Por trás de pálpebras inchadas e quase fechadas, os olhos vermelhos do caminhoneiro S.S.P., de 30 anos, suplicam rendiçãoO peso do sono se reflete nas rugas profundas de expressão e no esfregar constante das mãos no rostoNum solavanco, seu olhar perdido e a posição fixa despertam de repenteSem reagir a tempo, passa com as nove rodas do lado direito da carreta num buraco profundo da BR-251 – o veículo, de 15 metros de comprimento, transporta oito toneladas de geladeiras“Estava pensando numa outra coisa, nem vi o buraco”, diz, tentando justificar o barulho e o estremecer da carretaNem o sono ou o furo que esvaziou um dos seus 18 pneus quando passou pela Bahia o impedem de seguir viagemJá são 11 horas rodando por 650 quilômetros, desde Feira de Santana (BA) até Salinas, no Norte de MinasO destino, Pirapora, está ainda nove horas à frenteEntre cochilos, curvas e ultrapassagens a mais de 100 quilômetros por hora, o sul-mato-grossense se arrisca a tal ponto que uma tragédia parece questão de tempo.
Em vídeo, repórter registra ultrapassagens perigosas na BR-251Confira:
Caminhoneiros como Singressam diariamente nas rodovias de Minas Gerais em condições limite
O resultado dessa combinação de sono, pressa e estimulantes é uma carnificina atestada por estatísticasNoano passado, de acordo com a Polícia Militar de Minas Gerais, as estradas estaduais registraram 8.513 acidentes com veículos de cargaO número é 132% maior do que o de 2010, quando 3.666 caminhões e carretas se envolveram em tombamentos, batidas e atropelamentos
Passagem obrigatória
Com uma malha viária de 35.960 quilômetros, Minas é passagem quase obrigatória de caminhões que levam cargas para portos e metrópolesNo país, 60% do escoamento nacional se dá por via rodoviáriaPara mostrar o submundo do transporte que move o Brasil recorrendo ao tráfico, prostituição e manobras irresponsáveis de caminhoneiros exaustos ou dopados, a reportagem do Estado de Minas seguiu de carona em carretas que trafegavam pelas BRs 381, 116, 251, 135 e 040Entre as histórias mais recorrentes estão a de caminhoneiros que, responsáveis por conduzir caminhões com mais de 70 toneladas por horas seguidas, tentam enganar o sono usando estimulantes vendidos livremente em postos de gasolina, farmácias e paradas.
Caminhoneiro relata os perigos da profissão
A desculpa é a mesma: é preciso ganhar tempo e faturar mais“Se descarregar (o caminhão) antes para a transportadora, sobra tempo de lucrar levando outra carga por minha conta na voltaÉ aí que entra o rebiteSe tomar, dirijo até 24 horas direto”, conta o sul-matogrossense S“Meu terror é ver carreteiro na contramão dormindo de olho aberto”, admiteDurante a viagem, ele só desperta plenamente na “marra”, quando, por exemplo, a BR-251 se abre em centenas de buracos entre Salinas e Montes ClarosAs crateras com mais de um palmo de profundidade o obrigam a ziguezaguear pela pista realizando várias mudanças de marcha e manobras longas com o volante.
Falta de experiência na condução de veículo pesado amplia riscos