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Estado de Minas

Meninas são minoria e mais violentas

Embora respondam pela menor parte das infrações em BH, meninas de rua têm contato mais cedo com as drogas e são consideradas mais violentas. Histórico de abusos em casa é comum


postado em 14/11/2011 06:58 / atualizado em 14/11/2011 07:07

Garota consome crack na Região Noroeste de BH: quando são mais novas, elas se envolvem em maior número de crimes que os meninos(foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press %u2013 1/12/10)
Garota consome crack na Região Noroeste de BH: quando são mais novas, elas se envolvem em maior número de crimes que os meninos (foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press %u2013 1/12/10)


Tinha tudo para ser o sonho realizado de um lar feliz, quando Camila (nome fictício), na época uma criança de colo de 1 ano, teve o primeiro contato com o padrasto. Mas não demorou para que o homem, que era sua referência paterna, se revelasse um maníaco, que a levou aos 8 anos a preferir enfrentar os riscos da rua aos abusos em casa. Com a “nova vida” começava também uma sequência de idas para a delegacia especializada, a maioria por tráfico de drogas. Hoje com 16 anos, a adolescente não recomenda a experiência a outras meninas, mas tampouco arrepende de ter fugido. “Fui estuprada. Não suportava mais olhar na cara daquele homem.” Como ela, milhares de garotas chegam cedo demais a esse ambiente de permissividade, crime e abandono. E carregam um traço próprio: embora sejam minoria, são consideradas mais agressivas que os meninos no crime e também se iniciam mais cedo que eles na trajetória de drogas e violência.

Na faixa etária dos 12 aos 15 anos, as garotas chamam a atenção nas estatísticas e, em Belo Horizonte, respondem por 15% mais ocorrências que os meninos da mesma idade, segundo dados do Centros Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional. “Normalmente, elas são minoria dos casos que chegam ao Judiciário, que registrou, em 2010, 84,4% das ocorrências com jovens do sexo masculino. Mas, como amadurecem mais rápido que eles, as mulheres entram mais cedo no crime, têm características fortes e são mais agressivas e violentas. O mais curioso é que até o desrespeito com a autoridade materna é maior do que entre os homens. Acredito que isso ocorra porque as mães impõem um padrão de comportamento antigo às filhas e são mais permissivas com os filhos”, diz a juíza Valéria da Silva Rodrigues, titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte.

No caso de Camila, o motivo que a levou à atitude extrema é um dos mais comuns entre as meninas de rua, somado às agressões físicas e à pobreza, segundo revela o cabo André Morato, do Grupo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente em Risco (Geacar), do 1º Batalhão da Polícia Militar, responsável pela região central de Belo Horizonte, que há 18 anos atua com menores infratores na área. O trauma doméstico e as condições das ruas, que resultam em mais abusos sexuais, podem ser uma explicação para a maior agressividade observada entre elas.

“Eu era criança e já cuidava dos meus irmãos. Tinha poucos brinquedos. Eram o preço do silêncio pelo abuso. Depois que fugi, aprendi a me defender e ameacei meu padrasto de morte se voltasse a abusar de mim ou da minha irmã, que tem 4 anos. Já superei o que aconteceu. Hoje moro num barracão no mesmo terreno, perto da casa dele, da minha mãe e dos três irmãos. Mas não converso com ele e mantenho a ameaça.” Camila recorda que passou por alguns abrigos, num dos quais ficou internada por seis meses, entre uma e outra fuga de casa. O pai biológico, que está preso, ela não chegou a conhecer.

A vida na rua levou a adolescente a um amadurecimento que a faz aparentar ter 20 anos. Mas que também quase levou à dependência química. Aos 13 anos, Camila foi morar com um traficante do Bairro Rosaneves, em Ribeirão das Neves, na Grande BH. “Foram seis meses complicados. A polícia chegava e eu assumia a droga. Dizia que eu é quem comprava e vendia. Ia presa, mas depois de um tempo estava na rua. Só parei de ir à delegacia depois que ele foi preso”, conta.

Reprodução

A história de Camila se repete com outros nomes e em outros endereços da área central de Belo Horizonte. Entre outros pontos, pode ser observada desde o começo da manhã no quarteirão da Rua Ceará, entre Avenida Francisco Sales e Rua dos Otoni, na Região Hospitalar, onde costuma ficar um grupo de adolescentes, a maioria cheirando tíner. Duas meninas se destacam entre eles, ambas franzinas. J. e T., as duas de 12 anos, têm igual justificativa para estar nas ruas. “Aqui é melhor do que em casa”, dizem, sem muitas explicações ou detalhes.

O cabo André Morato conta que, até pela pouca idade, elas não são agressivas e não fogem quando da aproximação da viatura policial. “Uma já vimos cheirando tíner. A outra, mais quieta, se aproxima da viatura e nos chama de ‘tio Miguilim’, devido ao Programa Miguilim, que acolhe menores em risco e funciona na Praça da Estação. Nós as levamos para o programa, mas os educadores não conseguem convencê-las a ficar em casa”.

Na mesma área, outras duas garotas, com idades de 13 e 16 anos, já não carregam o ar da inocência. A mais velha tem dois filhos, entregues à avó em Vitória (ES). A mais nova fica na rua de segunda a sexta-feira. Nos fins de semana se arruma e vai para casa de parentes. Foi apreendida recentemente, ao se envolver no roubo de um celular na Avenida dos Andradas, perto da estação Santa Efigênia do metrô.

Desconfiadas, como os demais integrantes do grupo, elas são arredias quando o assunto é o motivo de estarem na rua. Em vez de respostas, vem um pedido de dinheiro para comprar comida. Na verdade, o dinheiro que obtêm nesse tipo de abordagem tem destino bem diferente: a compra de uma pedra de crack.


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