Dizer catástrofe não é exagero para o quadro de destruição deixado pelo Rio Xopotó, que margeia a pequena Guidoval, na Zona da Mata. As imagens aéreas impressionam. O pacato município, emancipado em 1948, com recursos comerciais vindos de oito fábricas de móveis, pequenas lojas e da plantação de cebola, pimentão, tomate e alface, viu a água alcançar incríveis 15 metros de altura nas primeiras 48 horas de 2012 e revirar ruas inteiras ao avesso. Para Afonso Carlo de Felippe, de Ubá, que está com parte da família ilhada em Guidoval, serão necessários, ao menos, cinco anos para a reconstrução da cidade. O comerciante acompanhou a reportagem do Estado de Minas por pontos críticos nas margens dos rios Xopotó e Pomba e a garganta embargou para falar do que viu: “Lastimável. Não há outra palavra”. Para o prefeito Élio Lopes dos Santos, de 56, em seu terceiro mandato, “só a esperança e o tempo” resolvem.
Veja imagens aéreas da chuva em Minas
Socorro
São muitos os dramas por metro quadrado no ponto de apoio da Defesa Civil e heliporto para a equipe do Batalhão de Radiopatrulhamento Aéreo da Polícia Militar. São 2 mil desabrigados, entre os 6 mil moradores, sem água, comida e remédios, à espera de socorro do outro lado do Xopotó. A transposição só é possível por meio de barco e helicóptero. Há uma estradinha vicinal, de cerca de 12 quilômetros, interditada. Nela, um caminhão carregado com mantimentos atolado. Pelo ar, o Guará, cedido pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) para a PM, com reforço de aeronave dos bombeiros. Pelo rio que chegou a subir 15 metros na segunda-feira, dois botes em operação emergencial: um para material de primeira necessidade; o outro, por conta do resgate de mulheres, crianças e idosos. Onde ficava a ponte de 50 metros, levada pela correnteza, foram improvisadas polias com cordas aquáticas, unicamente para a travessia de alimentos.
À margem do Xopotó, histórias tristes pululam. O cenário de destruição é indescritível. Enquanto voluntários de Ubá e cidades vizinhas se agrupam em apoio no Ginásio Poliesportivo Antônio de Pádua Occhi, dezenas de pessoas catam seus destroços e contam prejuízos. Pelo caminho, o cheiro forte de alho indica a pequena fábrica de tempero destruída. Na Praça Getúlio Vargas, rastros de destruição em meio ao lamaçal. Móveis, automóveis, roupas e telhados se misturam às raízes de árvores de cabeça para baixo. Da loja Anderson Calçados ficou apenas o toldo, recuado, sobre portões de aço empenados.
Carros arrastados, casas perdidas
Um moço de roupas apertadas – número bem menor que o seu – anda sem rumo com as palmas das mãos na cabeça: “O lado de lá está sofrendo demais por causa da falta de água e de alimentos. A gente tem que fazer alguma coisa, meu Deus!”, apela. É Antônio Pacheco Pereira, o Tonico, de 65, taxista e mecânico de automóveis, que viu a casa da família, com quatro quartos, duas salas e dois banheiros, virar escombros, seis minutos depois de ser resgatado de helicóptero no telhado. “Foi tudo muito rápido. Meus irmãos, Aloisio e Claudio, e eu estávamos na laje, a gente ficou acenando, pedindo socorro. Era grande a quantidade de motos e de carros que passava arrastada pela água perto da gente. Nunca imaginei ver isso na vida. Foi a conta de o helicóptero tirar a gente do telhado que a casa inteira desmoronou. Olhe só essas roupas... são emprestadas. Não me restou nem a roupa do corpo”, conta, ainda em estado de choque.
Tonico aponta para a garagem de sua propriedade e mostra seis carros completamente destruídos: cinco Fuscas e uma Brasília. Perdido, quer recolher os paralelepípedos da rua revirada: “A gente tem que catar essas pedras para fazer a rua de novo”, diz.
Do outro lado do que sobrou da via, uma casa sem paredes, com o telhado suspenso pelas colunas. É o que sobrou da residência de José Delfim Bressan, de 67, e da mulher, Ana Maria, de 64. “Aqui era o meu quarto. Ali, dois quartos. Aqui, era o banheiro. Ali era...”, perde-se no monte de entulho no cômodo invisível. Seu José não estava em casa quando o Rio Xopotó subiu. Estava em Astolfo Dutra, localidade vizinha, descarregando manga numa fábrica de suco. Ele conta que reuniu forças, quando soube que a mulher estava bem, resgatada pelo bote da PM: “Agora, está nas mãos de Deus, meu filho”. Conta que vai vender o carro e um lote, propriedades de resto para recomeçar a vida.
Na Rua Cândido de Carvalho, homens e mulheres carregam caixas com água para a margem do rio. Elaine Ramos, diretora da Escola Estadual Mariana de Paiva, conta 80 pessoas abrigadas no colégio, do outro lado da ponte. “Pedi que os cantineiros abrissem a despensa e dessem toda a assistência”, diz. O Pedrinho – o garoto do paletó vermelho – agora, sonha ainda mais em ser bombeiro, porque para ele, ainda que criança, “salvar gente é legal”. (JFC)