Fina e suja de graxa, uma corda comum, dessas usadas em cabrestos de cavalos, é o único dispositivo que impede o desengate de uma carreta rodotrem de 30 metros e 54 toneladas de carga. Ao volante, cansado pelas sete horas diárias de viagem que precisa cumprir, nos 452 quilômetros entre Belo Horizonte e Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, o carreteiro A.V.R., de 38 anos, pinga suor e tem tonturas que prejudicam sua concentração nesta tarefa extenuante. Os abusos com drogas estimulantes, desleixo com a saúde e a manutenção do veículo transformaram A. num homem-bomba das estradas, que expõe sua vida e ameaça a dos demais viajantes. “Quando era novo tomava rebites para viajar o dia todo. Ficava aceso e o tempo não castigava. O lombo não doía. O suor não importava. Hoje, sofro numa viagem curta dessas”, lamenta o motorista, que tem 13 anos de experiência.
Os resultados foram alarmantes. De acordo com o consultor técnico em manutenção de veículos pesados Alberto Vidal Guimarães, dos 12 caminhões e carretas avaliados apenas dois deles estavam em boas condições de funcionamento – ambos veículos novos. “O que ocorre em via de regra é que o cavalo, que é a parte que puxa a carga, é bem cuidada. A carreta, que é puxada e suporta o peso, vai sendo remendada, consertada apenas quando estraga”, aponta.
Situação crítica
O veículo em piores condições era exatamente o conduzido por A.V.R., carregado com caixas de bebidas. “Uma trava de engate amarrada com corda é um absurdo. Imagine só uma dessas carretas se soltando quando passar sobre um buraco no meio da rodovia. Vai descer atropelando carros, tombando por cima de motos e matando gente”, alerta Guimarães. Outras duas carretas rodotrem analisadas, ambas com 30 metros e mais de 50 toneladas de carga, também apresentavam molas, pinos de encaixe e suporte dos eixos bambos. “É outra situação crítica que contribui para a carreta tombar. Os eixos ficam sem trabalhar com independência e firmes. Num solavanco, a carroceria pode inclinar demais e aí tomba mesmo”, avalia o especialista.
Uma das duas carretas tinha os pneus sobressalentes amarrados com uma corda velha debaixo do chassi, ameaçando cair no meio da estrada. Outra, que tinha lanternas quebradas, apresentava também o tirante do último eixo quebrado. “É a peça que segura o eixo. Se passar num buraco muito fundo, o eixo inteiro pode soltar e a carreta tomba também”, afirma. Além desses problemas mais graves, dois veículos de carga tinham pneus carecas e um deles estava com a tira reformada se desprendendo. “Pneus novos não significam cuidado. É que a polícia não tem conhecimento técnico tão apurado e ao ver os pneus em bom estado não vistoria os outros mecanismos e libera o condutor”, disse. “A empresa vai reformar as carretas no meio do ano”, justificou um dos caminhoneiros com veículo em más condições, M.B.J., de 54 anos. “A gente vai dar manutenção o quanto antes. Deixa só parar numa oficina. Mas foi bom saber disso”, disse outro condutor, C.A.P., de 48 anos.