Jornal Estado de Minas

Cerca de 6 mil construções estão em perigo na capital mineira

Defesa Civil notificou responsáveis por 60% das 10 mil edificações vistoriadas em 2011 a fazer manutenção imediata, para evitar acidentes. Chuva agravou problemas

Paola Carvalho

  No Caiçara, moradores do prédio que desabou e causou a morte de uma pessoa receberam três notificações para reforma urgente. Falta de manutenção pode resultar em desastres - Foto: PAULO FILGUEIRAS/EM/D.A PRESS

 

Uma cidade em alerta Das cerca de 10 mil vistorias realizadas pela Defesa Civil no ano passado em BH, 60% resultam em notificação por apresentar algum tipo de risco, do mais simples ao grave, grande parte piorada pela chuva dos últimos diasMas todos têm necessidade de intervenção imediataEsse número se refere à “cidade formal”, ou seja, são imóveis em loteamento legal, da periferia à Zona Sul da capitalÉ o mesmo aviso recebido pelos moradores do condomínio do número 525 da Rua Passa Quatro, no Bairro Caiçara, Região Noroeste de BH, que desabou na segunda-feira e causou a morte de um homem de 40 anosEle está entre os oito mortos em decorrência da chuva em Minas desde outubro, segundo a Defesa CivilNo interior do estado, que continua com muitas enchentes, são 66 municípios em situação de emergência e dois em situação de calamidade.

“As notificações em BH são relacionadas à prevenção de desastres, desde problemas muito simples, até aqueles que levaram à tragédia do Caiçara”, informou Alexandre Lucas Alves, coordenador da Defesa Civil de Belo HorizonteNa segunda-feira, o prédio de dois andares e oito apartamentos sustentado por um “paliteiro” em área de forte declividade, desabou e soterrou duas pessoasO corretor de imóveis Janilson Aparecido Moraes, de 40 anos, morreuOutras 11 pessoas conseguiram deixar os dois prédios momentos antes de a estrutura ruir.

“É muito importante que as pessoas que recebem notificações atendam as orientações da Defesa CivilÉ fundamental providenciar as intervenções o quanto antes”, disse Alves

Ele destacou que, mesmo que o órgão não seja “provocado”, moradores devem contratar engenheiro capacitado para avaliar a situação do empreendimento“Há problemas que podem não ser identificados aparentemente pelo moradorDaí a importância de contratar um profissional e fazer manutenções frequentes”, afirmou Alves.

A tragédia do Caiçara ocorreu depois de os moradores receberem três notificações, sendo a última “urgentíssima”Um engenheiro chegou a ser contratado pelo condomínio, que teria feito orçamento de pelo meno R$ 300 mil para reformar o empreendimentoNada foi feitoA falta de recursos para as intervenções necessárias é um dilema conhecido“Muitos não fazem a manutenção e, quando chega ao ponto de ter um problema, o custo para solucioná-lo é altoPor isso, inspeções prediais devem ocorrer a cada dois anos”, disse o engenheiro civil Frederico Correia Lima Coelho, presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG)

Engenheiro civil Frederico Coelho mostra ferragens expostas em prédio no Bairro Santa Lúcia. Segundo ele, a chuva causa ferrugem e infiltrações que comprometem a estrutura. - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A PRESSO coordenador da Defesa Civil aponta que os principais motivos que resultam nas notificações são problemas estruturais, infiltrações de encanamento e esgoto, deficiência do sistema de drenagem interna e de água pluvial, falhas construtivas e falta de manutençãoSe não há risco de desastre, o órgão municipal entrega a orientação sobre o que é aconselhável fazer
As denúncias que levam a Defesa Civil a um imóvel vêm dos próprios moradores, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e vizinhosÉ o caso de um grupo de moradores de um edifício da Rua Planetóides, no Santa Lúcia, Região Centro-Sul.

Chuvas em Belo Horizonte

A subsíndica Vilma Carmargos fez abaixo-assinado entre os moradores do prédio e o encaminhou ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-MG) e à Prefeitura de Belo Horizonte, que repassou a demanda para a Defesa CivilO que os preocupa é a construção, justamente no período das chuvas, de um prédio com previsão de 12 andares em terreno de formação geológica de risco (filito)Parte da encosta do terreno já cedeu e ameaça as construções vizinhas

“Nosso prédio, além das fundações para receber as cargas verticais, teve de ser contido com dispositivos denominados cortinas atirantadas que funcionam bem há mais de 20 anos e cujo custo superou o orçamento da construção do edifício”, conta a moradoraEla reclama que o proprietário do terreno e a construtora nunca concordaram em encontrá-los“Nem colocaram placa informativa de construção do empreendimento no local, o que é uma obrigação legal”, reclama Vânia Camargos

Alerta

O presidente do Ibape-MG apontou ao Estado de Minas problemas visíveis em edifícios, que podem servir de alerta aos moradores, uma vez que não são tão complexos de serem identificados: degradação do concreto, com exposição do aço; trincas na estrutura; infiltrações; falta de bueiros (boca de lobo) na rua; canalização para escoamento da água de chuva

“Quando me mudei, há três anos, não observei as condições do prédioHoje, depois de todos os desastres, me preocupo maisMinha próxima compra será mais consciente”, afirma a educadora Roberta Aranha, moradora do Bairro Buritis (Região Oeste), que apresenta problemas a serem corrigidos, como colapso de concreto e ferragens expostas, de acordo com o engenheiro civil“Chamamos a Defesa Civil e vamos fazer adaptações no jardim, responsável pela infiltração da água nas paredes da garagem”, completa a vizinha Francely Lara


A Secretaria Municipal de Regulação Urbana informou que até novembro de 2011, em construções aprovadas pela prefeitura, foram feitas 3.082 vistorias, emitidas 556 notificações, 60 autos de infração e 34 autos de embargoNo que se refere a construções irregulares foram 8.074 vistorias, 2.817 notificações, 696 autos de infração e 719 autos de embargo

Casas ameaçadas onde prédio desabou

O asfalto da Rua Passa Quatro, no Caiçara, também corre risco de ceder, levando as quatro casas já interditadas pela Coordenadoria Municipal de Defesa CivilO trecho foi isolado nessa quarta-feira com tapumes e está sob vigilância da Guarda Municipal e da Polícia Militar, na tentativa de inibir o acesso de populares e curiosos aos escombrosNos últimos dias, os moradores do Caiçara estão visitando o local seja por curiosidade, seja para identificar a origem do estrondo ouvido a quatro quarteirões da Passa Quatro, seja para prestar solidariedade aos moradores do prédio em ruínas que perderam tudo“Onde posso entregar doações de roupas?”, perguntava a dona de casa Alessandra Campos, de 40 anos, sendo informada de que o material estava sendo recebido na Igreja Nossa Senhora da Boa Esperança

Ainda não existe previsão da Defesa Civil para liberar a passagem dos moradores do prédio desabado até o local da tragédia, para que possam tentar salvar documentos, pertences ou fotografias enterrados sob toneladas de escombros(Colaborou Sandra Kiefer)

Palavra de especialista

Márcio Baptista
Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG

Papel do governo e do cidadão

“Evitar desastres é papel do poder público combinado com a iniciativa do cidadãoA manutenção preventiva é de responsabilidade do edifícioE, diante de qualquer suspeita de risco à segurança, qualquer pessoa pode chamar a Defesa Civil para uma vistoriaCaso receba uma notificação, deve tomar as providências indicadas de imediatoA Defesa Civil já tem um volume enorme de trabalho e, por isso, a ação a partir da demanda da população é mais eficaz do que esperar pela fiscalizaçãoO morador tem de ficar atento, principalmente se morar em áreas de risco, o que não é difícil em razão da geologia e da topografia de Belo HorizonteEle pode ter acesso ao mapa de risco da cidade e à planta do edifício para saber exatamente qual é a condição de onde moraA avaliação de um técnico também é importante.”