Jornal Estado de Minas

um gole, um crime

Apenas 3% dos motoristas processados por embriaguez em BH são condenados à prisão

Os demais têm de se apresentar todo mês à Justiça e fazer curso de educação no trânsito

Paula Sarapu



O projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que considera crime dirigir com qualquer nível de álcool  no sangue pode até manter a prerrogativa de não levar ninguém para a cadeia por embriaguez, mas vai dar dor de cabeça pior que a ressaca para muito mais gente

Com a intensificação das blitzes da Lei Seca, passou de 20 para 30 , em média, o número de processos criminais que chegam semanalmente à 1ª Vara Criminal de BHAs condenações (considerando a média anterior de mil processos mensais), no entanto, representam apenas 3%, uma vez que a lei garante o benefício da suspensão condicional do processo a réus primáriosMesmo assim, para garantir que não haja condenação, o motorista assume um compromisso com a JustiçaDurante dois anos ele é obrigado a se apresentar mensalmente e se compromete a não cometer outra infraçãoAlém de não poder mudar de endereço sem avisar ao juiz, o motorista tem de fazer curso de educação no trânsito

Em BH, duas varas do Tribunal de Justiça de Minas cuidam dos casos de embriaguez ao volanteSegundo a juíza da 1ª Vara Criminal, Maria Isabel Fleck, os motoristas processados criminalmente ganham nova chance“Não há condenação na maioria dos casos justamente porque a lei assegura um benefício para os infratores primários e que nunca tiveram a suspensão condicional de um processo, como está previsto na Lei 9.099É como se ele antecipasse sua condenação, atendendo às restrições determinadas pelo juizE passamos a impor mais uma condição: este motorista precisa assistir às aulas de conscientização do Centro de Penas Alternativas ou então perde o benefício e o processo volta a correr.”

Depois de dois anos cumprindo determinações judiciais, o processo é suspenso, não há condenação e o condutor volta a ser primário
“Não bastaria ele vir aqui participar de audiências e assinar papéisO motorista infrator tem que conhecer as consequênciasCom o curso, ele participa de módulos de educação no trânsito e se torna um agente multiplicador”, diz a magistradaO benefício não atinge o condutor flagrado por embriaguez que já teve condenação ou responde a outro processoEle é julgado e, se condenado, é punido normalmente com a pena mínima para o crime, que acaba convertida em prestação de serviços comunitários“Este ano julguei todos os processos de 2010As condenações não chegam a 30A maioria dos réus questiona a legalidade do bafômetro, mas não há nada que comprometa o teste e temos ultrapassado essas questões da defesaA pena varia de seis meses a três anos, mas optamos pela pena inferior a um ano, que acaba convertida em pena alternativa”, explica.

Maria Isabel conta que há dois meses percebeu um aumento de 50% no número de processos relacionados ao crime de dirigir embriagado com concentração de álcool no sangue superior a 0,33mg/l, como prevê o artigo 306 do Código de Trânsito BrasileiroPara ela, já seria um reflexo das blitzes intensas e frequentes da Lei Seca
“Eram 20 processos por semana e esse número passou para 30, em médiaA tendência é aumentar  mais e as varas não têm estrutura para atenderPrecisamos em maior número de audiênciasSenão, corremos o risco de causar sensação de impunidade”, analisa

Medidas eficazes

De acordo com o criminalista Leonardo Bandeira, professor da PUC Minas e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, as medidas administrativas aplicadas ao condutor infrator são mais eficazesPara aqueles flagrados com nível de álcool no sangue entre 0,14 mg/l e 0,33 mg/l, as punições são multa, apreensão do veículo (se não houver motorista habilitado para retirar o carro) e suspensão do direito de dirigir por um anoBandeira diz que o número de condenações é compatível ao benefício previsto em lei“Por que o direito penal tem de ser chamado? Medidas administrativas mais severas, como aumentar o rigor na suspensão e até cassação das carteiras, têm mais resultadoE, principalmente, é preciso mais fiscalização”, diz “Não acho que as penas do crime precisam ser aumentadasExiste no direito o princípio da proporcionalidade e não podemos aplicar pena desproporcional à infraçãoAlém do mais, jogar na cadeia é muito mais danosoJá está provado que as medidas terapêuticas e educacionais são mais eficazes.

 
Números

100 processos criminais por embriaguez, em média, por mês

50% é aumento no número de processos em dois meses, depois da intensificação das blitz

30 motoristas condenados em 2010

97% dos processos ficam sem condenação

*Fonte: 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais