Jornal Estado de Minas

Cerca de 30 mil cães e gatos vivem nas ruas de BH

 

O pelo branco do pit bull Bob ainda não cresceu o suficiente para esconder os ferimentos da machadada na cabeça. De Cindy, sem raça definida, não sumirá a cicatriz de 40 pontos no pescoço provocada pela coleira que a asfixiava. O vira-lata Obama convive com o maxilar quebrado por um chute. Atingida por uma pedra nos olhos, a cadela Lira ainda terá de fazer cirurgia e aguardar a cicatrização. Essas são histórias de maus-tratos sofridos por muitos dos 30 mil cães, e também gatos, que vivem nas ruas de Belo Horizonte. A estimativa de abandono é da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).



Atos de crueldade são cada vez mais comuns, a exemplo do cãozinho de quatro meses enterrado vivo semana passada em Novo Horizonte (SP), que ainda está em recuperação. Entre as agressões mais frequentes estão chutes e pontapés, denuncia o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) e entidades não governamentais. Mas há quem jogue água quente ou até mesmo álcool para botar fogo, atire pedras, esfaqueie e, não raro, estupre o animal. O abuso sexual assusta Danielle Ferreira Costa, coordenadora do programa Adote um amigo. “Já fiz oito boletins de ocorrência contra casos graves de maus-tratos. No caso de estupro, a maioria morre”, afirma. Ela avalia que o principal problema é a pessoa que “quer um filhote peludo, um bibelô, que não cresça e não lata”, diz.

Danielle, que também trabalha para a prefeitura fiscalizando a pós-adoção, diz que, das cerca de 400 adoções que acompanhou neste ano, 50 cachorros foram devolvidos e sabe que outros podem estar em situação complicada. Ela integra um grupo de voluntários que mantém um canil com 120 cães, sendo que 80 estão para adoção e os outros, já idosos ou doentes, estão ali para serem cuidados. “As pessoas sabem do meu esforço, mas de 10 que me ligam sete querem me entregar mais cachorro, e não adotar. Se eu digo que não posso aceitar, eles ameaçam soltá-los na rua. Às vezes, o simples fato de fazer um xixi no sofá resulta em punição e abandono”, acrescenta a coordenadora. Ela tem oito cachorros, sendo cinco adotados, a maioria vira-lata.

O preconceito contra a raça no momento da adoção é reprovado pela estudante Ana Paula Aguiar, de 19 anos. Desde criança, ela pega cachorro abandonado na rua para cuidar. Atualmente, tem 15 (só dois de raça) em seu sítio e outros cinco (três de raça) em seu apartamento em Lourdes, na Região Centro-Sul da capital. Para ajudar cachorros abandonados a encontrar um dono ela mantém o blog familiaadocao.blogspot.com. “Sempre incentivo a adoção, tanto pelos animais quanto pelos problemas que eles podem gerar quando estão na rua, desde acidentes até transmissão de doenças. Mas muitos preferem pagar R$ 1 mil num cachorro de raça a adotar”, pondera.



Na tentativa de interromper a expansão do contingente exposto à crueldade, a PBH calcula que o número de cachorros, e também gatos, esterilizados neste ano deve superar a marca de 11 mil , contra 293 registrados no primeiro ano da campanha “Castração cirúrgica: melhor para cães! E para gente!”, em 2005. “A disparada deve-se à maior conscientização da população”, avalia Fabiano Pimenta, secretário-adjunto de Saúde do município. Para o ano que vem, o número de unidades que faz esterilizações na cidade deve dobrar – hoje são três. Atualmente, os atendimentos ocorrem no CCZ, no Bairro São Bernardo, na Região Norte; e em outros dois centros especializados em castração, no Salgado Filho, Oeste; e Caiçara, Noroeste.

É uma questão não só de bem-estar dos animais, como de saúde pública. “O cachorro abandonado tem seis vezes mais risco de contrair uma doença do que um domesticado”, afirma Pimenta. Segundo ele, os novos centros deverão ser erguidos onde há maior dificuldade de adesão da população à campanha e nas áreas mais vulneráveis do mapa de risco da leishmaniose, nas regionais Leste, Nordeste e Barreiro. “Estamos na fase de avaliação de terrenos”, diz.