(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Com histórico de vida traumático, adolescente ganha nova família

Órfã de mãe, maltratada por madrastas e acolhida em casa de amparo de Contagem, na Grande BH, adolescente descobre 17 anos depois avó, irmãos e tios, com quem tem reencontro marcado


postado em 24/01/2012 06:00 / atualizado em 24/01/2012 06:52

Estudante do ensino médio e prestes a completar 18 anos, Laura Borges Vasconcelos dos Santos teve uma vida difícil, mas está feliz por redescobrir os familiares da mãe(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Estudante do ensino médio e prestes a completar 18 anos, Laura Borges Vasconcelos dos Santos teve uma vida difícil, mas está feliz por redescobrir os familiares da mãe (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
 

 

A estudante Laura Borges Vasconcelos dos Santos só vai completar 18 anos em 10 de março, mas, de antemão, ganha o presente que vale pela vida inteira: uma família. A espera foi longa, trilhou os caminhos da perda, passou pelos abismos do medo e entrou nos labirintos da incerteza, sem jamais perder, no entanto, o rumo da confiança. Na semana que vem, a jovem acolhida numa casa de amparo em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, viaja para Ribeirão Preto (SP), onde vai conhecer a avó materna, irmãos, tios e primos, que nunca viu pessoalmente e dos quais ficou afastada desde os nove meses, quando, órfã de mãe, foi levada pelo pai, segundo ela, para uma trajetória sem afeto e cheia de privações e maus-tratos, primeiro na Bahia e depois em Minas. “Agora estou muito feliz, vou encontrar os meus parentes e recuperar parte da minha história”, afirma a garota.

Laura é uma adolescente bonita, com a pele morena que realça ainda mais os dentes brancos e perfeitos. Gosta de se vestir com elegância, usa lápis de olho e rímel e, mesmo ao lembrar dos momentos mais barra-pesada de tão poucos anos de vida, não deixa que as lágrimas transbordem e borrem a maquiagem discreta. Os olhos simplesmente brilham e a conversa flui, sem dramas. Há um ano e três meses na organização não governamental Embaixada do Altíssimo-Geração de Davi, no Bairro Água Branca, ela soube do paradeiro de parentes maternos há poucos dias, pelo empenho da presidente da instituição, Magali Magda Borges, a quem chama de “mãezinha”, e que detém a sua guarda.

A menina revela que durante muitos anos duvidou que a mãe, Marli, que estaria hoje com 46 anos e deixou mais dois filhos, Renata, de 30, e Jefferson, de 27, realmente tivesse morrido. “Perguntava ao meu pai e ele respondia apenas: ‘Morreu’”. Não havia uma fotografia para admirar, uma carta para conhecer a letra, um bilhete para servir de alento. “Quando eu tinha 7 ou 8 anos, ele tirou da carteira um retrato 3x4 e me mostrou. Mesmo sem poder ver o rosto da minha mãe, apenas os cabelos, pois o papel estava manchado, fiquei satisfeita.” Mas a alegria durou pouco. Logo em seguida, a madrasta rasgou a foto, dando sumiço na única lembrança palpável.

Até os 4 anos, Laura morou com o pai em Vitória da Conquista (BA), também sem muita convivência com os familiares baianos. Depois, a família foi para Belo Horizonte, Betim e Contagem. “Eu não podia sair de casa, só me sentia bem na escola. Nunca fui a uma consulta médica e fiz um exame de sangue pela primeira vez já quando estava na ONG. Era obrigada a fazer trabalho doméstico e ainda ouvir críticas das madrastas, que foram quatro, ao longo dos anos. Roupas, só de doação”, recorda-se.

Violência doméstica



O tempo passou e Laura estudou, estando matriculada hoje no segundo ano do ensino médio de uma escola de Contagem. Algumas vezes, tentou fugir, mas sem sucesso. Até que, em casa, levou um tapa no rosto, caiu, machucou a cabeça e foi levada para um posto de saúde. Ao atendê-la e verificar os hematomas, a médica desconfiou da história “de que seria uma queda acidental” e comunicou o fato ao conselho tutelar. Não deu outra: a adolescente, então com 15 anos, foi encaminhada para a casa de amparo. “Laura chegou triste, abatida, assustada e emocionalmente abalada”, diz Magali, paranaense de Maringá, ex-empresária de modas, mãe de duas filhas, que trocou o mundo dos negócios pelo trabalho em aglomerados e decidiu fundar a instituição, hoje com 120 pessoas, entre mães e filhos.

A partir do relato da jovem e da certidão de nascimento, único documento que a garota tinha, Magali entrou em contato com a polícia em São Paulo e localizou a avó dela, Maria Aparecida Borges de Souza, de 65, moradora de Ribeirão Preto. Na quinta-feira, por meio das redes sociais, Laura “se viu” com dois meses no colo da mãe, que até então jamais havia conhecido, junto aos dois  irmãos. A emoção foi pouco diante das fotografias postadas pelos parentes. “Nesses anos todos, nunca perdi a fé. Família, para mim, é carinho, convívio, diálogo”. No momento, Magali busca recursos para levar a menina a Ribeirão Preto. No período em que está na instituição, Laura já recebeu, conforme contou, apenas duas visitas do pai.

Avó nunca perdeu a esperança

Ainda bebê, Laura foi carregada pela irmã, Renata, ao lado do irmão, Jefferson(foto: Arquivo Pessoal)
Ainda bebê, Laura foi carregada pela irmã, Renata, ao lado do irmão, Jefferson (foto: Arquivo Pessoal)
A alegria de Laura ecoa em Ribeirão Preto, na casa da avó Maria Aparecida, dos irmãos e demais familiares. “Nunca perdi a esperança de reencontrá-la. Sou católica e rezei muito, pedindo a Deus por esse momento”, contou, por telefone, Maria Aparecida, confirmando a história de que a menina foi levada pelo pai com nove meses. “Ele morava com a gente, mas um dia falou que levaria a menina. Pedi que esperasse, que nada se resolveria de repente, mas não houve jeito. Entrei em casa e, quando voltei à porta, já tinha ido embora. Acho até que havia um carro esperando”, recorda-se.

A polícia foi acionada e nem o rastro do homem com a sua filha foi achado . “Ouvi dizer que teriam seguido para Campinas (SP). Durante todos esses anos, tentei em vão encontrar a minha neta. Fui até a programa de rádio. Sei que, judicialmente, o pai tinha todos os direitos, eu sabia que perderia se reclamasse a guarda, mas não precisava sumir com o bebê”, diz Maria Aparecida, cuja filha morreu de aneurisma. “Ver um filho morto não é perda. A gente vê o enterro saindo, sabe que o corpo está no cemitério e a alma com Jesus e minha mãezinha Nossa Senhora. Agora, ter um parente desaparecido é pior, pois não se sabe se está vivo ou morto.”

Dormindo sempre à custa de calmantes, Maria Aparecida, viúva, conta que sofreu muito com a partida da netinha: “Fico feliz de saber que é uma boa moça. Já pensou se tivesse ido por outro caminho?” Nas fotos, o bebê está no colo da mãe com os irmãos Renata e Jefferson. “Você não tem noção de como estamos felizes. Laura não foi entregue, mas retirada da família. Pela falta de notícias, não sabíamos como estava e onde”, diz Renata.

Nesses dias que antecedem o reencontro tão esperado, Laura procura mostrar tranquilidade. “Acho que quero continuar na ONG, que para mim é uma família. Vou ser advogada para ajudar quem vive aqui. Também pretendo casar e criar filhos. Tenho fé e confiança”, conta a jovem, certa de que o sofrimento não abalou a sua estrutura. Em um ano e três meses na instituição, ela tem aulas de natação, informática, línguas e violino. “Gosto do instrumento, estou aprendendo há quatro meses e já toco algumas músicas”, orgulha-se a menina, que mostra nítida preferência pela cor lilás e não esquece do dia em que, logo depois de chegar à nova casa, ganhou de presente um tênis e um batom nesse tom.
 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)