Da janela do flat onde mora, num edifício de 10 andares no Bairro Luxemburgo, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, o advogado Cristiano Abreu, de 37 anos, viu quando o barranco vizinho a seu prédio, com 50 metros de extensão, desceu como uma cachoeira de barro, árvores e pedras até soterrar a Rua Flavita Bretas, que fica embaixo. O mesmo deslizamento, em 3 de janeiro, afetou as casas mais frágeis e humildes da Vila Leonina, uma favela vizinha. E foi da janela da casa simples de seu compadre, nessa comunidade, que o servente aposentado Alírio Viana dos Santos, de 72, pôde ver a casa onde morou por 22 anos ser tragada pela encosta.
De acordo com o consultor técnico e professor aposentado de geologia da Universidade Federal de Minas Gerais Edésio Teixeira de Carvalho, cerca de 30% do território belo-horizontino se encontra sobre uma camada de solo muito suscetível a deslizamentos. “Essas rochas metassedimentares são o filito e o quartzito. Edificações nesses terrenos exigem cuidados especiais e por vezes o uso de técnicas de engenharia específicas”, afirma. “O filito, por exemplo, ao receber grande quantidade de água das chuvas, se esfacela em camadas como se abrisse as folhas de um livro. O quartzito é pouco mais resistente, mas é mais fraturado, se soltando em blocos”, compara.
Sobre essa faixa de terreno que exige mais cuidados na hora de construir foram edificadas moradias de todas as classes sociais da cidade, nas regiões Centro-Sul, Oeste, Leste e do Barreiro. Nessa área que corre paralela à Serra do Curral também está concentrada grande parte dos 50 pontos que a Coordenadoria de Defesa Civil (Comdec) de BH considera os mais críticos no momento. Entre os bairros mais afetados estão Mangabeiras, Sion, Buritis, Luxemburgo, Sagrada Família e Belvedere Também se encontram nessa zona perigosa os prédios condenados da Rua Laura Soares Carneiro, no Buritis.
Para ter um diagnóstico correto e chegar a soluções para as famílias que moram nesses locais ameaçados, a Comdec tem feito vistorias acompanhadas de voluntários da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS). Desse trabalho, além de demolições necessárias e cuidados a serem tomados pela Prefeitura de BH e por proprietários, sairão sugestões para aprimorar o Código de Obras da cidade, esperam os engenheiros da ABMS e a Comdec.
"Belo Horizonte não é pior do que outras cidades para construir. Hoje, a engenharia tem solução para tudo. Realmente o filito, principalmente, é uma rocha difícil de trabalhar, já que se esfacela muito. E isso ocorre em áreas nobres e também na periferia”, avalia o presidente do núcleo mineiro da ABMS, Ivan Libanio Vianna.
A encosta que desceu no Bairro Luxemburgo vinha sendo regularmente vistoriada pela Comdec e causou destruição semelhante na parte próxima à residência do advogado Cristiano Abreu, que paga R$ 1.299 de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), e na do servente aposentado Alírio Viana, que não recolhe o tributo por morar em área invadida. “Telefonei para a Defesa Civil e eles disseram que os nossos pilares estavam seguros, apesar de parte da cobertura de solo ter descido. Mesmo assim sinto que deixaram o barranco cair. Poderiam ter feito obras de contenção com concreto”, reclama o advogado. “A gente paga caro e não tem segurança”, completa.
“Foi um susto danado. Os barracos da frente desceram desmanchando. Caiu pedra, sofá, fogão, geladeira, até cadeira de rodas ficou espalhada na lama. Consegui correr a tempo”, lembra Alírio. “Estou alugando a casa do meu compadre por R$ 400 (aluguel social da PBH) enquanto procuro outro barraco aqui.” O deslizamento ainda afetou os fundos do Tribunal de Conta e do Hospital Luxemburgo, mas os edifícios não estão ameaçados, segundo responsáveis pelas edificações.
Perto do palácio
Nem o Mangabeiras, um dos bairros mais luxuosos e tradicionais da cidade, ao pé da Serra do Curral, escapa dos deslizamentos. A menos de 300 metros do Palácio das Mangabeiras, residência oficial do governador Antônio Anastasia (PSDB), o morro de filito e minério desceu devastando tudo pela frente. A força foi tanta que retorceu o muro de gabiões – cubos de redes de aço e pedras – na Praça Angelino Bruscini para conter a movimentação de terra. A praça acabou bloqueada. Do outro lado do morro, na Rua Engenheiro Bady Salum, que fica no alto, uma mansão ameaça desabar há quatro anos.
Na parte baixa, na Rua João Camilo de Oliveira Torres, pelo menos três casas pertencentes a pessoas de poder aquisitivo alto estão no rumo de um barranco que já interditou metade da via depois de uma avalanche que destruiu muros de contenção, o asfalto e envolveu postes de energia elétrica. “Minha filha de 19 anos só dorme na casa da minha mãe. Ninguém em casa dorme nos quartos da frente. Vivemos sob ameaça constante”, reclama a médica Maria Flávia Brandão, de 48. A casa dela é uma das mais ameaçadas. “A gente paga mais de R$ 3 mil de IPTU e vive num lugar que não tem segurança.”
A PBH informou que toda construção precisa ter alvará e para obter o documento um engenheiro se responsabiliza pela segurança dos alicerces. Porém, a administração não vistoria essas estruturas em nenhuma etapa futura do processo de liberação dos imóveis.