O encontro com o lado mais macabro da indústria dos funerais não sairá tão cedo da lembrança do ourives Alexandre Antônio da Silva, de 32 anos. “Uma gente mal-encarada e perigosa”, define. Ele queria ajudar a família da esposa a enterrar a sua sogra, Elizete Silva Santos, de 56. A senhora morreu em casa, no meio da madrugada, na última quinta-feira. “Tentei chamar o rabecão, mas ninguém atendeu. Decidimos ir ao Instituto Médico Legal (IML)”, lembra. Lá, ele teve a primeira visão de homens que tentam controlar enterros e velórios. “Tinha um cara vestido de bombeiro dentro do IML. Ele nos abordou querendo nos convencer a usar os serviços de uma funerária”, afirma.
O procedimento padrão seria chamar o rabecão e esperar que o corpo passasse pela medicina legal, onde se determina a causa da morte para apurar eventuais crimes. Para evitar isso e tentar faturar mais, o suposto bombeiro iniciou uma pressão psicológica sobre as filhas da falecida. “Falou que iam cortar o corpo da minha sogra todo no IML. Que iam acabar com ela. Por isso era melhor levar para a funerária, onde havia médicos para fazer o atestado de óbito”, lembra Alexandre.
Na funerária, outra figura surgiu, vestindo um jaleco sujo e manchado, com os braços, o pescoço e os dedos cobertos por joias de ouro. Era o médico que faria o atendimento. “Parecia um mafioso ou bicheiro mesmo. Chegou de dentro da funerária e disse que estava fazendo um favor para a gente. Uma ação beneficente. Deu uma carimbada e assinou o atestado de óbito”, lembra. Porém, Alexandre tem certeza que a recompensa do médico seria paga pela funerária. “Cobraram muito mais caro. Só que, no estado em que a gente estava, no meio daquela gente, assinava qualquer coisa”. O custo do enterro na mesma funerária é R$ 1.350, mas a família acabou pagando R$ 1.900.
Revolta
O sofrimento de ter perdido o irmão bloqueou o raciocínio da dona de casa Maria Ângela Expedito, de 60. Ainda triste, ela só descobriu que o atestado de óbito estava dentro de uma funerária quando já tinha pago um valor muito acima do de mercado pelo caixão, coroa de flores e ornamentações. Passada a dor, veio a revolta. “Minha mãe ficou revoltada com os abusos que os agentes fizeram ela p*assar. Foi muita demora, ameaças de que o corpo ia ficar deformado antes que outra funerária chegasse. Por isso ela resolveu pagar um plano funerário”, conta o filho dela, o vendedor Adilson Ângelo Expedito, de 32 anos. Não adiantou. Nesta quinta-feira, dona Maria Ângela morreu na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Centro-Sul. Mesmo com todos os parentes sabendo sobre a cobertura para o enterro, eles ainda receberam vários telefonemas com ofertas de funerárias.
“Só pode ser algum funcionário da UPA que avisou a essas funerárias. Meu pai ficou revoltado. Brigou com eles no telefone”, protesta outro filho de Maria Ângela, o vigilante Ezequiel Expedito, de 29. De acordo com os dois irmãos, a mãe faleceu por volta das 10h. “Fomos para casa para avisar os parentes. Lá pelas 14h as funerárias começaram a telefonar. Foram umas três diferentes. Com certeza alguém ganhou algum (dinheiro) para passar o telefone da gente e o nome dela”, afirma Ezequiel.
Todos os níveis sociais estão sujeitos os esquemas de funerárias instaladas em hospitais para lucrar com a dor. No caso da morte de Maria Madalena da Silva, 86, o neto dela diz que o próprio médico do Hospital Lifecenter orientou sobre o procedimento. “Ele nos disse que devíamos ir ao subsolo para liberar o corpo. A pessoa que nos atendeu começou a falar de enterro, queria mostrar um álbum com os caixões. Foi quando desconfiamos de que se tratava de uma espécie de venda casada e recusamos tudo”, disse o advogado Guilherme Ferreira e Oliveira, de 27, um dos netos. “Na hora, estava muito triste. Depois, fiquei com essa afronta na garganta. Estou aliviado em denunciar esse esquema”, desabafou.
O PAPEL DE CADA UM
Agentes funerários de apoio
São contratados das funerárias que ficam dentro dos hospitais públicos e particulares. Para enganar suas vítimas, se fingem de assistentes sociais para que as pessoas pensem que são empregados de um serviço do hospital.
Médicos e enfermeiros
Alguns profissionais entregam a relação de óbitos diretamente para o ponto de apoio das funerárias. Depois, apenas encaminham os familiares para lá, sem dizer que se trata de um serviço privado e opcional.
Policiais do rabecão
De acordo com as denúncias, há policiais recebendo porcentagem e até salário de funerárias sobre cada morto que deixam de entregar no Instituto Médico Legal. Eles levam os corpos para dentro das funerárias.
Funcionários na porta do IML
Povoam os arredores e a porta do Instituto Médico Legal. São responsáveis por convencer pessoas que chegam para liberar corpos de parentes ou reconhecê-los a utilizar os serviços de suas empresas.
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