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Estado de Minas

Prefeitura abre as portas para a poluição visual em um dos pontos mais nobres de BH

Prefeitura de BH não consegue explicar o que motivou mudança na lei que mutilou a Área de Diretrizes Especiais do Santa Lúcia. Alteração valoriza terreno de empresário investigado por corrupção, libera outdoor e comércio em ponto restrito e é condenada por especialistas


postado em 12/12/2011 06:20 / atualizado em 12/12/2011 12:24

Licenciamento de painel eletrônico de publicidade às margens da Avenida Raja Gabagila chamou a atenção para flexibilização feita sem consulta à comunidade(foto: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
Licenciamento de painel eletrônico de publicidade às margens da Avenida Raja Gabagila chamou a atenção para flexibilização feita sem consulta à comunidade (foto: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
Um território protegido reduzido drasticamente, muitos interesses em jogo e diversas perguntas sem resposta. Em uma única manobra legal de motivação ainda mal esclarecida, a Prefeitura de Belo Horizonte conseguiu abrir as portas para a poluição visual em um dos mais nobres pontos da cidade, beneficiar um empresário denunciado por pagamento de propina a vereadores da capital, além de desagradar moradores, atrair a desaprovação de especialistas, a condenação de juristas e a desconfiança do Ministério Público. A mais nova afetada por mudanças na Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo da capital, revisada no ano passado, é a Área de Diretrizes Especiais (ADE) do Bairro Santa Lúcia, no limite das regiões Centro-Sul e Oeste de BH. Às margens da Avenida Raja Gabaglia, ponto cobiçado pelo mercado imobiliário, o espaço antes com uso limitado à construção de casas teve o perímetro encolhido e agora pode receber empreendimentos comerciais em grande parte do espaço que contava com proteção especial. Apesar do impacto da medida, a administração municipal ainda não conseguiu explicar qual interesse da cidade inspirou a mudança.

O potencial das alterações nessa legislação não é pequeno. Suas consequências já podem ser vistas em canteiros de obra de outro extremo da cidade, a ADE da Pampulha, próximo à orla da lagoa, onde, graças à mudança em outro artigo da lei, dois espigões estão prestes a ser erguidos a contragosto da comunidade, que há décadas trava luta contra os interesses que tentam verticalizar a região. Outro caso em que, ao mudar a lei, a prefeitura favoreceu interesses privados.

No Bairro Santa Lúcia, o primeiro sinal do impacto da flexibilização também já surgiu, sob a forma de um gigante luminoso que contraria o discurso da própria administração de frear a publicidade em áreas sensíveis da cidade. Instalado em terreno do empresário Nelson Rigotto – acusado de pagar propina a vereadores de BH para a aprovação do projeto de lei que libera a construção de shopping, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste de BH –, um outdoor com tecnologia de ponta, em luzes de LED, foi licenciado em julho pela Regional Oeste da PBH, responsável pela área. O Ministério Público estadual instaurou procedimento para apurar o caso.

A instalação do engenho de publicidade na Avenida Raja Gabaglia, com a autorização da prefeitura, em área inicialmente protegida, pegou de surpresa moradores do Alto Santa Lúcia, já que o Código de Posturas proíbe placas publicitárias em ADEs. “É um descaso com a população. Ninguém sabia dessa mudança, tudo foi feito na surdina, para atender interesses de poucos. Já que houve brecha para o outdoor, amanhã podem botar um prédio ali e ninguém vai falar nada”, afirma o presidente da Associação Pró-interesses dos Moradores do Alto do Bairro Santa Lúcia, Joaquim Vidigal.

O susto foi maior ainda porque, no ano passado, a prefeitura declarou guerra à poluição visual, com a revisão no Código de Posturas e a contratação de empresa para derrubar placas irregulares. A promessa era redução de 85% dos outdoors, que passariam de 3 mil para 450. Mas o painel licenciado na antiga área de ADE, que divide espaço ainda com outros quatro painéis irregulares, expõe apenas uma ponta daquilo em que pode se transformar o Alto Santa Lúcia. A alteração em dois artigos da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (nº7.166/1996) diminuiu praticamente pela metade a ADE, além de flexibilizar seu uso.

SEM PROTEÇÃO
A maioria dos terrenos voltados para a Raja Gabaglia deixou de pertencer ao perímetro protegido. Também houve permissão de uso em alguns lotes dentro dos limites da ADE, que, se estiverem margeando a Raja, agora podem receber atividades comerciais. A arquiteta e urbanista Jurema Rugani, do Fórum Mineiro de Reforma Urbana e ex-diretora de Cidades do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/MG), critica a mudança: “Não é justo prejudicar a cidade com mudança de uso de uma ADE. O Santa Lúcia tem fragilidades ambientais, está no topo do morro e tem nascentes não mapeadas. Além disso, a Raja Gabaglia já está saturada”.

Os lotes que deixaram de integrar a ADE passam a ser classificados apenas como Zona de Adensamento Restrito (ZAR). Apesar de terem potencial de construção menor, como o próprio nome diz, há possibilidade de se implantar atividades comerciais. E pode piorar, alerta a urbanista. “A verticalização pode ser uma segunda etapa desse processo de flexibilização, que começou com o encolhimento da ADE”, diz Jurema. De acordo com um dos diretores da Câmara do Mercado Imobiliário do Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi), Evandro Negrão de Lima, lotes na Raja Gabaglia são visados pelo mercado e a possibilidade de receber empreendimentos comerciais é um atrativo valioso.
“Terrenos que passam de uso unifamiliar para comercial têm uma natural valorização”, explica Evandro. Uma mudança considerável, após uma simples mudança da lei: o especialista calcula aumento de 50% no preço do terreno, onde está instalado o painel luminoso licenciado pela prefeitura. Com área de 1,9 mil metros quadrados e valor venal no Imposto Predial e Territorial Urbano de R$ 345 mil, o lote de Nelson Rigotto, nessas novas condições, tem o valor venal – usado para cálculo do tributo e inferior ao preço de mercado – estimado em mais de meio milhão de reais. Procurado diversas vezes para comentar o assunto, o empresário não retornou o contato da reportagem.

GLOSSÁRIO
Área de Diretrizes especiais (ADE) – Denominação dada a regiões que têm regras diferenciadas, na tentativa de preservá-las como referência (ambiental, cultural ou patrimonial) para a população. Nelas, as regras de zoneamento, como altura das edificações e taxa de ocupação dos terrenos, devem ser iguais ou mais restritivas que as do entorno.

Zona de Adensamento Restrito (ZAR) – Classificação de regiões em que a ocupação é desestimulada, por ausência ou deficiência de infraestrutura de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário, de precariedade ou saturação do trânsito ou de adversidade das condições topográficas.

Fonte: Documento da 3ª Conferência Municipal de Políticas Urbanas, em 2009, e da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo

 

Alteração confunde a própria PBH

Apesar de ser de autoria do Executivo e de ter sido sancionada pelo prefeito Marcio Lacerda, a Prefeitura de Belo Horizonte não apresentou até o momento explicação para a mudança na ADE Santa Lúcia. Por mais de duas semanas, o Estado de Minas cobrou posição sobre a alteração. Inicialmente, questionada sobre o perímetro da ADE, a Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano, à frente dos principais projetos da cidade, apresentou um mapa da antiga definição da área protegida, como se os limites originais não tivessem sido alterados. Nessa interpretação, o outdoor licenciado pelo poder público estaria em área irregular, já que o Código de Posturas proíbe engenhos de publicidade em ADEs.

Confrontada com essa informação, a prefeitura apresentou nova versão. A Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização informou, em nota, que a Lei 7.166/96, com a definição do perímetro da ADE Santa Lúcia, foi alterada. “O perímetro da ADE passou a constar no 4° parágrafo do artigo 81, que diz: ‘Incluem-se na ADE Santa Lúcia os lotes situados nos dois lados das ruas Agena, Nazareth e Acarahy’, perímetro este onde não se encontra o engenho de publicidade questionado.”

Dono da placa licenciada na Avenida Raja Gabaglia, o empresário Alexandre Davis afirma que participou de processo de chamamento público aberto pela prefeitura, com todos os passos dentro da lei. Ele venceu a licitação do engenho de publicidade, ao oferecer o maior preço: R$ 8.010. Entre compra e instalação do painel de LED, Davis informa ter pago R$ 300 mil, investimento que não admite perder. “Sempre trabalho dentro da lei e, caso seja comprovado que o licenciamento ocorreu em área proibida, vou exigir o ressarcimento de todas as despesas.”

 


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