A condenação por embriaguez de um motorista de Araxá, no Alto Paranaíba, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a reforçar o que já dizia a lei: dirigir depois de beber é crime quando a concentração de álcool no sangue ultrapassa 0,33 mg/litro. A decisão do STF, entretanto, preocupa especialistas, porque muitos motoristas se recusam a soprar o bafômetro, o que dificulta a materialidade da prova para punição. E serve de alerta para Belo Horizonte, que registra uma média de 100 inquéritos por embriaguez instaurados por mês este ano, quando as blitzes se tornaram mais frequentes e rigorosas. Segundo o Detran, a capital mineira registrou 493 motoristas com sinais de embriaguez em apenas 45 dias de blitzes.
Outro dado mostra que 25% dos motoristas flagrados pela Lei Seca nas operações policiais se enquadram no perfil que o STF entende como crime. Desde abril, 1.177 condutores foram autuados por misturar álcool e direção, seja administrativa ou criminalmente.
Em sua decisão, o ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso, afirma que a embriaguez ao volante é crime, independentemente de oferecer risco a terceiros. Alterado em 2008, o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro define a concentração máxima permitida de álcool no sangue, mas não faz ressalva, como havia anteriormente nesse artigo, às condutas de risco. Como apenas o teste do bafômetro ou exame de sangue podem comprovar a quantidade de álcool ingerida pelo condutor, especialistas e autoridades se preocupam com os efeitos do entendimento do STF.
“É uma faca de dois gumes porque precisamos da materialidade para comprovar o crime e muitas vezes o condutor se recusa a soprar o bafômetro. Mas, embora eu não consiga incriminá-lo por embriaguez, posso fazê-lo perder a carteira de habilitação por um ano. E, em casos de acidentes com vítimas ou mortes, o motorista pode até não responder por embriaguez, mas aí entram outros crimes, como o homicídio”, argumenta o coordenador de Operações Especiais do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG), delegado Ramon Sandoli.
“BH é a capital que mais produz inquéritos por embriaguez. Nos 45 dias de blitzes da Lei Seca, este ano, flagramos 493 motoristas com sinais de embriaguez”, aponta Sandoli. “A decisão do STF não altera nosso entendimento porque já atuávamos dessa forma, punindo a ingestão de álcool ou sinais de embriaguez mesmo que não houvesse risco. A Polícia Civil, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça já entendiam assim. Afinamos o raciocínio e criamos uma rotina para que o inquérito seja concluído em 20 dias e o condutor seja denunciado em uma semana. Tem gente morrendo e precisamos dar uma resposta”, completa o delegado.
LEI
O diretor do Detran diz, mesmo assim, que a lei é branda e precisa ser revista porque muitas vezes favorece o motorista que cometeu a infração. “O que a lei oferece é pouco e ainda há falta de vontade de aplicar a lei”, diz. O ex-juiz e criminalista Luiz Flávio Gomes também analisa dessa forma. Integrante da comissão de reforma do Código Penal do Senado, ele vai propor mais rigor contra motoristas que insistem em assumir o volante depois de dirigir.
“Minha proposta é de dobrar a pena para mortes no trânsito por embriaguez ao volante. A pena do homicídio culposo é de dois a quatro anos de prisão e, assim, passaria para de quatro a oito. Um sexto da pena seria cumprido em regime domiciliar”, explica Luiz Flávio, que se reúne hoje com a comissão. “Precisamos incluir elementos do Código de Trânsito no Código Penal. Nos casos de acidentes com mortes provocadas por embriaguez, falta uma lei para especificar a punição mais rigorosa”.
Sobre a decisão do STF, o criminalista discorda e afirma que há um erro técnico. “É louvável que o Supremo dê atenção a esse assunto, mas ele mistura a punição administrativa e a criminal nessa decisão. Para mim, a diferença é a maneira como o motorista dirige. Temos que punir o motorista bêbado, mesmo que ele não esteja oferecendo perigo, mas de forma administrativa, o que já é justo. Se ele bjebeu demais e dirige de forma imprudente, aí sim é crime. O Código de Trânsito permite essas interpretações”.
Entenda o caso
O motorista Juliano Pereira foi flagrado alcoolizado em junho de 2009, numa blitz em Araxá. De acordo com o processo, ele apresentava sintomas de embriaguez, como fala desconexa, hálito etílico e olhos vermelhos. Submetido ao bafômetro, foi constatada a presença de 0,90 miligrama/litro de ar expelido (o limite da lei é de 6 decigramas por litro de álcool no sangue ou 0,3 miligramas por litro de ar expelido). Na primeira instância, ele foi absolvido. O Ministério Público, então, recorreu e o Tribunal de Justiça a reverteu a decisão, condenando o réu. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também manteve a condenação e a defesa foi ao STF. Em 27 de setembro, a 2ª Turma do STF reafirmou o que dizia a lei de 2008. O ministro Ricardo Lewandowski comparou o crime de dirigir embriagado com o de porte ilegal de arma de fogo. Portar arma sem autorização é crime, mesmo sem ameaça concreta a um terceiro. O defensor público Gustavo de Almeida Ribeiro, que representou o motorista, disse que o argumento para o pedido de habeas corpus era que a lei generalizava o condutor, tratando da mesma forma quem bebeu pouco e manteve certo cuidado de quem exagerou e teve comportamento imprudente. Não cabe recurso. Juliano vai cumprir pena restritiva de direito, como prestação de serviços comunitários.