Um entrou na fila com a esperança de mais sorrisos, alegrias, decepções, e de continuar passando por todos os altos e baixos da vida. O momento é de uma necessidade fundamental: viver. O outro resolveu compartilhar sorrisos, alegrias e um pedaço de si para dar àquele alguém a oportunidade de ser feliz, de sofrer, de gargalhar e de chorar. Afinal, a caminhada é cheia de contrários que formam um mundo inteiro de sentidos. Um e outro nunca se conhecerão, por questões de sigilo, mas, um dia, seus destinos se cruzarão. Essa é a realidade de um grande número de brasileiros para quem a palavra doação ganhou um sentido especial.
Minas Gerais acompanha a tendência e tem o terceiro maior banco de doadores, atrás apenas de São Paulo e do Paraná. Nesses estados, o cadastro é feito em hemocentros e hospitais. Por isso, quando se considera apenas o quesito instituição, Minas fica em primeiro lugar, sendo o Hemominas o único responsável pelo cadastro de doadores. Em 2010, foram 41.228 inscritos para doação de medula, número que subiu para 50.377 até outubro.
Em se tratando de medula, as maiores chances de encontrar um doador compatível estão em família, por isso os primeiros testes são feitos sempre com pais e irmãos. Em Minas, essa probabilidade atinge de 30% a 40%. Considerando que 60% dos pacientes não têm alguém compatível na família, a saída é tentar doadores não aparentados. Nesses casos, a oportunidade de achar um doador compatível é de uma para cada 100 mil pessoas. Por isso, é muito importante que tantas pessoas se disponham a ajudar. O sistema é ainda mais amplo, pois o Redome é ligado à rede mundial de doadores de medula óssea, o BMDW (Bone Marrow Donors Worldwide, na sigla em inglês).
Foi pensando em ajudar que o lavrador Mardoqueu Pedro de Campos Neto, de 26 anos, resolveu se cadastrar para doar medula. Ele é considerado um caso raro na medicina: foi doador duas vezes. Morador do distrito de Ponte do Silva, a 10km de Manhuaçu, na Zona da Mata, ele conta que já era doador de sangue quando aderiu à outra campanha do Hemominas.
“Depois de algum tempo me chamaram, dizendo que havia alguém que podia ser compatível comigo, e comecei a bateria de exames. Conversei com quem entende do assunto, esclareci as dúvidas e vi que era tranquilo”, conta. A satisfação de ajudar alguém a viver foi maior ainda logo na sequência: “Trinta dias depois da doação, me ligaram de novo. Aí, fiquei com medo, pois não sabia se podia doar assim tão rapidamente. Disseram-me que a medula já havia se reconstituído, aceitei novamente”.
FORÇA E CORAGEM
Atitudes como a de Mardoqueu dão forças ao casal Wellington Messias Pereira de Campos, de 27, e Renata Ferreira de Campos, de 28. A luta dos dois começou em junho, quando apareceram no jovem os primeiros sintomas da aplasia. As causas da doença são desconhecidas. Trata-se de uma forma grave de falência da medula óssea, que não produz células sanguíneas, deixando o paciente com risco de infecções e sangramentos. Ele passou mal, fez exame, mas nada foi constatado. Alguns dias depois, quando viu hematomas vermelhos no braço, uma veia estourada no olho e sentindo um estranho cansaço, procurou a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Oeste, em Belo Horizonte. O resultado do hemograma assustou os médicos: o nível de plaquetas, que normalmente deve estar acima de 150 mil, estava a 2 mil.
Wellington ficou 22 dias internado na Santa Casa de BH e nada foi diagnosticado. A transferência para o Hospital das Clínicas (HC) foi difícil. Entre altas e internações, ele espera os resultados da quimioterapia feita em agosto. Uma nova sessão está programada para fevereiro. Se não der certo, a saída será o transplante. O jovem já está inscrito no cadastro nacional e aguarda um doador compatível.
CADASTRO
A gerente de coletas externas da Fundação Hemominas, Déborah Carvalho, diz que não há campanhas constantes para o cadastro de medula, mas que os interessados mantêm um fluxo constante, normalmente motivados por algum problema familiar. “A pessoa precisa de transplante para viver, e isso sensibiliza todo mundo. O povo mineiro, de forma geral, é muito solidário”, diz. O horário de funcionamento das unidades deve ser checado no telefene do Ligue Minas (155) ou no site da fundação: (www.hemominas.mg.gov.br).
Passo a passo para se tornar um doador
Qualquer pessoa entre 18 e 55 anos com boa saúde.
A medula é retirada do interior de ossos da bacia, por meio de punções, e se recompõe em apenas 15 dias.
Os doadores preenchem um formulário com dados pessoais e é coletada uma amostra de sangue com 5ml para testes. Eles determinam as características genéticas que são necessárias para a compatibilidade entre o doador e o paciente.
Os dados pessoais e os resultados dos testes são armazenados em um sistema informatizado que faz o cruzamento com dados dos pacientes que estão precisando de um transplante.
Em caso de compatibilidade com um paciente, o doador é então chamado para exames complementares e para fazer a doação. O processo dura, em média, quatro meses.
Tire suas dúvidas sobre medula óssea
O que é medula óssea?
É um tecido líquido-gelatinoso que ocupa o interior dos ossos. É conhecida popularmente por "tutano". Na medula óssea são produzidos os componentes do sangue: as hemácias (glóbulos vermelhos), os leucócitos (glóbulos brancos) e as plaquetas. As hemácias transportam o oxigênio dos pulmões para as células de todo o nosso organismo e o gás carbônico das células para os pulmões, a fim de ser expirado. Os leucócitos são os agentes mais importantes do sistema de defesa do nosso organismo e nos defendem das infecções. As plaquetas compõem o sistema de coagulação do sangue.
Qual a diferença entre medula óssea e medula espinhal?
A medula óssea é um tecido líquido que ocupa a cavidade dos ossos. Já a medula espinhal é formada de tecido nervoso que ocupa o espaço dentro da coluna vertebral e tem como função transmitir os impulsos nervosos, a partir do cérebro, para todo o corpo.
O que é transplante de medula óssea?
É um tipo de tratamento proposto para algumas doenças que afetam as células do sangue, como leucemia e linfoma. Consiste na substituição de uma medula óssea doente, ou deficitária, por células normais de medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma medula saudável.
O transplante pode ser autogênico, quando a medula vem do próprio paciente. No transplante alogênico a medula vem de um doador. O transplante também pode ser feito a partir de células precursoras de medula óssea, obtidas do sangue circulante de um doador ou do sangue de cordão umbilical.
Quando é necessário o transplante?
Em doenças do sangue como a anemia aplástica grave, aplasia, mielodisplasias e em alguns tipos de leucemias, como a leucemia mielóide aguda, leucemia mielóide crônica, leucemia linfóide aguda. no mieloma múltiplo e linfomas, o transplante também pode ser indicado.
>> Quais os riscos para o paciente?
A boa evolução durante o transplante depende de vários fatores: o estágio da doença, o estado geral do paciente, boas condições nutricionais e clínicas, além do doador ideal. Os principais riscos se relacionam às infecções e às drogas quimioterápicas usadas durante o tratamento. Com a recuperação da medula, as novas células crescem com uma nova "memória" e, por serem células da defesa do organismo, podem reconhecer alguns órgãos do indivíduo como estranhos. Essa complicação, chamada de doença enxerto contra hospedeiro, é relativamente comum, de intensidade variável e pode ser controlada com medicamentos adequados. No transplante de medula, a rejeição é rara.
>> Quais os riscos para o doador?
Os riscos são poucos e relacionados a um procedimento que precisa de anestesia, sendo retirada do doador a quantidade de medula óssea necessária (menos de 15%). Uma avaliação pré-operatória detalhada verifica as condições clínicas e cardiovasculares do doador.
>> O que é compatibilidade?
Para que se faça um transplante de medula é necessário que haja uma total compatibilidade entre doador e receptor. Caso contrário, a medula será rejeitada. Essa compatibilidade é determinada por um conjunto de genes localizados no cromossoma 6, que devem ser iguais no doador e receptor. A análise de compatibilidade é feita por meio de testes laboratoriais específicos, a partir de amostras de sangue do doador e receptor, chamados de exames de histocompatibilidade. Com base nas leis de genética, as chances de um indivíduo encontrar um doador ideal entre irmãos (mesmo pai e mesma mãe) é de 25%.
>> O que fazer quando não há um doador compatível?
A solução é fazer uma busca nos registros de doadores voluntários, tanto no Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea) quanto no exterior. No Brasil, a mistura de raças dificulta a localização de doadores compatíveis.