Jornal Estado de Minas

Estudante redescobre as alegrias da vida um ano depois do transplante de medula

Junia Oliveira
Thales passou no vestibular, retomou os estudos e está prestes a suspender os medicamentos - Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press
Valorizar os mínimos detalhes é característica de quem viu a vida por um fioAssim, estudar, ler, tocar violão, perder horas no computador e até tirar a carteira de habilitação ganham sentidos muito mais especiaisQue o diga o universitário Thales Leonardo de Carvalho, de 19 anosPara ele, agosto deste ano foi o mês do recomeçoDia 1º, ele começou as aulas no curso de relações internacionais, seu grande sonhoDia 3, completou um ano do transplante de medula, data em que deu adeus à leucemiaDe volta à vida normal, ele quer agora aproveitar os momentos típicos da idade, mas sem exageros.

A doença foi descoberta em julho de 2006 e o primeiro tratamento durou três mesesEm 2009, também em julho, a leucemia voltouDessa vez, a quimioterapia foi bem agressiva, com duas internações, uma de 25 e outra de 50 diasO transplante foi a soluçãoO teste com parentes não deu resultado e ele precisou ir para a fila em fevereiro de 2010
Dois meses depois, teve a notícia de um possível doadorA bateria de exames acabou em julhoDurante o transplante feito no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, tudo correu bem.

As complicações apareceram depois do 13º dia, com feridas no tubo digestivo causadas pela baixa imunidade“Chegou a um ponto em que não conseguia respirarOs médicos acharam que eu não chegaria vivo ao elevador do CTIFiquei em coma induzido por quatro dias e o que me salvou foi a traqueostomiaCom menos de um mês de alta do CTI, pude sair do hospitalDurante todo o tempo me propus desafios e me superei”, relata orgulhoso.

Até mesmo o vestibular foi uma superaçãoEle já havia sido aprovado numa faculdade, mas precisou trancar a matrícula duas vezesNo ano passado, uma semana antes do encerramento das inscrições da PUC Minas, ele resolveu tentar novamente
Teve três semanas para estudar, mas não contava que voltaria a se internar dois dias antes da provaOs médicos o liberaram por horas, apenas para fazer a avaliaçãoPassou em terceiro lugar“Em agosto começou uma nova página da minha vidaEstou quase cortando os remédios, pois não tenho mais sinal de rejeiçãoDepois de um ano, voltei a viver como pessoas normais, que não têm nada.”

ROTINA PESADA
Se o momento para Thales é de redescobrir a vida depois do transplante, para Wellington Messias a hora é de superaçãoTrês vezes por semana, ele se consulta no HC e, semanalmente, a mulher, a administradora Renata, dispara e-mails pedindo doadores de sangueEle precisa de sangue pelo menos a cada 15 dias“Vimos pessoas morrerem na nossa frente porque não havia sangue no HemominasEle mesmo, que é O%2b, já chegou lá em crise e precisou voltar para casa porque o banco estava vazioNessas horas, ligamos para alguém doar especificamente para ele, mas o processo demora alguns diasÈ desesperador, pois a doença abaixa as plaquetas, o corpo não produz defesas, dá hemorragia e ele pode morrerMeu marido entrou várias vezes para o bloco cirúrgico e nem mesmo os médicos sabiam se ele voltaria”, afirma Renata.

Por dia, são 27 comprimidosE se há complicações no pulmão, o jeito é internar, pois a Justiça negou duas vezes o pedido da família para que o sistema público de saúde ofereça o medicamento que combate um fungoA caixa com 14 comprimidos custa R$ 4,7 milPara o casal, as lições vêm junto com a dor“Aprendemos que o dinheiro não compra medula, não compra nadaVamos vencer essa batalha diária e, quando sairmos dessa, olharemos para trás e teremos outros valores”, diz Renata.

Welington tem na ponta da língua o que fará quando estiver curado: “Primeiro, agradecer a DeusDepois, vamos nos casar no religioso, pois só assinamos os papéis no civilVou comer sem precisar de tantas preocupações, pular na piscina do clube, ir para a praia, andar de moto e, o principal, jogar bola”.

FUTURO
O coordenador de transplantes do Hospital das Clínicas, Gustavo Machado Teixeira, diz que a tendência é de que haja, futuramente, um doador para cada paciente, usando as pessoas cadastradas no banco de voluntários, o cordão umbilical, o pai ou a mãe para o transplante haploidêntico, que consiste na manipulação de células parcialmente compatíveisO médico explica que há duas formas de doação voluntária.

Uma é pela coleta de medula ósseaA outra é o recolhimento de célula-tronco periférica“A quantidade no sangue é poucaPor isso, é necessário medicamento para liberar as células-tronco da medula para o sangue e, então, fazer a coleta no sangue, em procedimento semelhante à coleta de plaqueta”, dizEste ano, o HC fez cinco transplantes não aparentadosDesde 2006, quando esse procedimento foi implantado, foram 30, dos quais oito provenientes de cordão umbilical de bancos públicos nacionais.

Fila de transplante em MInas*

Rim 2.179
Córnea 593
Medula óssea 42
Coração 18
Fígado 32
Rim/ pâncreas 24
Pâncreas 1
Pulmão 11
Total: 2.900

Fonte: MG Transplantes
* Dados até 31/10/11