Jornal Estado de Minas

Orçamento Participativo Digital reflete insegurança de moradores em BH

Até o fim da tarde de ontem, 22% dos 57.863 votos eram direcionados a câmeras de vigilância. A recuperação de áreas violentas também tinha votação expressiva

Mateus Parreiras
O medo de que sua banca de jornais seja arrombada pela terceira vez neste ano trouxe muitas noites de insônia para Leda Lúcia de Paula, de 37 anos, e seu marido
Entre um cochilo e outro, eles se revezam na janela de casa, de onde avistam se o estabelecimento ainda está inteiroDurante a noite, a banca de metal, numa das praças do Complexo da Lagoinha, ao largo da Rua Itapecerica, na Região Noroeste de Belo Horizonte, é tomada por usuários de crack, traficantes, moradores de rua e assaltantes.

“Quando meu marido vai trabalhar, às 5h, e ainda está escuro, o perigo é o de ser roubado”, reclama LedaO tormento dos furtos e roubos a comércios e a moradores de várias regiões da capital mineira tem refletido no comportamento nas urnas virtuais do Orçamento Participativo (OP) Digital 2011A preocupação com melhorias na segurança pública, seja por meio de serviços de videomonitoramento ou revitalização de espaços marginalizados, são destaque no pleito, que encerrará o recebimento de votos às 23h59 de amanhã.

Dos 57.863 votos recebidos até o fim da tarde de ontem, para todas as 36 obras que podem ser votadas dentro das nove regionais administrativas da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), 12.537 (22%) eram direcionados à câmeras de vigilânciaO desejo por esse tipo de monitoramento já está em primeiro lugar nas regionais Centro-Sul e Nordeste e também aparece com votações expressivas nas outras sete regionaisA revitalização de espaços que se tornaram redutos de marginais, como o Complexo da Lagoinha e o Viaduto Santa Tereza (Centro-Sul), também estão entre as obras mais votadas .

De acordo com a gerente do OP Digital, da Secretaria Municipal de Planejamento, Verônica Campos Sales, a temática da segurança pública apareceu mais latente nesta edição e é fruto de reivindicações de moradores e associações locais e comerciais“No OP passado (2008) as obras viárias tiveram maior destaqueApenas a revitalização da Praça Raul Soares (Centro) foi motivada pela violência e a criminalidade do localE o resultado foi bomEla hoje é frequentada pelos cidadãos para passeios e diversão”, afirma.

Degradação Na Regional Noroeste, a revitalização do Complexo da Lagoinha lidera o pleito, com 36% dos votos
A região já concentra 66 câmeras operadas pelo 34º Batalhão da Polícia Militar em locais estratégicos como a favela Pedreira Prado Lopes“A Lagoinha está insuportávelQuem não é de lá, evita parar ou passar no meio daquela degradaçãoQuem mora lá, como eu, enfrenta o problema ou se esconde”, desabafa o servidor público aposentado Pedro Sérgio Lozar, de 73 anos, que ontem votou numa das barracas do OP Digital montada na Praça 7.

Basta uma rápida volta pelas ruas candidatas, como a Bonfim, Itapecerica e Além Paraíba, para ver que a deterioração está em todas as partesNos jardins, plantas ornamentais, mesmo com espinhos, são usadas como abrigo pela população que consome crackTijolos do calçamento são empilhados e se transformam em fogareirosSem banheiros públicos, a escadaria das passarelas, as esquinas, os muros das casas e do comércio acabam servindo de depósito para dejetos.

Por mais que a Polícia Militar seja vista em patrulhas pelo Viaduto Santa Tereza, um dos símbolos mais representativos de Belo Horizonte, o local continua degradadoÉ difícil resistir ao cheiro forte nas quatro escadarias em espiral que ligam a ponte viária aos caminhos abertos para a Avenida dos Andradas e o Bairro FlorestaEsses acessos a pedestres foram transformados em banheiros pela população de rua.

De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, a redução de crimes contra o patrimônio é reduzida em até 40% nas áreas que estão sob monitoramento das câmeras do Programa Olho VivoBelo Horizonte tem 169 equipamentos
Para a Copa do Mundo, está prevista a instalação de 150 câmeras no percurso para os aeroportos de Confins e Pampulha, para os estádios Mineirão e Independência e locais onde as delegações estiverem hospedadas.


Votação aquém da expectativa

Mesmo com o aumento do acesso à internet, a adesão ao Orçamento Participativo (OP) Digital tem caído em Belo HorizonteHá dois dias do fim do pleito virtual, menos de 58 mil pessoas escolheram projetos que consideram importantes para a cidadeNas outras edições, de 2008 e 2006, a presença foi maior, ainda que houvesse o voto por telefone e presencial, chegando a 124 mil e 503 mil votos, respectivamenteGente insatisfeita e confusa podia ser encontrada em várias partes da cidade.

Como o aposentado Célio Vasconcelos, que se diz decepcionado com a eleiçãoEm 2008, pela primeira vez, ele votou numa obra, a de restauro da Praça São Vicente, no Bairro Alípio de Melo, Região Noroeste de Belo Horizonte, mas até hoje a benfeitoria não saiu do papel“Como é que podem colocar uma obra para ser votada se ela depois não é realizada”, reclamaUm dos técnicos da PBH presentes na barraca de votação da Praça Sete tentou explicar ao senhor que a intervenção precisa ainda de autorização do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), por interferir num trecho de domínio federal“Ainda assim, não aceitoEstou muito decepcionado e não quero mais saber de votar”, afirmou.

CrÍtica Passeando com seu cão pelo degradado Viaduto Santa Tereza, a historiadora Luciana Alvim se disse decepcionada com a escolha das obras e ações por não terem contemplado a fração mais fragilizada da sociedade belo-horizontina, como os moradores de rua e idosos“Nós não precisamos de praças e monumentos na Região Centro-SulO IPTU aqui já é caro o suficiente para que a PBH faça essas obras naturalmenteO que precisamos é de asilos para os idosos e acolhimento para quem não tem casa e vive na rua, muitas vezes, crianças”, disse.

Outros concordam com o método e gostaram das obras incluídas“Caminho na Avenida dos Andradas e acho que ela merece ser revitalizada, ganhar iluminação e mais segurança para as pessoas que se exercitam lá”, cobra a estudante Ana Luiza Antunes, de 19 anos, que votou pela primeira vezA amiga dela, Ana Raquel Duarte, também estudante e de mesma idade, marcou seu primeiro voto na melhoria das calçadas do Centro(MP)


MEMÓRIA
Projeto foi lançado em 2006
O Orçamento Participativo (OP) Digital da Prefeitura de Belo Horizonte começou em 2006, quando foram aprovados dez projetos para a cidade, por meio da internet, todos eles concluídosForam 503.266 mil votos digitais e presenciaisNa edição do OP de 2008, mais uma vez dez projetos foram votados, mas apenas nove concluídosForam colocadas em votação cinco grandes obras viárias com custo estimado de até R$ 50 milhões para a execução, o que significou 147% de aumento em relação ao OP 2006Os votos puderam ser computados também pelo telefone, o que possibilitou a participação de milhares de cidadãos que não tinham acesso à internetForam disponibilizados 270 pontos de inclusão digital em toda a cidadeA última edição do OP Digital contou com a participação de 124 mil cidadãos.