“Madeeeeiraaa!!!” O grito de alerta popularizado pelos desenhos animados ganha contornos de realidade na capital que um dia ostentou o título de “cidade jardim” e, pela voracidade da motosserra, corre o risco de ver avançar pelo seu território um mar de concreto e asfalto. Em apenas duas obras para a Copa do Mundo, Belo Horizonte viu ir abaixo 1.149 árvores – 650 no estádio do Mineirão e quase 500 na Avenida Cristiano Machado, um dos corredores que receberão o BRT (sigla em inglês para transporte rápido por ônibus). A derrubada se soma ao corte de outros 10.173 espécimes em ruas e avenidas de BH e alcança o total de 11.322 árvores suprimidas até outubro. O montante já supera os cortes do ano passado, quando nada menos que 10.775 exemplares foram ao chão. Para piorar, o plantio de mudas não acompanha a velocidade do desmatamento e, considerados apenas cortes em áreas públicas, Belo Horizonte registra um déficit de pelo menos 7.528 árvores em relação ao início do ano passado.
Leia Mais
Moradores do Sion querem apoio do MP para impedir remoção de fícusMemória - Em 1963 a Afonso Pena, em BH, foi devastadaPrefeitura promete plantar 54 mil mudas até a CopaSecretário do Meio Ambiente de BH promete que árvore da Savassi não será arrancadaÁrvores cortadas na capital vão parar no lixoCentenas de árvores estão condenadas à morte em BHEnquanto inventário não sai, coqueiros agonizam em BHMais um golpe contra a árvore sete-cascas da SavassiCidadão de BH quer plantio em dobro de árvores derrubadasNo mapa do desmatamento da capital, a Região Noroeste é a que perdeu mais verde na cidade, com 2.026 espécimes a menos somente este ano, seguida das regionais Pampulha e Oeste. O levantamento não inclui perda de vegetação em áreas privadas, que também avança com o crescimento urbano e a verticalização de BH.
Se, por um lado prefeitura e Cemig apontam que há corte quando se constata má saúde e risco de queda da árvore, afastando a população de perigo, especialistas denunciam uso indiscriminado das serras e a conservação inadequada do patrimônio verde. “Em tempos de aquecimento global e agravamento de enchentes, não podemos trocar uma árvore adulta por uma muda dessa forma. É trocar o certo pelo duvidoso. Há vários recursos que podem ser adotados antes do corte. Um deles é o escoramento”, afirma o biólogo Sérvio Pontes Ribeiro, professor de ecologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
Mudas
O especialista afirma ainda que a prefeitura não acompanha o desenvolvimento das mudas, que têm índice alto de mortalidade segundo estudos científicos. “O aproveitamento de mudas é baixíssimo. Podemos estimar a morte de pelo menos um terço das plantadas nas ruas e avenidas. Já exigi da prefeitura a taxa de mortalidade, mas eles não fazem essa contagem”, afirma Sérvio, que acredita que a cidade está diante de um dos maiores desmatamentos de sua história. “Se somados Cristiano Machado, Mineirão e Parque Municipal, chegamos a uma das maiores retiradas da história, sendo que não vejo cuidado nem critério em relação a isso”, critica.
O exemplo mais recente da falta de embasamento técnico para corte de vegetação, na avaliação do professor, é a árvore sete-cascas da Savassi, no alvo da motosserra da prefeitura, na semana passada. O espécime, saudável de acordo com laudo do biólogo, conseguiu ser salvo pela mobilização popular. Para a arquiteta e especialista em paisagismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marimar Poblet, da Sociedade de Ecologia Urbana, a queda da árvore no Parque Municipal despertou um “furor de lenhador” na prefeitura. “Cortam tudo e sem critério, com compensações ridículas. É como se falassem que a pessoa está gripada e, por isso, seria necessário matá-la. Nesses processos, tiram uma magnólia e trocam por mudas de sálvia. Se você retira uma árvore nativa, deveria recompensar com outras 20 iguais”, critica.
Sem risco
O gerente de Autorizações da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Sérgio André de Souza Oliveira, afirma que as vidas humanas estão em primeiro lugar. “Não vamos pôr uma muleta numa árvores e correr o risco de alguém morrer com a queda. Toda árvore tem prazo de validade e tem que ser substituída exatamente por estar em área urbana”, defende o gerente, ressaltando que cada regional tem contrato de plantio de mudas. No manejo de árvores, um dos desafios é a retirada do toco. “É a parte mais difícil e, às vezes, é necessário fechar temporariamente a rua, conforme o tamanho da raiz”, afirma.
De acordo com o coordenador do Programa Premiar da Cemig, Carlos Alberto Sousa, o manejo das árvores próximas à rede elétrica é feito por engenheiros-agrônomos e florestais. “A poda é feita de acordo com critérios técnicos. Não cortamos árvores saudáveis, mas somente aquelas em situação de risco. A substituição é o melhor a fazer no caso de árvores em via pública, para não haver perigo. Nesses casos, acompanhamos as mudas por um ano e plantamos espécimes com no mínimo 2,5 metros”, afirma.
Segundo a Secretaria Extraordinária de Estado da Copa do Mundo, a supressão das árvores do Mineirão foi necessária para a construção da esplanada. A recompensa ambiental será o plantio de 10,4 mil mudas no entorno do estádio e na Região da Pampulha. A Secretaria Municipal de Políticas Urbanas informa que o projeto paisagístico do BRT da Avenida Cristiano Machado está em estudo.
Saiba mais quanto vale uma árvore
Cada árvore na cidade funciona como um ecossistema, formando hábitat rico no seu entorno. Nela, moram sabiás, almas-de-gato, bem-te-vis, entre outros pássaros importantes para o combate a insetos. Além disso, os espécimes são componentes essenciais do ponto de vista climático e da qualidade do ar. Por meio da fotossíntese, ajudam na renovação do oxigênio e as folhas contribuem para reter a sujeira que fica em suspensão na atmosfera.