A universitária L.M., de 24 anos, de Belo Horizonte, sempre desconfia do vaivém das pessoas dentro dos ônibus. Para ela, no apertado espaço disputado por homens e mulheres, o passa e para pode representar mais que uma tentativa de se acomodar ou de embarcar e descer. Há alguns meses, no coletivo lotado da linha Alto dos Pinheiros/Tupi, indo para a faculdade, à noite, a jovem percebeu um homem em atitude suspeita muito perto. “Fiquei muito incomodada. Tentava me afastar, olhava para trás e ele estava sempre com o olhar aparentemente distante, por isso não tinha certeza se era um abuso ou realmente uma consequência da superlotação. Foi tão constrangedor que um senhor que estava sentado percebeu e me cedeu lugar. Não sabia se xingava, se gritava. Tive medo de criar uma confusão ainda maior, pois ele negaria, com certeza”, diz. Casos como o dela são exemplos claros de como, além de todos os problemas, as mulheres estão diariamente expostas ao desrespeito no transporte coletivo. No ônibus ou no metrô, as reclamações são constantes, mas, para as autoridades, o problema parece não existir.
Prova disso é a falta de números oficiais que dimensionem a situação. A Polícia Civil informa que não há estatísticas de ocorrências relacionadas a assédio sexual em coletivos no estado. A BHTrans diz que não há registro de denúncias por assédio, embora o tema já tenha sido tratado no Jornal do Ônibus, que circula nos coletivos da capital. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) nada informou sobre o número de reclamações ou se há projetos de vagões exclusivos para mulheres. Já em outras capitais brasileiras, medidas foram implantadas nos trens e metrôs para tentar proteger as mulheres. No Rio, a Lei 4.733, de 2006, determinou a criação de vagões exclusivos para as passageiras nos horários de pico. Em São Paulo, o metrô informou que não há carros especiais “para não reforçar a segregação”. Mas as mulheres que se sentem assediadas são orientadas a avisar agentes de segurança nas estações, com testemunhas, ou enviar mensagem de celular para o SMS-Denúncia, um número com conexão direta à central de segurança. A auxiliar de serviços gerais Vera Maria Cruz de Souza, de 38, confirma que viajar em pé é sempre um transtorno. Se quiser evitar o cansaço de enfrentar 40 minutos no aperto do ônibus do Centro de BH até Venda Nova e ainda lidar com abusos, o jeito é esperar na enorme fila na Avenida Santos Dumont, para garantir um lugar sentada. “Já passei por problemas suficientes para entender os perigos. Uma vez, estava com meu marido, que percebeu o jeito estranho de um homem. Ele partiu para cima, os outros passageiros também reagiram e, não sei como, o cara conseguiu escapar pela porta que acabava de abrir. Acho que ele se livrou de um linchamento, pois todos ficaram muito revoltados e várias mulheres comentaram que não era a primeira vez”, diz. Para a auxiliar de secretaria Claudineia Costa, de 35, o aperto do transporte coletivo não escolhe horário nem itinerário. “Pode ser percebido em qualquer linha ou hora do dia. No ônibus lotado, as pessoas se espremem, viajam encostadas umas nas outras, o que é desagradável e deixa muita gente nervosa. Já vi muita gente reclamando disso”, afirma Claudineia, que diariamente viaja nos ônibus municipais de Contagem, na Grande BH, entre os bairros Santa Luzia e Parque São João, demonstrando que o problema está longe de se limitar à capital.