Jornal Estado de Minas

Cresce o número de doadores de medula

Em Minas, neste ano, mais de 50 mil pessoas se inscreveram para doar

Junia Oliveira

Um entrou na fila com a esperança de mais sorrisos, alegrias, decepções, e de continuar passando por todos os altos e baixos da vida

O momento é de uma necessidade fundamental: viverO outro resolveu compartilhar sorrisos, alegrias e um pedaço de si para dar àquele alguém a oportunidade de ser feliz, de sofrer, de gargalhar e de chorarAfinal, a caminhada é cheia de contrários que formam um mundo inteiro de sentidosUm e outro nunca se conhecerão, por questões de sigilo, mas, um dia, seus destinos se cruzarãoEssa é a realidade de um grande número de brasileiros para quem a palavra doação ganhou um sentido especial.

De um lado está o grupo à espera de um transplante de medula ósseaDo outro, quem se cadastra para encontrar um receptor compatívelNesse arranjo, a solidariedade dá o tomOs números não mentemO Brasil ocupa o terceiro lugar entre os países com o maior banco de doadores voluntários de medula, com 2,5 milhões de pessoas inscritas no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), do Instituto Nacional do Câncer (Inca), perdendo apenas para os Estados Unidos e a AlemanhaA consequência também se mede: o tempo médio na fila caiu de um ano para cinco meses
A chance de encontrar um doador subiu para 70% – em 2000, era de 10%, segundo os dados do Inca.

Minas Gerais acompanha a tendência e tem o terceiro maior banco de doadores, atrás apenas de São Paulo e do ParanáNesses estados, o cadastro é feito em hemocentros e hospitaisPor isso, quando se considera apenas o quesito instituição, Minas fica em primeiro lugar, sendo o Hemominas o único responsável pelo cadastro de doadoresEm 2010, foram 41.228 inscritos para doação de medula, número que subiu para 50.377 até outubro.

Em se tratando de medula, as maiores chances de encontrar um doador compatível estão em família, por isso os primeiros testes são feitos sempre com pais e irmãosEm Minas, essa probabilidade atinge de 30% a 40%Considerando que 60% dos pacientes não têm alguém compatível na família, a saída é tentar doadores não aparentadosNesses casos, a oportunidade de achar um doador compatível é de uma para cada 100 mil pessoasPor isso, é muito importante que tantas pessoas se disponham a ajudar O sistema é ainda mais amplo, pois o Redome é ligado à rede mundial de doadores de medula óssea, o BMDW (Bone Marrow Donors Worldwide, na sigla em inglês).

Foi pensando em ajudar que o lavrador Mardoqueu Pedro de Campos Neto, de 26 anos, resolveu se cadastrar para doar medulaEle é considerado um caso raro na medicina: foi doador duas vezes
Morador do distrito de Ponte do Silva, a 10km de Manhuaçu, na Zona da Mata, ele conta que já era doador de sangue quando aderiu à outra campanha do Hemominas.

“Depois de algum tempo me chamaram, dizendo que havia alguém que podia ser compatível comigo, e comecei a bateria de examesConversei com quem entende do assunto, esclareci as dúvidas e vi que era tranquilo”, contaA satisfação de ajudar alguém a viver foi maior ainda logo na sequência: “Trinta dias depois da doação, me ligaram de novoAí, fiquei com medo, pois não sabia se podia doar assim tão rapidamenteDisseram-me que a medula já havia se reconstituído, aceitei novamente”.

FORÇA E CORAGEM

Atitudes como a de Mardoqueu dão forças ao casal Wellington Messias Pereira de Campos, de 27, e Renata Ferreira de Campos, de 28A luta dos dois começou em junho, quando apareceram no jovem os primeiros sintomas da aplasiaAs causas da doença são desconhecidasTrata-se de uma forma grave de falência da medula óssea, que não produz células sanguíneas, deixando o paciente com risco de infecções e sangramentosEle passou mal, fez exame, mas nada foi constatadoAlguns dias depois, quando viu hematomas vermelhos no braço, uma veia estourada no olho e sentindo um estranho cansaço, procurou a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Oeste, em Belo HorizonteO resultado do hemograma assustou os médicos: o nível de plaquetas, que normalmente deve estar acima de 150 mil, estava a 2 mil.

Wellington ficou 22 dias internado na Santa Casa de BH e nada foi diagnosticadoA transferência para o Hospital das Clínicas (HC) foi difícilEntre altas e internações, ele espera os resultados da quimioterapia feita em agostoUma nova sessão está programada para fevereiroSe não der certo, a saída será o transplanteO jovem já está inscrito no cadastro nacional e aguarda um doador compatível.

CADASTRO
A gerente de coletas externas da Fundação Hemominas, Déborah Carvalho, diz que não há campanhas constantes para o cadastro de medula, mas que os interessados mantêm um fluxo constante, normalmente motivados por algum problema familiar“A pessoa precisa de transplante para viver, e isso sensibiliza todo mundoO povo mineiro, de forma geral, é muito solidário”, dizO horário de funcionamento das unidades deve ser checado no telefene do Ligue Minas (155) ou no site da fundação: (www.hemominas.mg.gov.br).


Passo a passo para se tornar um doador


Qualquer pessoa entre 18 e 55 anos com boa saúde.
A medula é retirada do interior de ossos da bacia, por meio de punções, e se recompõe em apenas 15 dias.
Os doadores preenchem um formulário com dados pessoais e é coletada uma amostra de sangue com 5ml para testesEles determinam as características genéticas que são necessárias para a compatibilidade entre o doador e o paciente.
Os dados pessoais e os resultados dos testes são armazenados em um sistema informatizado que faz o cruzamento com dados dos pacientes que estão precisando de um transplante.
Em caso de compatibilidade com um paciente, o doador é então chamado para exames complementares e para fazer a doaçãoO processo dura, em média, quatro meses.


Tire suas dúvidas sobre medula óssea
O que é medula óssea?

É um tecido líquido-gelatinoso que ocupa o interior dos ossosÉ conhecida popularmente por "tutano"Na medula óssea são produzidos os componentes do sangue: as hemácias (glóbulos vermelhos), os leucócitos (glóbulos brancos) e as plaquetasAs hemácias transportam o oxigênio dos pulmões para as células de todo o nosso organismo e o gás carbônico das células para os pulmões, a fim de ser expiradoOs leucócitos são os agentes mais importantes do sistema de defesa do nosso organismo e nos defendem das infecçõesAs plaquetas compõem o sistema de coagulação do sangue.

Qual a diferença entre medula óssea e medula espinhal?

A medula óssea é um tecido líquido que ocupa a cavidade dos ossosJá a medula espinhal é formada de tecido nervoso que ocupa o espaço dentro da coluna vertebral e tem como função transmitir os impulsos nervosos, a partir do cérebro, para todo o corpo.

O que é transplante de medula óssea?

É um tipo de tratamento proposto para algumas doenças que afetam as células do sangue, como leucemia e linfomaConsiste na substituição de uma medula óssea doente, ou deficitária, por células normais de medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma medula saudável.
O transplante pode ser autogênico, quando a medula vem do próprio pacienteNo transplante alogênico a medula vem de um doadorO transplante também pode ser feito a partir de células precursoras de medula óssea, obtidas do sangue circulante de um doador ou do sangue de cordão umbilical.

Quando é necessário o transplante?

Em doenças do sangue como a anemia aplástica grave, aplasia, mielodisplasias e em alguns tipos de leucemias, como a leucemia mielóide aguda, leucemia mielóide crônica, leucemia linfóide agudano mieloma múltiplo e linfomas, o transplante também pode ser indicado.


>> Quais os riscos para o paciente?

A boa evolução durante o transplante depende de vários fatores: o estágio da doença, o estado geral do paciente, boas condições nutricionais e clínicas, além do doador idealOs principais riscos se relacionam às infecções e às drogas quimioterápicas usadas durante o tratamentoCom a recuperação da medula, as novas células crescem com uma nova "memória" e, por serem células da defesa do organismo, podem reconhecer alguns órgãos do indivíduo como estranhosEssa complicação, chamada de doença enxerto contra hospedeiro, é relativamente comum, de intensidade variável e pode ser controlada com medicamentos adequadosNo transplante de medula, a rejeição é rara.

>> Quais os riscos para o doador?

Os riscos são poucos e relacionados a um procedimento que precisa de anestesia, sendo retirada do doador a quantidade de medula óssea necessária (menos de 15%)Uma avaliação pré-operatória detalhada verifica as condições clínicas e cardiovasculares do doador.


>> O que é compatibilidade?

Para que se faça um transplante de medula é necessário que haja uma total compatibilidade entre doador e receptorCaso contrário, a medula será rejeitadaEssa compatibilidade é determinada por um conjunto de genes localizados no cromossoma 6, que devem ser iguais no doador e receptorA análise de compatibilidade é feita por meio de testes laboratoriais específicos, a partir de amostras de sangue do doador e receptor, chamados de exames de histocompatibilidadeCom base nas leis de genética, as chances de um indivíduo encontrar um doador ideal entre irmãos (mesmo pai e mesma mãe) é de 25%.

>> O que fazer quando não há um doador compatível?

A solução é fazer uma busca nos registros de doadores voluntários, tanto no Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea) quanto no exteriorNo Brasil, a mistura de raças dificulta a localização de doadores compatíveis.