Jornal Estado de Minas

Morte S/A

Funcionários montam rede com médicos e até policiais para saber de mortes e vender funerais mais caros

Como funciona o esquema que macabro que une médicos, funcionários do IML, policiais civis e donos de funerárias em torno do mesmo objetivo: lucrar com sua dor

Mateus Parreiras
"Deixaram-nos esperando, sumiram com documentos e fizeram terrorismo para resolver o funeral." Roselito Pedra, motorista, sobre a pressão feita dentro de hospital por funcionários de funerária para sepultar o irmão dele - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press


O desgaste pelas noites maldormidas, acompanhando a piora no quadro de saúde de Luiz Carlos da Silva, de 54 anos, não terminou para a família quando o coração do paciente do Hospital Odilon Behrens parou de bater, em outubro do ano passadoInstantes depois da confirmação da morte, parentes começaram a enfrentar uma pressão para que resolvessem ali o sepultamento“Minha irmã e eu fomos orientados pelos médicos a procurar o ‘apoio familiar’Achamos que era um departamento do Odilon Behrens, mas se tratava de uma agência disfarçada da Funerária Santa Casa, na qual os atendentes se passavam por assistentes sociais”, conta o motorista Roselito Pedra, de 51, irmão de Luiz Carlos.

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Ele e a irmã dizem ter sido submetidos ao que classificam de “tortura psicológica” para fazer o funeral com a empresa e não procurar outra“Deixaram-nos esperando nove horas até a liberação do corpo, sumiram com documentos do meu irmão e fizeram terrorismo, dizendo que o corpo dele estava apodrecendo e que era melhor resolver isso logo, com eles mesmo”, diz Roselito, que conseguiu resistir e por fim obter a liberação do corpo para sepultá-lo com uma funerária de sua confiançaRelatos como o do motorista se repetem em hospitais públicos e privadosA pressão sobre familiares por parte de agentes de funerárias infiltrados em instituições de saúde é uma das táticas macabras usadas com cada vez mais frequência no setor para tentar se aproveitar de um momento de dor e aumentar os lucros.

Os tentáculos dessa “indústria” avançam sobre todos os setores legais dos funerais e enterros das mais ricas cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e BrasíliaEm Belo Horizonte, o Estado de Minas percorreu hospitais, funerárias e cemitérios e constatou que essa rede está se ampliandoFuncionários das funerárias, antes relegados às portas de locais de movimento intenso de parentes de vítimas, como a entrada do Instituto Médico Legal (IML) e prontos-socorros, agora agem nos hospitais, interferem para desviar diretamente para as funerárias cadáveres que deveriam ir para o IML e contam com apoio de alguns médicos e, segundo vítimas e até trabalhadores de funerárias, também de policiais civis.

Isca Disfarçados de assistentes sociais, confundindo-se entre servidores de hospitais públicos e particulares, os agentes de algumas funerárias conseguem atestados de óbito antes dos parentes dos falecidosO processamento do serviço de liberação do corpo e dos documentos serve como uma isca, obrigando as famílias a irem até elesAlguns médicos e enfermeiros entraram na lista de agrados distribuídos por empresas e ficaram responsáveis por indicar os serviços
Há vítimas que denunciam desvios de cadáveres que deveriam chegar ao IML e acabam transportados por policiais civis para laboratórios de funeráriasQuando o irmão Gilmar Gilberto Virtude, de 48, morreu, a secretária Cristina Maris Virtude Vieira, de 43, e o marido, José do Carmo Vieira, de 51, receberam um telefonema da Polícia Militar informando que o corpo tinha seguido para o IML“Esperamos algumas horas, até que recebemos um telefonema dizendo que o corpo estava na Funerária Central”, conta JoséDaí em diante, de acordo com eles, foram seis horas negociando para que o corpo fosse devolvido ao IML“Queriam que um médico da funerária assinasse o atestado de óbito e já fizesse todo o serviço por láUm absurdo”, afirma José.

Segundo admitiu um dos “papa-defuntos” do IML ao EM, “na Região Metropolitana de Belo Horizonte há quatro funerárias que pagam um ‘salário’ de R$ 1.500 para alguns policiais civis do rabecãoEles ainda levam participação de 20% sobre cada morto que tiver o enterro feito pela funerária.” A ação mais agressiva de alguns profissionais que atuam paralelamente a firmas sérias de um setor fundamental costuma render lucros maioresOs preços praticados pelos agentes dessas funerárias chegam a ser 30% superiores aos negociados nos balcões de outras empresas.

Veja como agem alguns funcionários de funerárias em hospital