Além Paraíba e Guidoval – Alguns se apegam à fé em Deus. Outros esperam socorro de uma ação conjunta do poder público. Parte já recorreu ou pretende apelar a parentes e amigos. Poucos têm alguma economia para raspar. E restou uma multidão que simplesmente não sabe o que pensar, desejar ou fazer. Mais de 10 dias depois que a chuva deu trégua na maior parte do território mineiro, o Estado de Minas percorreu os dois municípios mais devastados pelos temporais na Zona da Mata, onde seis pessoas morreram e 32 mil foram afetadas. Com poucas palavras, muitas lágrimas e olhares incrédulos, em meio a um cenário ainda tomado por barro e destroços, moradores não veem a retomada da vida normal. Máquinas trabalham, um mutirão providencia documentos, cargas de solidariedade vão chegando. Mas faltam casas, faltam roupas, falta água limpa... Para muitos, falta até esperança ou força para recomeçar.
Em Guidoval, o Rio Xopotó transbordou e arrasou a cidade no segundo dia do ano. A destruição é vista logo na entrada do pequeno município, de 7 mil habitantes, passa pelo Centro e chega à zona rural. Vinte dias depois, a Defesa Civil avalia que a situação é estável, sem riscos de novas tragédias. Três dias após as enchentes, o sol voltou, inclemente. Os moradores aproveitaram para começar a difícil retirada da lama, mas o calor é tamanho – já a temperatura chegou a 37°C – que obriga quem sofreu com as chuvas a reclamar do céu de poucas nuvens.
Já em Além Paraíba foi o Rio Limoeiro, afluente do Paraíba do Sul, que arrastou casas, carros, ruas inteiras. Na madrugada do dia 9, quatro pessoas morreram carregadas pela enxurrada. Equipes do Serviço Geológico do Brasil, do governo federal, avaliam riscos de novos deslizamentos, que na cidade vizinha, Sapucaia (RJ), com o mesmo relevo, mataram 22 pessoas. Como em Guidoval, o sol apareceu três dias depois do desastre.
RECOMEÇO
”Fogo, fogo", gritava o louro, ao ver a água que invadia Guidoval. A dona do papagaio que deu o alarme como pôde, Eliana Martins Nogueira, de 48 anos, já se mobilizava para salvar parte do que conseguiu na vida. Perdeu quase tudo. Ganhou mesa da vizinha, que se rendeu e decidiu recomeçar a vida em Ubá. "Minha retomada será por aqui. Pelo menos, já tenho onde comer", diz. Já Leandra Alves, de 12, perdeu muito mais que bens materiais em Além Paraíba. A mãe e o irmão morreram. “Recomeçar? Não tenho nem ideia como”, diz.
Nas ruas dos dois municípios, alguns limpam casas ou tentam consertar espaços destruídos. Outros nem alicerce têm para reconstruir. Resta esperar programas sociais de moradia, ainda incertos. O comércio também foi devastado. O dono de uma fábrica de móveis em Guidoval calcula ter perdido R$ 500 mil em infraestrutura e R$ 120 mil mensais em vendas. As prefeituras terão de reconstruir prédios públicos, hospitais e postos de saúde. “Estamos perdidos. Vai ser duro recomeçar”, prevê a pensionista Aurenice Nunes de Andrade, de 69, na fila por uma identidade.