Os dedos doloridos e os músculos dos braços rígidos, agarrados aos balaústres, resistem ao balanço, arranques e freadas do ônibus lotado. Depois de trabalhar o dia inteiro, o taxista Josué Gonçalves da Rocha, de 41 anos, precisa de resistência no ônibus na volta para casa, no Conjunto Zilah Spósito, Região Norte de Belo Horizonte. O drama é o mesmo da vendedora Jordana Rodrigues da Costa, de 28, que enfrenta o aperto no coletivo e tem de encontrar espaço para trazer, espremidas entre os passageiros, as compras de casa.
Nos corredores dos ônibus das linhas da BHTrans e pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), os passageiros em pé se comprimem num confinamento que causa desgaste físico e mental. Depois de mostrar ontem como passageiros se apertam no metrô, o Estado de Minas verificou as condições dos ônibus da capital e Grande BH e constatou lotação acima do que os rodoviários consideram “limite do conforto”, que é de 33 pessoas em pé, média de cinco por metro quadrado.
No espaço para 33 pessoas, por exemplo, se apertavam até 69 no fim da tarde de quinta-feira num ônibus da linha 5534 (Zilah Spósito), com oito pessoas por metro quadrado. “É muito cansativo. A gente tenta fazer força para não empurrar as pessoas, mas com o tempo desiste”, desabafa o taxista Josué. Com as duas horas por dia para ir e voltar nessa rotina, ele fica confinado cerca de 720 horas anuais dentro do coletivo. É como se, todo ano, o taxista passasse 30 dias com os braços para o alto e se equilibrando para não cair. O martírio de quem precisa viajar de ônibus não se resume ao desconforto. Os pontos também ficam lotados.
Sem conforto
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Esses elementos são essenciais para acomodar com dignidade os passageiros, garante o professor de transportes do Departamento Engenharia Civil e Ambiental Paulo César Marques da Silva, da Universidade de Brasília (UnB). “A viagem deve ser entendida desde quando se sai da casa até o destino e a volta. O desgaste do transporte se dá em todo o processo. É preciso um mínimo de conforto”, diz.
Estudantes
Um dos pontos da linha 3503 com maior concentração fica na Rua Walter Iannes, em frente à PUC Minas São Gabriel, na Região Nordeste de BH. O aperto é grande na calçada e o teto dos dois abrigos é muito estreito. Sob o sol quente, estudantes não conseguem lugar debaixo da estrutura. É nessas condições que as colegas do curso de administração Juliana Cristiane Almeida, de 21, e Priscila Santos, de 19, esperam o ônibus para o Centro. “Na saída da aula, o ponto fica cheio demais”, afirma Juliana.
A jornada do empresário Daniel Luiz dos Santos, de 34 anos, é mais curta, porém não menos estafante, já que ele leva 40 minutos de casa, no São Gabriel, até o Centro. "Você já está cansado, cheio de problemas. Aí, toma coragem, fôlego e encara o corredor cheio de gente se espremendo", desabafa, enquanto se estica para alcançar o balaústre.
Estudantes avançam até a rua para pegar o ônibus, prejudicando idosos. “Sinto um desgaste muito grande, pois fico quatro horas dentro de ônibus todos os dias e outras duas nos pontos”, desabafa o estudante de jogos digitais Edney Carlos Teixeira, de 28, do Bairro Padre Eustáquio. A linha 3503 passa por três câmpus universitários – UFMG, PUC Minas e Newton Paiva –, mas não são os universitários que sofrem em pontos lotados.
Palavra de especialista
Nilson Tadeu Nunes, Chefe do Departamento de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da UFMG
Contrato prevê lotação máxima
“Sem outras opções de transporte público, Belo Horizonte vive um drama muito difícil de ser resolvido. Para reduzir a lotação dos ônibus, só com mais carros. Isso refletiria diretamente num aumento das passagens, o que é indesejado. Assim, não há outra solução, se não a adoção de uma rede transportes ligando ônibus, transporte rápido sobre trens (BLT) e veículo leve sobre trilhos (VLT). O contrato com as empresas de ônibus prevê uma lotação máxima que chega a cinco pessoas por metro quadrado em BH. Parece baixo, perto do padrão imposto pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ANNT), de seis pessoas por metro quadrado, parece muito bom, mas o limite de conforto mundial é de 4 a 4,5 pessoas em pé num metro quadrado.
“A viagem deve ser entendida desde quando se sai da casa até o destino e a volta. O desgaste do transporte se dá em todo o processo”
Paulo César Marques da Silva, professor da UnB