Motorista de ônibus rodoviário há quase uma década e meia, Aderaldo José Ribeiro, de 40 anos, não assume o volante do Mercedes-Benz que dirige diariamente, de Belo Horizonte a cidades do Vale do Rio Doce, sem antes orar para DeusOntem, no terminal rodoviário da capital, a reza foi “dobrada”, pois ele levaria 40 passageiros até Sabinópolis, distante a 300 quilômetros, numa viagem pela trágica BR-381, conhecida como a Rodovia da Morte, e também pela perigosa MG-120Não bastasse ambas as estradas terem traçados sinuosos, pistas sem barreira física entre as pistas e má sinalização; os temporais dos últimos dias aumentaram as armadilhas nos dois corredores viários
As tempestades abriram vários buracos na 381, principalmente entre Nova União e o trevo para Itabira, e causaram cinco deslizamentos de encostas na 120, interditando o trânsito em meia pista entre Santa Maria do Itabira e GuanhãesAinda na MG, os temporais provocaram uma cratera próximo a Santa Maria do Itabira, atrapalhando o tráfego no localO Estado de Minas acompanhou Aderaldo, sujeito de boa prosa, e seus passageiros, como o vendedor Alex Caetano Pereira, de 24, na arriscada viagem de Belo Horizonte ao Vale do Rio Doce, uma das regiões mineiras mais castigadas pelas chuvas recentesPara se ter idéia, o tráfego de ônibus intermunicipais foi suspenso em algumas cidades de lá“Ficamos mais cabreiro nesta época do anoTodo cuidado é pouco com pista seca, imagine com chuvaA água atrasa a viagem e aumenta o risco de acidentes”, resumiu Aderaldo, ainda na rodoviária de BH, sem esconder a tensão diante do desafio de enfrentar a macabra 381
A rodovia, inaugurada há cerca de 60 anos, voltou a ser castigada pelas últimas chuvas, com a força de água abrindo vários buracos no precário asfalto entre Nova União e o trevo para Itabira
Trata-se dos deslizamentos de encostas entre essa cidade e Guanhães“Como não ter medo daquele tanto de terra (descendo as montanhas)?”, questionou o passageiro Alex Morador da capital, ele sempre vai a Sabinópolis nas férias de início de ano e, quando pode, nos feriados prolongadosDiante do primeiro deslizamento, ele e outros passageiros ficaram preocupados, pois acharam que o ônibus não teria espaço para ultrapassar o obstáculo
Logo veio o quarto, perto de Senhora do PortoPoucos quilômetros a frente, um caminhão que cruzou com Aderaldo piscou os faróisEra o aviso de que novo desmoronamento aguardava o Mercedes-Benz que levava 40 passageirosDessa vez, porém, o obstáculo estava numa curva fechada, o que aumenta o risco de acidentesJá as terras do quinto deslizamento, ocorrido no início da semana, começaram a ser retiradas pelo trator de uma empresa terceirizada pelo Departamento de Estradas de Rodagens (DER) na segunda-feira“Deslizamento”, comentou um passageiro com a mulher sentada ao lado, “não joga só terra no asfalto: também imensas pedras”Os desmoronamentos de encostas preocupavam todos os passageiros conduzidos por AderaldoAfinal, o trecho de dezenas de quilômetros entre Itabira e Guanhães é percorrido numa região montanhosaCinco horas e meia depois de uma viagem tensa por duas perigosas rodovias mineiras, onde as mãos habilidosas de Aderaldo reduziram o risco de acidente, o motorista estacionou o Mercedes-Benz na rodoviária de SabinópolisA viagem foi encerrada 30 minutos depois do horário previsto“Chegamos bem, graças a Deus”, agradeceu AderaldoE, claro, os passageiros“Espero que dê tudo certo na volta”, suplica Alex.
Empresas de ônibus cancelam rotas no interior
Materlândia e Divinolândia de Minas – O estrago que a chuva fez pelas estradas do Vale do Rio Doce causa grandes transtornos a moradores de pequenas cidades, onde as empresas de ônibus rodoviários foram obrigadas a suspender trechos por causa de erosõesNa pequena Materlândia, com cerca de 5 mil habitantes e a 30 quilômetros de Sabinópolis, uma cratera na LMG-752 levou a Saritur e a Serro a interromperem o trajeto entre os dois municípiosApenas veículos pequenos conseguem passar pelo trecho O buracão prejudica Rogério Rosa dos Santos, cobrador do ônibus conduzido por AderaldoEle mora em Materlândia, mas é obrigado, como diz, “a se virar para chegar em casa” quando desce na rodoviária de Sabinópolis“Vou ter de pegar carona em um carro pequeno”
A erosão também causa prejuízos aos pecuaristas da cidade“O escoamento de leite está paradoSão cerca de 20 mil litros do alimento por dia Até o fim de semana, acredito, vamos terminar um desvio para que veículos pesados consigam passar”, disse o prefeito do lugarejo, Marques Serafim (PMDB)Caminhoneiros desavisados que chegavam ao local precisam voltar para Sabinópolis ou fazer como Genecides Reis, entregador de gás: “Neste ponto, alugamos um veículo Strada e transferimos a carga para ele.” Em Divinolândia de Minas, com cerca de 7 mil moradores, a ponte sobre o Ribeirão Divino foi danificada pela chuva da última semanaA prefeitura construiu uma passarela de madeira, mas o trânsito de veículos foi prejudicadoÔnibus e caminhões precisam transitar por uma estrada de terra, na área rural, que vira um lamaçal quando choveO desvio, de 2 quilômetros, acabou com o sossego de algumas famíliasEntre Sardoá e Governador Valadares, uma erosão engoliu o barranco numa das curvas da BR-259, tornando a estrada, que já não tem acostamento, mais perigosa.