O levantamento foi feito pelo Estado de Minas nas regionais de BH. Mas o volume real é ainda maior, já que, entre as nove, a Noroeste não respondeu até o fechamento desta edição e, na Leste, ninguém foi encontrado para comentar o assunto. Além de informar o volume de lixo recolhido das águas, a Centro-Sul e a Norte detalharam o tamanho da sujeira. Na primeira, que abriga alguns dos bairros mais nobres da cidade, foram retirados dos córregos 623 pneus, 70 sofás, 36 fogões, 24 caixas-d’água e 95 malas de viagem, entre outros itens. O recolhimento ocorreu em 10 cursos d’água que passam por áreas da Vila Cafezal (no Aglomerado da Serra), da Vila Acaba Mundo (no Bairro Sion) e da Barragem Santa Lúcia (no aglomerado de mesmo nome).
Já na Regional Norte foram encontrados 838 colchões, 4.870 restos de guarda-roupas, 709 televisões e até vasos sanitários e banheiras ao longo do ano passado. A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) informou que não tem o balanço de toda a cidade, nem quis comentar a situação. No entanto, dados de janeiro a outubro divulgados em 2011 pela própria SLU mostram que foram retiradas 3,2 mil toneladas de lixo e entulho dos cursos d’água durante os 10 meses. A quantidade de resíduos é praticamente a mesma enviada diariamente ao aterro sanitário Macaúbas, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O gerente de Limpeza Urbana da Regional Centro-Sul, Denílson Freitas, diz que parte do problema é causado pela população, que precisa se conscientizar. “As pessoas ainda não têm ideia do risco que isso representa para elas próprias. Todos os anos limpamos cada córrego quatro vezes , em média, e sempre nos deparamos com eles lotados de lixo. A primeira coisa que ocorre quando chove é o entupimento das bocas de galeria e a inundação das casas. Em determinados locais é comum tirarmos de cinco a seis geladeiras de uma vez”, relata. Ele acrescenta que após a limpeza é feito um trabalho de mobilização, para tentar evitar que mais lixo seja jogado nos córregos.
Diques
Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Nilo de Oliveira Nascimento destaca que os resíduos não necessariamente causam enchentes, mas agravam a situação. “Objetos grandes como esses podem ficar agarrados embaixo da estrutura de canalização, em um pilar ou em uma curva de curso d’água, deixando a cheia pior. Isso é também um tipo de poluição e causa dano ambiental, além de contribuir para o desenvolvimento de vetores, como ratos e baratas”, afirma.
Agente comunitário do Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul da capital, Gilmar José da Cruz, de 41 anos, nem havia terminado de contar tudo que já viu jogarem às margens do Córrego Primeira Água, quando testemunhou mais um flagrante de falta de conscientização. Em plena tarde de ontem, um menino de 11 anos, a pedido do pai, descarregou um carrinho de mão lotado de mato e entulho, aumentando a montanha de imundície à beira do afluente do Córrego Cardoso.
A sujeira foi se juntar, na encosta íngreme, a restos de máquinas de lavar, bicicleta ergométrica, boneca, ventilador e muito, muito entulho da construção civil. Para a prefeitura, o lugar é conhecido como Parque da Primeira Água. Para quem anda por lá, a área não passa de um bota-fora. “Jogam até cachorro morto aqui. O problema é que o material vai acumulando e a dengue entra em ação. Já limpamos a encosta e encontramos ratos, escorpiões e cobras. Depois de uma semana, já estava tudo sujo de novo”, afirma Gilmar.
O serviço de limpeza urbana das regionais recolheu também, no ano passado, 4.057 metros cúbicos de lixo e entulho que sujavam as ruas e acumulavam água, contribuindo para a proliferação do mosquito Aedes aegypti. Durante os mutirões de combate à dengue, também foram recolhidos pneus, sofás, fogões, geladeiras e pratos de vasos de plantas, entre outros.
Palavra de especialista
Maria Giovana Parizzi,
professora do Departamento de Geologia da UFMG e doutora em área de risco
Um processo de inundação não é ocasionado só pelo lixo jogado nos cursos d’água, mas, quando há um quadro suscetível, ações negativas podem agravá-lo. Às vezes, as pessoas não fazem por mal, simplesmente não têm ideia de que aquilo pode prejudicar. Esse processo contribui para a poluição. O lixo de modo geral pode aumentar a sujeira na água. O nível de partículas suspensas prejudica a flora e a fauna aquática. Na área urbana, tudo isso está canalizado, mas esse rio vai sair da cidade e desaguar em outro, prejudicando tudo. As partículas diminuem ainda a luminosidade (a entrada de raios de sol) e modificam a temperatura. A profundidade do leito do rio também fica comprometida e isso a altera o equilíbrio do ambiente. É um trabalho enorme para uma estação de tratamento de esgoto (ETE). Já não há estações suficientes e, quanto mais sujeira chegar, mais ineficaz será o tratamento, pois só se consegue garantir uma parte dele. Lixo é para ser jogado no lugar certo. Se não, para que servem o aterro e a coleta?
Maria Giovana Parizzi,
professora do Departamento de Geologia da UFMG e doutora em área de risco
Um processo de inundação não é ocasionado só pelo lixo jogado nos cursos d’água, mas, quando há um quadro suscetível, ações negativas podem agravá-lo. Às vezes, as pessoas não fazem por mal, simplesmente não têm ideia de que aquilo pode prejudicar. Esse processo contribui para a poluição. O lixo de modo geral pode aumentar a sujeira na água. O nível de partículas suspensas prejudica a flora e a fauna aquática. Na área urbana, tudo isso está canalizado, mas esse rio vai sair da cidade e desaguar em outro, prejudicando tudo. As partículas diminuem ainda a luminosidade (a entrada de raios de sol) e modificam a temperatura. A profundidade do leito do rio também fica comprometida e isso a altera o equilíbrio do ambiente. É um trabalho enorme para uma estação de tratamento de esgoto (ETE). Já não há estações suficientes e, quanto mais sujeira chegar, mais ineficaz será o tratamento, pois só se consegue garantir uma parte dele. Lixo é para ser jogado no lugar certo. Se não, para que servem o aterro e a coleta?