassem todo mundo para dormir cedo em BH.”
A fala, carregada de mágoa, é de José Eustáquio de Jesus, dono de um dos bares da Guajajaras. Até hoje ele sofre as restrições de funcionamento e diz amargar prejuízo de 80% no faturamento. “Estou quebrado e o problema é que, com essa medida, só transferiram o barulho de lugar, mas os bares que realmente causavam o incômodo e atraiam até traficantes continuam funcionando”, afirma. Mas na opinião de quem já perdeu incontáveis noites de sono, a recomendação é sinal de esperança. “O disque-sossego da prefeitura só existe na teoria. Falta também consciência da comunidade. Se proibiram fumar dentro do bar, porque não proíbem o barulho fora dele?”, questiona o fotógrafo Robert Serbinenko.