Jornal Estado de Minas

Expedição de voluntários percorre cidades assoladas pela chuva para resgatar animais

 

 

Como na narrativa bíblica da arca de Noé, em que Deus manda construir uma embarcação para salvar do dilúvio um casal de cada espécie animal, a organização não governamental Núcleo Fauna de Defesa Animal (NFDA), com sede em Belo Horizonte, socorreu mais de 400 cães, gatos, cavalos e outros bichos, que se perderam depois de sobreviver às enchentes de Minas. Muitos foram resgatados doentes e desnutridos.



A expedição, formada por nove pessoas, entre elas dois veterinários da Costa Rica, já visitou por três vezes 19 cidades castigadas pelas chuvas nas regiões Central, Zona da Mata, Campo das Vertentes e Metropolitana de BH. Depois de recolhidos, os animais são alimentados, examinados, cadastrados, vacinados e medicados e, quando necessário, passam por pequenas cirurgias. Os bichos adultos são abrigados pelas prefeituras e os filhotes levados para clínicas parceiras da capital, para adoção. Esse é, por exemplo, o caso de Gasparzinho, um cão com pouco mais de dois meses, resgatado acorrentado debaixo de chuva em BH. Um vira-lata foi batizado de Guidoval, por ter sido salvo da enchente na cidade mais castigada da Zona da Mata.

Ilhados
O coordenador da NFDA, o funcionário público Franklin Oliveira, de 43 anos, conta que na sexta-feira a expedição retornou a Guidoval e passou por Ponte Nova, Viçosa, Barbacena e Visconde do Rio Branco. “Cães e gatos ficaram ilhados em Guidoval e foi preciso um barco para salvá-los”, disse. Na semana passada, os expedicionários montaram uma tenda em frente à casa de uma voluntária em Guidoval, como base de atendimento. O trabalho deles foi anunciado durante missa na igreja católica da cidade e um carro de som também convocou a população para exames e vacinação dos animais de estimação.

Bichos também foram resgatados em Brumadinho e Mário Campos, na Grande BH. Amanhã, os voluntários vão se dividir em dois grupos e um deles, coordenado pelo Núcleo Fauna de Defesa dos Animais, vai percorrer Guidoval, Dona Euzébia, Além Paraíba, Rio Pomba, Tocantins, Paiva, Visconde do Rio Branco, Ubá e municípios vizinhos.



O segundo grupo, coordenado pela Associação Bicho Gerais, vai para Itabirito, Cachoeira do Campo, Ponte Nova, Teixeiras, Viçosa, Coimbra, São Geraldo, Carandaí e Santa Bárbara. “Estamos fazendo uma campanha para incentivar o apadrinhamento desses animais pelas clínicas veterinárias e também a adoção. Qualquer pessoa pode adotar”, disse Franklin, que diariamente tem inserido fotos dos animais no blog franklineumassis.blogspot.com..

Feridos


Muitos animais perdidos foram recuperados em áreas rurais e os integrantes da expedição ainda tentam localizar os donos. “Alguns são de comunidades carentes e a gente percebe o apego das pessoas aos bichos que voltaram depois das enchentes. A gente fica com pena dos animais. Eles ficam vagando debaixo de chuva, molhados. No primeiro dia, recolhemos um cão com a pata ferida e conseguimos interná-lo numa clínica de Ubá”, disse Franklin.

 

Caravanas de voluntários vão fazer, a partir de amanhã, mais viagens às cidades atingidas para estimular as adoções (foto: Franklin Oliveira/Divulgação)
Como muitas prefeituras não têm condições de abrigar cães e gatos, os animais adultos são tratados, alimentados e devolvido às ruas. “Temos um cronograma de ação. Em três semanas, a gente pretender retornar às cidades e castrar os animais como forma de impedir a procriação desordenada”, disse Franklin. Ele conta com o apoio da Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA), com sede em Londres e escritórios na Costa Rica e no Rio de Janeiro, que custeou as primeiras ações emergenciais aos animais, além de organizar um plano logístico.



Mas o trabalho ainda não acabou e Franklin convoca voluntários, inclusive nas cidades visitadas, para reforçar os atendimentos. “O importante é valorizar a vida em todos os sentidos. Quando tratamos de um animal de uma pessoa carente, percebemos o quanto o cão ou o gato de estimação é importante, mesmo diante de tanta desolação. Os animais são tão importantes para as pessoas que um morador morreu afogado tentando salvar o seu cão”, disse Franklin.

Barraginha

O servidor público Franklin Oliveira conta que a sua luta pela defesa dos animais não é de hoje. “Foi há 30 anos”, disse, lembrando que resgatou animais vítimas da tragédia da Vila Barraginha, na Cidade Industrial, em Contagem, na Grande BH. “Na época, pertencia a outra ONG e montamos um posto de recolhimento de animais”, explicou. Em 1992, houve um deslizamento de terra na Barraginha, que soterrou mais de 150 barracos, matando 37 pessoas, ferindo centenas e deixando 1,7 mil desabrigados.

A vila foi formada em um terreno doado à Prefeitura de Contagem pela Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais. O local apresentava risco geológico, por ser o terreno à base de argila e um antigo depósito de lixo.



E MAIS...

JÁ SÃO 17 MORTOS EM MINAS

Subiu para 17 o número de mortos pelas chuvas em Minas, com a localização ontem do corpo de Diego Tuler Vieira, de 28 anos, levado no dia 3 pela correnteza do Rio Piranga, em Ponte Nova. Ele perdeu o equilíbrio quando atravessava uma ponte a pé, tocou num poste e sofreu descarga elétrica, sendo levado pela enxurrada. Também aumentou para 179 o número de municípios em estado de emergência dos 252 atingidos pelas chuvas. Segundo a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, o número de casas destruídas no estado se elevou de 643 para 812, com 17.193 danificadas. O balanço revela que há 461 pontes danificadas e 368 destruídas. No estado, há 54.826 pessoas desalojadas e 4.733 desabrigadas, duas desaparecidas e 3,2 milhões afetadas diretamente pelas enchentes.

VARGINHA
Moradores de Varginha, no Sul de Minas, foram surpreendidos no fim da tarde de ontem por um temporal. A chuva de 20 minutos encheu o córrego que corta os bairros São Geraldo, Barcelona e Jardim Áurea e nove casas ficaram alagadas. Rapidamente o nível do córrego voltou ao normal e ninguém ficou ferido ou desabrigado. O Corpo de Bombeiros recebeu várias solicitações de queda de árvores e vistorias em casas. A Avenida do Contorno, que liga Varginha a Três Pontas, ficou parcialmente interditada por conta da queda de um eucalipto, mas o problema foi resolvido.

MINERAÇÃO
As operações de mineração do Quadrilátero Ferrífero em Minas voltaram à normalidade depois das chuvas, segundo sindicatos de trabalhadores. Nas últimas semanas, as mineradoras haviam reduzido o ritmo de produção na principal área de extração de minério de ferro do país. Vale e CSN, as principais mineradoras, porém, não confirmam que a situação está solucionada. Minas responde por dois terços da produção de minério do Brasil e, com a melhora do clima, o acesso às minas foi liberado
e os funcionários das mineradoras puderam sair de casa para trabalhar, informaram sindicalistas.



OURO PRETO
Os foliões vão poder festejar o carnaval nas ladeiras de Ouro Preto, mesmo com os estragos da chuva. Segundo o prefeito Ângelo Oswaldo, já está sendo equacionado o que seria um dos problemas para os turistas: a rodoviária, interditada após ser atingida por um deslizamento de morro, que matou dois taxistas, vai ficar fechada, mas um terminal provisório vai ser construído. A única mudança no carnaval vai afetar apenas o desfile das escolas de samba, que terá um formato reduzido. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, algumas escolas de samba são de bairros atingidos e, por isso, as agremiações resolveram dividir o dinheiro repassado pela prefeitura para o carnaval entre os prejudicados pela chuva.
 

audima