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Estado de Minas

Adotada, criança jogada em lagoa tem vida feliz


postado em 18/12/2011 07:25 / atualizado em 18/12/2011 19:24

Parece milagre ver Letícia correndo de um lado para outro, brincando, viva. O primeiro impulso é tentar reconhecer os mesmos olhos arregalados que pareciam querer saltar para fora do saco plástico preto quando ela foi encontrada recém-nascida, abandonada sozinha pela própria mãe, boiando dentro da Lagoa da Pampulha, em 28 de dezembro de 2005. Seis anos depois, a menina está diferente. Seus olhos brilham de felicidade. “Quando chegou para nós, ela cabia na palma da mão. Só tinha olho. Hoje, está crescida e é uma criança muito amada”, explicam os pais adotivos A., de 45 anos, contador e empresário em Belo Horizonte, e a dona de casa S., de 36. Na época, Letícia chegou na sua nova família aos dois meses, pesando 3,6 quilos. O casal fez todos os exames na menina, que não ficou com nenhuma sequela física. Tem a saúde perfeita.

“Ai, você está me apertando!”, protesta Letícia ao abraço forte, ajeitando os cabelos rebeldes, presos em um rabo de cavalo. Não usa tiara, nem arco na cabeça, porque o pai não gosta. Letícia nem desconfia do real motivo da implicância do pai. O comerciante tomou pavor deste tipo de enfeite desde que a criança foi encontrada semimorta, dentro da água, com uma tiara cor-de-rosa na cabeça. A menina também não consegue entender direito os olhares lançados a ela de soslaio pelas poucas pessoas que ficam sabendo do caso. O assunto é tratado como segredo de família. “Nós não damos entrevista. Só aceitamos conversar com a reportagem se você contar como ficou sabendo sobre a Letícia”, diz A., em tom de ameaça.

Os pais adotivos de Letícia vivem um dilema. Já está chegando a hora de contar à filha a história terrível que o mundo inteiro conhece de seis anos atrás. Neste ponto, é preciso fazer uma pausa. Explicar por que o casal concordou em dar sua primeira entrevista à imprensa. “Já fizeram propostas para gravar programas, dar entrevistas a jornais e revistas do mundo todo. Se eu quisesse parar de trabalhar agora e viver da fama em torno da Letícia, eu poderia. Mas adotei minha filha por amor e não por interesse. Graças a Deus não preciso de dinheiro e mesmo que precisasse, não aceitaria”, pontua o comerciante. Ele mantém vida confortável, com duas empresas, casa própria, sítio e mais de um carro.

SEGURANÇA Os pais só aceitam falar com a reportagem com o compromisso de que os nomes serão trocados (Letícia era o nome de registro da menina pelo Juizado da Infância e da Juventude). Para preservar a segurança da família e da menina, também não foram permitidas fotos. A expressão ‘menininha da lagoa’ foi usada pelo casal somente duas vezes durante a entrevista. Eles então aceitaram contar a verdade sobre Letícia, do início até os dias de hoje. Como tem dificuldade em reviver o assunto, a mãe vai embora na metade da conversa. “Poderia ter adotado outra criança que não fosse a menininha da lagoa. Esse fato é indiferente para mim, não me incomoda. Só quero ter uma vida normal com minha filha. Não é nem por mim, é por ela. Se eu pudesse, gostaria de apagar essa passagem da vida dela, mas não tenho como”, afirma. E acrescenta: "Deus sabe tudo e Deus pode tudo. Falo sobre isso com a Letícia desde pequena. Ela sabe que foi Deus quem me colocou na vida dela", afirma a mãe, evangélica.

Já o pai é católico e tem um lado mais prático. Guarda uma cópia do vídeo com a cena do resgate na lagoa em um cofre no banco. “O dia em que ela quiser assistir, a cópia vai estar em segurança. Mas ela já viu a reportagem sobre ela passando na TV. Ficou com dó da menininha, mas nem imaginou que pudesse ser ela própria”, revela o empresário, emocionado.

MENINA APRENDE A LER; JUIZ RECOMENDA CONTAR SOBRE ADOÇÃO

Espevitada, Letícia não para quieta. Corajosa, não tem medo de pular bem alto no bunge jump e adora pegar onda no mar. Não ficou com trauma de água em função do que passou quando bebê. Só parou com a natação por causa das crises de dor de ouvido, comuns nesta idade. Aos 6 anos, ainda não decidiu o que vai ser quando crescer. Já sonhou em ser bailarina e cogitou em ser policial com o objetivo de prender bandidos maus. Entre seguir uma e outra carreira, o pai preferiria que a menina herdasse a empresa dele, pois ela tem talento para vendas. Letícia completou 6 anos em 3 de novembro. Entrou na idade de alfabetização, em que a capacidade de entender o mundo é ampliada. Está aprendendo a ler. “Entre 6 e 7 anos, quando se está saindo da educação infantil, é a idade média em que se deve revelar a adoção”, defende o juiz Marcos Flávio Padula, titular da Infância e da Juventude de Belo Horizonte. Foi ele quem, na época, acompanhou o julgamento e assinou o termo de guarda da criança entregue ao casal. Segundo Padula, a revelação tardia é um dos principais fatores da adoção que dá problemas no futuro.


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