Jornal Estado de Minas

Resgatar menores que caem nas drogas é tarefa árdua em BH

Arnaldo Viana Glória Tupinambás

Antônia Marques de Rocha e o filho Wesley: 'Ele está recuperado e tem um futuro maravilhoso pela frente. O mérito é dele, mas a vitória é minha' - Foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press

Os olhos denunciam desesperoO coração bate apertado ao descrever a triste sensação de ver o filho mergulhar no mundo das drogas“Era como se o menino escapasse das minhas mãos, como água escorrendo por entre os dedosA gente tenta segurar e, quanto mais aperta, mais escapa”, diz a cozinheira Antônia Marques de Rocha, de 56 anos, que desde o início do ano luta ao lado do filho Wesley, de 17, para livrá-lo da criminalidadeNa memória, ela guarda com tristeza a data em que viu o adolescente ser algemado e levado pela Polícia Militar“Foi o pior dia da minha vidaEra como se ele tivesse caído num buraco e eu não pudesse estender o braço para tirá-loCheguei a pedir para que ele nunca mais olhasse no meu rosto, mas, quando deitei e pus a cabeça no travesseiro, pensei que jamais poderia desistir dele.”

Do dia da detenção – 28 de março de 2011 – até hoje, Antônia narra uma via crucis para proteger o filhoDepois de tentar afastá-lo das más influências de colegas – chamados por ela de “inimigos” –, de ajudá-lo a se interessar novamente pelos estudos e de guiá-lo pelo caminho da religião, a cozinheira finalmente teve a alegria de ver o jovem se formar, na semana passada, no Programa Oportunidade Legal (Olé/BH Digital), que desde 2009 oferece cursos de informática a jovens encaminhados pela Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte“Acredito que hoje ele está recuperado e tem um futuro maravilhoso pela frenteO mérito é dele, mas a vitória é minha”, desabafa Antônia, durante cerimônia no Centro Mineiro de Referência em Resíduos.

Mas, mesmo em meio às comemorações pelo resgate do filho, a cozinheira não esconde aflições típicas do coração de mãe
“Onde foi que eu errei e quando foi que tudo começou sem que eu percebesse?”, questiona ela, angustiadaAs perguntas de Antônia se somam à voz de milhares de pais e especialistas que tentam entender as razões da criminalidade infantojuvenil“Não há uma resposta única, e sim vários pontos de vulnerabilidade que favorecem a delinquência”, diz a coordenadora do Setor de Acompanhamento ao Adolescente em Situação Especial (Saase) do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA/BH), Cristina Sandra Pinelli Nogueira.

“O desejo de consumo é um ponto forte, pois o capitalismo acentua ícones e marcas e o adolescente precisa desses objetos para sentir que pertence a um determinado grupoA pobreza também é fator de vulnerabilidadeOutro traço recorrente é a ausência do pai ou de uma figura paterna em quem o jovem se espelhariaMas também há casos em que pesam os conflitos familiares, quando os pais têm dificuldade de impor hierarquia e as relações deixam de ser verticais e acabam sendo horizontalizadas, ou seja, de igual para igual”, explica Cristina.

A juíza da Vara Infracional da Infância e da Juventude de BH, Valéria Rodrigues, reconhece o peso de todos esses fatores na formação do caráter do adolescente, mas afirma que cerca de 20% dos menores apreendidos na capital estão no crime por opção“Pobreza, falta de emprego, deficiências da escola e problemas familiares são fatores que contribuem para a vulnerabilidade e são usados como justificativaMas não se pode esquecer da personalidade do sujeito ao lidar com as adversidades da vidaMuitos não conseguem se adequar aos valores da sociedade e passam a não tolerar cobranças de um comportamento padrão”, analisa a juíza.

Depoimento
Nas unidades de internação de Minas, são muitas as histórias em que os fatores de risco se misturam e levam a relatos de cenas estarrecedoras“Meus amigos zombavam de mim, dizendo que eu só usava roupa velha e rasgada
Aí, não aguentei a pressão e fui roubarDesci o morro com um revólver na cintura, quebrei vidros de carros na Savassi e vendi rádios e notebooks para comprar calças de marca e tênis importados”, conta Anderson (nome fictício), que aos 16 anos soma 10 passagens pela polícia por roubo, tráfico de drogas e uma tentativa de homicídio.

Sem demonstrar nenhum arrependimento, o adolescente fala com frieza dos crimes que comete desde os 8 anos“Nunca roubei de trabalhador, só de ‘filhinho de papai’ que ganhou tudo de mão beijadaTambém já dei uma surra e ‘passei fogo’ numa mulher que ficou devendo na minha boca de fumo, mas tudo sem intenção de matarAgora a polícia me pegou e estou preso num alojamento com mais seteMas, se alguém acha que é a cadeia que vai consertar minha vida, está muito enganado”, avisa