Jornal Estado de Minas

BH tem mais de 800 apreensões de menores a cada mês

A maior parte das apreensões é impulsionada pelo envolvimento com drogas, que cresceu 441% na cidade de 2005 a 2010

Arnaldo Viana Glória Tupinambás
Desde os primeiros passos, o menino A
via os dois irmãos traficantes exibirem, em casa, tênis de marcas, bonés importados e camisas oficiais de times de futebolNo dia em que completou 9 anos, ganhou de presente de um deles a responsabilidade de acompanhá-lo, como segurança, em um baile funkNas mãos do garoto, uma pistola 765, que ele mal conseguia segurarAnão sabia, mas naquele dia estava deixando a infância para trás e entrando no pior dos mundos, o do crime“Meus pais batiam, davam conselhoTentavam me segurarMas larguei tudo, parei de estudar e entrei para a drogaA maconha e o crack, para mim, foram dinheiro e curtição”, diz hoje o jovem franzino, de 15 anos, menos de 1,5 metro de altura e 11 passagens pela polícia por tráfico, roubo, porte de arma e tentativa de homicídio na defesa de uma boca de fumo.

Uma folha corrida ainda mais farta está no prontuário do acusado de matar três pessoas e balear 12 no mês passado, na Região Noroeste de BHPor trás do suspeito, de 17 anos, um enredo de crime e vingança relacionado ao tráfico
As histórias e origens são várias, mas o destino dele, de Ae da maioria dos 27 menores apreendidos a cada dia em BH é um só: drogas e violênciaO vício e o crime cruzam a trajetória de crianças que trocam o lar pelas ruas, deixando para trás a família e a escolaMeninos e meninas amadurecem precocemente, longe dos ensinamentos da vida cidadã, e se transformam em jovens infratoresDeixam de ser Maria, José ou João e ganham uma inicial nas páginas policiaisSão uma pedra no caminho das incipientes políticas públicas e uma dor de cabeça para a sociedade.

Violência doméstica, o apelo da sociedade de consumo, a atração exercida pelo dinheiro supostamente fácil do tráfico ou tendência à delinquência são alguns dos fatores por trás dos 200 menores ainda não considerados infratores abordados diariamente nas ruas da capital por serviços de assistência socialSão também argumentos que ajudam a explicar o caminho dos mais de 2 mil jovens recolhidos anualmente em centros de internação e privação de liberdade do estado por crimes como tráfico, homicídio, estupro, roubo, latrocínio, lesão corporal e porte de armasCom 18 ou 21 anos, eles ganham a liberdade e voltam ao convívio social sem perspectivas, porque, na reclusão, não aprenderam o suficiente para uma sobrevivência digna.

Ciranda sem volta

Nas ruas, crianças e adolescentes ganham intimidade com o nebuloso mundo das drogas e da violência imposta para manter o vícioNos últimos cinco anos – de 2005 a 2010 – o número de casos envolvendo o uso e o tráfico de entorpecentes entre crianças e adolescentes teve aumento de 441% em Belo Horizonte, passando de 832 para mais de 4,5 mil ocorrências no ano passadoAtualmente, quase a metade (45,7%) dos crimes registrados no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA/BH) está diretamente relacionada às drogas
Os demais, na avaliação da juíza Valéria da Silva Rodrigues, titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, têm a maconha, o crack, a cocaína e os solventes como pano de fundo.

Segundo a magistrada, há uma mudança no perfil dos crimes, com a migração dos menores dos crimes violentos para o tráfico nos últimos anos“Na Vara da Infância e da Juventude, 45% dos casos são de venda e uso de drogasOutros 10% dos crimes são contra o patrimônio, mas a maioria deles furta e rouba para transformar o produto em entorpecentesOs homicídios e tentativas de homicídio somam 1%, mas temos consciência de que são ocorrências de disputa por drogasPor isso, batemos na tecla de que a repressão e a punição têm de caminhar juntas com a prevenção e o tratamento, pois o município hoje é carente de locais para acolher adolescentes usuários e dependentes químicos”, afirma Valéria Rodrigues.

A análise ajuda a entender o caso de barbárie que chocou Belo Horizonte no último mês, quando um infrator de 17 anos matou três pessoas e baleou outras 12, com o apoio de dois comparsas, usando uma pistola calibre 380, nos bairros São Salvador e Glória, na Região Noroeste da capitalAs investigações, que culminaram com a prisão de D.H.S.Dna semana passada, num sítio em Jaboticatubas, na Grande BH, trouxeram à tona um histórico de violência e criminalidadeO ataque de fúria teria sido motivado pelo assassinato do irmão Iago Duarte, em março, por envolvimento com traficantesA mãe deles, Gislândia Duarte, também foi acusada de tráfico e chegou a ser presaEm apenas dois anos, o acusado acumulou 12 passagens pela polícia.