Jornal Estado de Minas

Caminhoneiros recorrem a estimulantes e ampliam risco nas estradas de Minas

No ano passado, acidentes aumentaram 132%. Os motoristas usam até anfetaminas e até estimulantes à base de álcool

Mateus Parreiras

Flagrante comum nas estradas que cortam Minas: cansados depois de longa jornada, caminhoneiros têm seus reflexos testados pelos obstáculos na pista esburacada - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Por trás de pálpebras inchadas e quase fechadas, os olhos vermelhos do caminhoneiro S.S.P., de 30 anos, suplicam rendiçãoO peso do sono se reflete nas rugas profundas de expressão e no esfregar constante das mãos no rostoNum solavanco, seu olhar perdido e a posição fixa despertam de repenteSem reagir a tempo, passa com as nove rodas do lado direito da carreta num buraco profundo da BR-251 – o veículo, de 15 metros de comprimento, transporta oito toneladas de geladeiras“Estava pensando numa outra coisa, nem vi o buraco”, diz, tentando justificar o barulho e o estremecer da carretaNem o sono ou o furo que esvaziou um dos seus 18 pneus quando passou pela Bahia o impedem de seguir viagemJá são 11 horas rodando por 650 quilômetros, desde Feira de Santana (BA) até Salinas, no Norte de MinasO destino, Pirapora, está ainda nove horas à frenteEntre cochilos, curvas e ultrapassagens a mais de 100 quilômetros por hora, o sul-mato-grossense se arrisca a tal ponto que uma tragédia parece questão de tempo.

Em vídeo, repórter registra ultrapassagens perigosas na BR-251Confira:


Caminhoneiros como Singressam diariamente nas rodovias de Minas Gerais em condições limite

Desafiam o sono, longas jornadas e estradas estreitas e esburacadasPior: recorrem cada vez mais a drogas para fazer frente a uma rotina extenuanteSegundo o Ambulatório de Dependência Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), três em cada 10 caminhoneiros usam regularmente rebites e anfetaminas para circular insones por horas a fio pelas estradas brasileirasNão bastasse isso, bebidas à base de cafeína concentrada e álcool, disfarçadas de “energéticos”, agora são oferecidas em pequenos tubos e consumidas aos montes em restaurantes de postos de abastecimentoOs efeitos, dizem especialistas, são tão devastadores quanto os dos estimulantes químicos“São como rebitesA cafeína dessas bebidas é um estimulante do cérebro, assim como a anfetamina das pílulasO álcool estimula num primeiro momento e a cafeína e outras substâncias mantêm a pessoa acelerada”, afirma o coordenador do ambulatório da UFMG, o psiquiatra Valdir Campos.

O resultado dessa combinação de sono, pressa e estimulantes é uma carnificina atestada por estatísticasNoano passado, de acordo com a Polícia Militar de Minas Gerais, as estradas estaduais registraram 8.513 acidentes com veículos de cargaO número é 132% maior do que o de 2010, quando 3.666 caminhões e carretas se envolveram em tombamentos, batidas e atropelamentos
Nas rodovias federais os números também impressionamDos 30.032 veículos envolvidos em acidentes entre janeiro e novembro do ano passado, 11.345 (37,7%) eram caminhões e carretas, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF)O índice, maior que a média nacional, de 31%, só fica atrás dos carros de passeio, responsáveis por 15.314 (51%)Porém, a frota de carros no estado, que chega a 4.223.737, é 90% maior que a de caminhões e carretas, de 475.791 (11%)Num ambiente com apenas esses veículos, a participação dos transportes de carga em acidentes é três vezes maior que a dos automóveis.

Passagem obrigatória

Com uma malha viária de 35.960 quilômetros, Minas é passagem quase obrigatória de caminhões que levam cargas para portos e metrópolesNo país, 60% do escoamento nacional se dá por via rodoviáriaPara mostrar o submundo do transporte que move o Brasil recorrendo ao tráfico, prostituição e manobras irresponsáveis de caminhoneiros exaustos ou dopados, a reportagem do Estado de Minas seguiu de carona em carretas que trafegavam pelas BRs 381, 116, 251, 135 e 040Entre as histórias mais recorrentes estão a de caminhoneiros que, responsáveis por conduzir caminhões com mais de 70 toneladas por horas seguidas, tentam enganar o sono usando estimulantes vendidos livremente em postos de gasolina, farmácias e paradas.

Caminhoneiro relata os perigos da profissão


A desculpa é a mesma: é preciso ganhar tempo e faturar mais“Se descarregar (o caminhão) antes para a transportadora, sobra tempo de lucrar levando outra carga por minha conta na voltaÉ aí que entra o rebiteSe tomar, dirijo até 24 horas direto”, conta o sul-matogrossense S“Meu terror é ver carreteiro na contramão dormindo de olho aberto”, admiteDurante a viagem, ele só desperta plenamente na “marra”, quando, por exemplo, a BR-251 se abre em centenas de buracos entre Salinas e Montes ClarosAs crateras com mais de um palmo de profundidade o obrigam a ziguezaguear pela pista realizando várias mudanças de marcha e manobras longas com o volante.

Falta de experiência na condução de veículo pesado amplia riscos