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Estado de Minas

Preferência por recém-nascido faz espera por adoção aumentar em BH


29/11/2011 06:00 - atualizado 29/11/2011 08:01

Assistente social Maria Célia Rios Barbosa diz que, depois de visitar instituições, famílias interessadas na adoção ficam aliviadas com o tratamento especial dado aos menores
Assistente social Maria Célia Rios Barbosa diz que, depois de visitar instituições, famílias interessadas na adoção ficam aliviadas com o tratamento especial dado aos menores (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Não fossem os rolos de arame farpado no muro, um abrigo de crianças passaria por uma casa comum de classe média no Bairro do Prado, Região Noroeste de Belo Horizonte, com árvore frondosa na frente e um playground com brinquedos de plástico. Não há placa na porta. As crianças entram e saem livremente para ir à aula, podem passear no shopping e até curtir uma tarde de sábado no parque, em companhia dos tios. Durante a semana, têm aulas de natação e de circo, além de acompanhamento psicológico e médico. “As pessoas têm medo de vir visitar os abrigos e encontrar uma prisão de crianças, mas a realidade mudou. Elas saem daqui mais aliviadas”, comenta a assistente social Maria Célia Rios Barbosa, coordenadora da instituição. Ela é chamada de mãe por Manuela, de 2 anos, que vive no colo e se apegou à assistente social. Ela e a irmã Gabriela, de 4, serão adotadas, juntas, na semana que vem.

Ao entrar na fila da adoção do Juizado da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, os casais dão preferência a bebês ou até buscam a criança diretamente do colo da mãe biológica, conforme mostrou ontem reportagem do Estado de Minas. Fazem o possível para tentar escapar das chamadas adoções tardias, de crianças já com vivência de abrigo. No imaginário dos pais adotivos, as crianças com mais de 5 anos teriam mais dificuldades de aceitar a figura dos pais. “Ao contrário, tudo o que essas crianças querem é ter uma família. Quando chegam ao abrigo, comemoram como se tivessem sido mandadas para uma colônia de férias. Depois, começam a chorar e a pedir colo, a chamar pela mãe”, revela Alexandre Amaral, administrador da casa, que fecha o balanço todo mês no vermelho, por falta de recursos.

Para a psicóloga paranaense Lídia Weber, dizer que a adoção tardia tem maior probabilidade de “dar errado” é mito. “Isso não existe. Sabemos de adoções tardias mágicas e de outras em que a adaptação do filho pode ser mais demorada, dependendo da história de vida de cada um”, garante a especialista, autora de diversos livros sobre o tema, incluindo Filhos da solidão, o primeiro deles, de 1989, que trata dos abrigos no Brasil. Segundo ela, não é a adoção tardia que dá problema no futuro. “Nem tampouco a adoção interracial, nem a adoção de crianças com deficiência física ou problema de saúde. A revelação tardia da adoção aos filhos é que se mostrou equivocada”, afirma ela, com base em pesquisa que mediu as práticas parentais em 600 crianças, jovens e adultos que foram adotados no país.

A Lei Nacional da Adoção, de 2009, impõe o limite de dois anos até que juízes, promotores, assistentes sociais e psicólogos envolvidos no processo consigam identificar uma família para uma criança nos abrigos, dando o caso por encerrado. Na prática, porém, a legislação já completou dois anos e não cumpriu a meta. “A maior dificuldade é que a criança, ainda que seja vítima de maus-tratos, ama a família. Os pais têm direito à ampla defesa e a rever projetos de vida”, explica a psicóloga Rosilene Cruz, coordenadora técnica da Vara da Infância e da Juventude de Belo Horizonte. Ela admite, porém, que os processos poderiam andar mais rápido: “Para uma criança, o tempo tem sentido diferente. Um ano ou dois no abrigo é tempo demais.”

Vínculos

Para minimizar o sofrimento nos abrigos, a Lei Nacional da Adoção prevê tratamento individualizado para as crianças, que devem ser separadas em grupos menores e de mesma faixa etária. Além disso, cada criança deve ter uma ficha própria e uma gaveta separada na casa, que poderá ter espelhos e comemorações dos aniversários de cada uma. “Antes, tínhamos 50 crianças, e agora apenas 15. Para mim, a lei representa um marco”, conta Célia.

Outra mudança que deveria ser seguida por todos os abrigos brasileiros é estimular o vínculo afetivo entre as crianças e os funcionários da casa, e não o contrário. “Era uma prática cruel. Ao visitar os abrigos, impediam-nos de carregar os bebês no colo, dizendo que eles não teriam depois a continuidade daquele carinho. É melhor ter algum carinho do que não ter nenhum, nunca”, defende Lídia Weber. Ela considera um crime os bebês recém-nascidos serem destinados a abrigos. “Para acolher o bebê, deveríamos ter à disposição um rol de famílias substitutas ou acolhedoras sabendo que o bebê reconhece o cuidador pela voz, pelo cheiro e batimentos cardíacos. Os nenéns não entendem o rodízio de cuidadores dos abrigos”, compara.

Retirada da mãe por falsa denúncia

Fruto de denúncias de abandono, maus-tratos ou até abuso de parte dos pais biológicos, nem todas as crianças que vivem nos abrigos estão destinadas à adoção. Elas podem estar ali de passagem até que seja destituída a guarda da família original, se for este o caso. Já Daiane, de 4, (foto) foi parar por acaso no abrigo, devido a suposta falha de conselho tutelar. “A mãe é cobradora de ônibus e batalhadora. Estava chovendo e ela deixou a filha em casa com o irmão, de 9 anos, enquanto foi ao supermercado. Os vizinhos denunciaram que as crianças estavam sozinhas em casa”, disse a assistente social Célia. Já faz 15 dias que a menina pede diariamente para voltar para casa. Se estivesse para adoção, já teria uma lista de espera de candidatos a levar para casa a princesa de cabelos longos e lisos.

Irmãs ficam juntas em nova família

Manuela, de 2 anos, chegou ao abrigo ainda bebê, no último grau de desnutrição e com ferimento grave na cabeça. Recuperou-se e se tornou a mais esperta da casa. Ela e a irmã, Gabriela (foto), de 4, serão adotadas, juntas, na semana que vem. As duas eram usadas pela mãe biológica, moradora de rua e usuária de drogas, para pedir esmolas em sinal de trânsito. Já o irmão, Pedro, de 5, permanece no abrigo. “Só autorizei a separação dos irmãos porque o Pedro foi criado com um tio e não tem muita ligação com as irmãs. Já as duas são unha e carne, uma come o mesmo que a outra e dormem no mesmo quarto”, compara Célia. “Você não vai cumprimentar o seu irmão, Manuela? Ele acabou de chegar da aula!”, cobra a assistente social. Ela quer demonstrar, na prática, a falta de vínculo entre os irmãos.

PASSO A PASSO da adoção

O que é?

É uma modalidade de maternidade e paternidade, na qual uma pessoa ou casal torna filho, de forma definitiva, legal e afetiva, uma criança ou adolescente, gerado por outra pessoa. É regulamentada pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No artigo 41, o estatuto determina que com a adoção todos os vínculos entre a criança ou adolescente e os pais ou parentes biológicos são rompidos, concedendo ao adotado a condição de filho, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios. E o artigo 48 estabelece de forma clara que a adoção é irrevogável.

Quem pode adotar?

Pessoas maiores de 18 anos, solteiras, casadas, separadas, viúvas ou que convivam materialmente, desde que sejam pelo menos 16 anos mais velhas do que a criança ou adolescente. Avós ou irmãos não podem adotar, mas podem pedir a guarda ou tutela da criança ou adolescente da mesma família. Tios e tias podem adotar.

Por que adotar?

Para dar à criança e ao adolescente o direito que já lhe concedido por lei de viver em uma família, segundo o artigo 19 do ECA.

Como adotar?

Em Belo Horizonte, procurar o Serviço de Atendimento ao Cidadão (Seac), no Juizado da Infância e Juventude, na Avenida Olegário Maciel, 600, sala 106, de segunda a sexta-feira, das 12h às 17h, para retirar o formulário e lista de documentos para o processo de habilitação, conforme a Lei Nacional da Adoção (Lei 12.010/2009).


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