Jornal Estado de Minas

Municípios mineiros ainda estão isolados por causa da chuva

Enchentes e destruição de estradas, ruas, pontes e casas isolam moradores de muitos municípios na região metropolitana, Zona da Mata e Região Central

Paola Carvalho

Transbordamento do Rio Paraopeba engoliu Brumadinho, na Grande BH - Foto: JACKSON ROMANELLI/EM/D.A PRESS



Os temporais que castigam Minas Gerais deixaram uma triste herança de destruição e sofrimento: inundações, estradas e ruas interditadas, queda de pontes, deslizamento de encostas, crateras, muito prejuízo, moradores isolados em vários regiões, seja pelas enchentes, seja pela impossibilidade de voltar para casaDesde outubro, são oito mortes no estado em decorrência da chuvaPelo menos 37 municípios estão com abastecimento de água comprometido ou precisam de reforço no atendimento médicoO drama se espalha principalmente pela Grande BH, Zona da Mata e Região CentralSão tristes histórias de quem perdeu tudo e precisa retomar a vida normalA situação é dramática em Guidoval, na Zona da Mata, engolida pela cheia do Rio Xopotó.

Veja imagens  aéreas da chuva em Minas

Em Mário Campos, na região metropolitana, cerca de 60 famílias estão “presas” fora de suas casas e se abrigam em escolas e lares de conhecidosO nível do Rio Paraopeba começa a baixar, mas ainda fecha passagens e inunda casas“As saídas para Betim e Brumadinho foram interrompidas pelas águas”, informou Maria Efigência Mendonça, da Defesa CivilEmpresas não recebem produtos nem conseguem entregar mercadoria

Na vizinha São Joaquim de Bicas, a chuva deixou a família do comerciante Waldeci dos Santos, de 44 anos, ilhada em sítio próximo de ribeirão que deságua no Paraopeba“O rio encheu, deu retorno e transbordou
No caminho que costumo fazer, a água subiu quase um metroDe três saídas sobrou uma, bem mais longe e em péssimas condiçõesEu corri risco para sair de lá, mas deixei minha esposa e filha para trás em segurança”, disse

Perto dali, em Brumadinho, muita gente foi resgatada de barcoVinte e quatro horas sem comida e sem água foi a situação enfrentada por 20 famílias, no limite entre o Bairro de Farofas, em São Joaquim de Bicas, e o Fecho do Funil, trecho da estrada que liga Mário Campos a BrumadinhoA chuva arrastou as casas na beira do ParaopebaO técnico de programação Guilherme Moreira viu a água subir acima do muro de sua casa, com três metros de alturaAté ontem, não podia ir para o trabalho porque a chuva inundou a estradaOntem, ficou em casa para limpar o barro.

No único posto de gasolina que não foi invadido pela água, dos 14 funcionários, apenas dois conseguiram trabalhar entre segunda e ontem Um deles ficou no local desde o início da chuva e só foi para casa hoje pela manhã, quando a água baixou a ponto de liberar o acesso


A chuva também provocou estragos no Leste do estadoEm Governador Valadares, o Rio Doce subiu mais de três metros e inundou vários bairrosMais de 200 pessoas estão desabrigadas ou desalojadasE a previsão para os próximos dias é de que o nível do rio suba mais

Isolados

Em Congonhas, na Região Central, a inundação do Rio Maranhão, afluente do Paraopeba, 500 famílias estão desalojadasSão duas pontes e cerca de 20 ruas interditadas por deslizamentos, informou o secretário de Gestão Urbana, José Vicente SantanaEm Belo Vale, várias casas também ficaram submersasUma família teve de ser resgatada por helicóptero

Em Moeda, também na Região Central, a enchente alagou casas e nos 11 quilômetros que ligam o Centro da cidade à BR-040 são 35 desmoronamentos de encostas, segundo o prefeito Jânio Acir Moreira (DEM)“Estamos com máquinas nas estradas rurais para abrir acesso à população, pois ainda há localidades ilhadas”, disseEm Juatuba, na Grande BH, a MG-050 foi interditada no sentido BetimUm bairro virou rio e tem gente usando caiaque para chegar em casa

Em Conselheiro Lafaiete, 50 famílias estão em escolas e no ginásio poliesportivo e há 12 pontos de alto risco, de acordo com o prefeito José Milton de Carvalho Rocha (PSDB)A comunidade de Gage, longe do Centro da cidade, ficou ilhada, pois a ponte que leva até lá caiuO povoado, que fica entre o rio e a linha férrea, é acessado por uma composição de manutenção, cedida por uma empresa de logística“O vagão leva comida, medicamento, fraldas e traz pessoas”, disse

Nos municípios atendidos pela Copasa, 10 cidades ainda estão com o abastecimento de água prejudicado pelos problemas causados pela chuva: Astolfo Dutra, Belo Vale, Dores do Turvi, São João do Manhuaçu, Guaraciaba, Guidoval, Guiricema, Visconde do Rio Branco, Itapiriçu e CisneirosO serviço foi restabelecido em Divinópolis, Barão de Cocais, Ubá e Cataguases.

A Secretaria de Estado da Saúde informou que intensificou o atendimento em 27 municípiosFoi liberado hipoclorito de sódio (cloro) para desinfecção de água para consumo humano, enviado soros para atendimento emergencial.


Ouro Preto sem gua e energia


 A sina da professora universitária Sílvia Gonçalves, de 28 anos, que tentava deixar Ouro Preto, na Região Central, rumo a BH, já dura quatro dias e ilustra como a chuva deixou bairros e distritos praticamente isolados, sem água para beber e cozinhar, energia elétrica, gasolina ou ônibusO pior efeito foi o deslizamento de encosta na entrada da cidade que matou dois taxistas e soterrou parte da rodoviária na terça-feira “Moro em BH, mas sou de Ouro PretoMinha casa fica a um quilômetro da rodoviária e tenho de dar tantas voltas que levo 20 minutos para chegar de táxi, por causa das ruas interditadas e caminhos fechados por barrancos”, conta SílviaOntem, ela conseguiu comprar passagem de ônibus e foi avisada pela companhia que levaria cinco horas de viagem passando por um desvio em Santa Bárbara, pela BR-381“Tentei ir embora na segunda-feira, mas a BR-356 estava bloqueadaNa terça e na quarta caíram barreiras na BR-040 (Itabirito) e na MG-129 (Ouro Branco)Estou perdendo aulas de mestrado na UFMG e por isso vou arriscar ir embora hoje”, disse.

Embarques e desembarques estão sendo feitos no pequeno terminal turístico, antes do bloqueioDesde o Natal o aposentado Almir Lourenço Alves, de 75 anos, sofre com os transtornos trazidos pelo deslizamento de um barranco de cerca de 80 metros sobre a Rua 13 de Março“O poste caiu e ficamos sem luzA água faltou e estão arrumando, mas falta diretoAmanhã mesmo (hoje), disseram para guardar porque vai faltarÔnibus nenhum passa mais por aqui”, reclama

A comunidade do seu bairro, também chamado 13 de Março, numa das áreas mais íngremes de Ouro Preto, também sofrePara chegar ao Centro, eles levavam 20 minutos de ônibus antes do bloqueio“Hoje a gente fica uns 40 minutos descendo as pirambeiras a péPara voltar, é só subindo morro que não acaba maisSe for de carro, precisa fazer um desvio que leva quase uma hora”, afirma o mestre de obras José de Oliveira, de 59.

As obras de reparos da rodoviária tiveram de cortar o fornecimento de água no Centro Histórico e no Bairro São CristóvãoUm desmoronamento de encosta interrompeu o fornecimento para os distritos de Cachoeira do Campo e AmarantinaDe acordo com a prefeitura a expectativa é de que hoje o fornecimento seja normalizado(Mateus Parreiras)

 

 

DEPOIMENTO

 

  - Foto: JACKSON ROMANELLI/EM/D.A PRESS

 

“Tentei ir embora para BH na segunda-feira, mas a BR-356 estava bloqueadaNa terça e na quarta, caíram barreiras na BR-040 (Itabirito) e na MG-129 (Ouro Branco)Estou perdendo aulas de mestrado na UFMG e por isso vou arriscar ir embora hoje”

Sílvia Gonçalves
professora universitária, na rodoviária improvisada de ouro preto