Eles agem justamente no momento de desespero, quando o cliente nada mais pode fazer para salvar a vida da pessoa que ama e, ao mesmo tempo, precisa tomar frente de toda a burocracia que envolve um funeral
Mande seu relato sobre abusos de funerárias para a comunidade Morte S/A
No caso do esquema de liberação do seguro Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), o assédio começa na porta do hospital ou do IMLAgentes de escritórios ou de funerárias abordam parentes de pessoa falecida, visivelmente abalados, e oferece ajuda para liberar o seguro por uma taxa que vai de 20% a 30% do valor bruto, que no caso de morte chega a R$ 13,5 mil“As pessoas acabam aceitando naquele momento de dor, mas o correto é que peçam diretamente a liberação, pois é de graça e não necessita de advogados”, afirma o defensor.
Além da perda desse dinheiro, o uso de intermediários no processo de liberação do DPVAT pode terminar no endividamento da pessoa que seria beneficiária“Já houve casos em que o escritório adiantou R$ 10 mil para a pessoaSó que, na hora de receber o DPVAT, a pessoa perdeu o direito e os advogados foram em cima, cobrando o ressarcimento”, conta Saraiva.
Outro esquema que visa tirar vantagem das pessoas desoladas ocorre dentro dos hospitaisOs médicos e assistentes sociais comunicam a morte aos parentes e mandam as pessoas seguirem para salas de “assistência familiar” ou de “assistência da família”Ao chegar a esses locais, os parentes do falecido não sabem que estão tratando, na verdade, com funerárias ali instaladas pelos hospitais
De acordo com o advogado Diamantino Silva Filho, especialista em direito público, o que as pessoas podem fazer quando perceberem que foram enganadas é registrar uma ocorrência policial“A vítima deve relatar que o hospital deu acesso ao corpoDepois, é possível provar que esse era um contrato viciado, que a pessoa foi levada a tomar essa decisão quando estava sem condiçõesAfinal, esse assédio é uma agressão e toda agressão dá direito a pedido de indenização por dano moral”, afirma Filho.
Intermediação em Montes Claros
O pagamento do seguro DPVAT desperta grande interesse das funerárias no atendimento a vítimas de acidentes em Montes Claros, no Norte de Minas “Em rodovias federais que cortam o Norte de Minas, morrem em acidentes pessoas de outros estados, como São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul As funerárias têm interesse nesses casos porque podem faturar mais com o embalsamento e o traslado de corposAlém disso, sabem que terão o pagamento garantido pelo seguro DPVAT”, afirma uma fonte ligada à Polícia Civil.
Ainda conforme a mesma fonte, agentes funerários costumam intermediar o recebimento do DPVAT, no valor de R$ 13,5 mil em caso de morte"O que ocorre é que o agente da funerária procura alguém da família e pede para assinar um documento, transferindo poderes ao agente para receber o seguroQuando recebe, desconta o valor do serviço funeral, fixando o preço que lhe convém, e repassa o restante para a família", afirma policial, que pediu para não ser identificado, temendo represálias.
No entanto, as funerárias negam qualquer tipo de pressão junto às famílias ou cobrança a mais por causa do pagamento do DPVAT
O delegado regional de Montes Claros, José Messias Sales, diz desconhecer qualquer intermediação do seguro DPVAT por parte de empresas funerárias na cidade“A Polícia Civil abriu alguns inquéritos para apurar a intermediação do seguro DPVAT, mas nenhum caso envolve funerária”, diz o delegado.
Preços pela hora da morte
Os relatos se repetem dia após dia nos velórios da capital Sem saber que lidavam com agentes funerários em vez de funcionários de hospitais, parentes de mortos, que buscam apenas liberar um corpo, são convencidos a pagar caro por urnas funerárias, coroas, velas e até trajes para o falecidoQuem não aceita pode ser submetido a mais sofrimento“Deixaram-nos esperando nove horas até a liberação do corpo, sumiram com documentos do meu irmão e fizeram terrorismo, dizendo que o corpo dele estava apodrecendo e que era melhor resolver isso logo, com eles mesmo”, diz o motorista Roselito Pedra, de 51 anos, que conseguiu resistir e usar apenas os serviços que escolheuAssim a série Morte S/A do Estado de Minas começou a mostrar, domingo, como funciona o mercado que lucra com a morte.
A questão, no entanto, não se resume aos hospitaisAgentes públicos, como motoristas do Instituto Médico Legal (IML), apareceram no centro das denúncias de que recebem propina para desviar para mesas funerárias corpos que deveriam seguir para o instituto“Na Grande BH, há quatro funerárias que pagam ‘salário’ de R$ 1,5 mil para alguns policiais do rabecãoEles levam ainda participação de 20% sobre cada morto que tiver o enterro feito pela funerária”, afirmou um dos captadores de funerárias no IML.
Um dos tesouros dessa indústria é o DPVAT, um dinheiro certo que as vítimas de acidentes recebem e que encanta escritórios de advocacia, que chegam a contratar pessoas só para assediar parentes de vítimas em prontos-socorros Faturam de 20% a 30% de valores do seguro, às vezes em conluio com funerárias, além dos custos dos funerais(MP)
A exploração inescrupulosa do milionário mercado de seguros para vítimas de acidentes é o foco de um filme argentino que teve boa bilheteria no Brasil e fez sucesso no país vizinhoDirigido por Pablo Trapero, Abutres (Carancho), de 2010, mistura drama e suspenseÉ estrelado por Ricardo Darín, astro do momento do cinema argentinoCom uma atuação excepcional, ele é Sosa, um advogado especialista em acidentes de trânsito que vive atrás de possíveis clientes, sem se preocupar com o sofrimento alheioSempre se apresenta como funcionário de uma fundação que supostamente ajuda vítimas, mas que não passa de fachada para a ação criminosaCorrompe funcionários de hospitais, peritos e testemunhas para ter acesso a informações estratégicas, além de fazer conchavos com seguradoras e juízesO filme teve tanta repercussão que levou o congresso argentino a iniciar debates sobre mudanças na legislação.