Francisco Sá – Sob o sol forte, a menina M. I., de 11 anos, usa um balde de terra para tapar os buracos na rodovia. Logo em seguida, se arrisca no meio dos caminhões e carretas para catar moedas lançadas pelos motoristas como “pagamento”. Ela trabalha ao lado da amiga M. C., de 14. Um pouco mais adiante, um grupo de quatro meninos, entre 13 e 17 anos, fazem o mesmo “serviço”, usando pás, e travam uma verdadeira disputa no meio do asfalto quando as moedas são lançadas. As cenas foram flagradas pela reportagem do Estado de Minas entre os kms 470 e 480 da BR-251, em Francisco Sá, no Norte de Minas.
Enquanto a ação do governo não chega, são as crianças e moradores carentes da região que aliviam a vida dos motoristas que passam pela BR-251, um trecho de 300 quilômetros que liga Montes Claros à BR-116 (Rio-Bahia). Uma das rodovias federais mais movimentadas de Minas, com um tráfego diário de 10 mil veículos, a 251 também é uma das estradas em piores condições no estado.
Há 15 dias, em protesto contra os buracos, o trânsito na rodovia foi interrompido por cerca de uma hora e meia, a 10 quilômetros de Montes Claros. A manifestação foi organizada pela Associação dos Municípios da Bacia do Médio São Francisco (Ammesf), que reivindica a duplicação da pista.
A má conservação da rodovia também levou o Ministério Público Federal (MPF) a agir. O procurador da República em Montes Claros, André de Vasconcelos Dias, disse nessa segunda-feira que solicitou a realização de um relatório completo sobre as condições da BR-251 por um técnico especializado. “A partir do recebimento do laudo, vamos adotar medidas para que a rodovia seja restaurada imediatamente. Ela não pode continuar no estado em que se encontra, com os motoristas passando por sérios transtornos e enfrentando o risco de morrer”, disse o procurador.
Ele lembra que relatório da Polícia Rodoviária Federal registra 58 mortes no trecho apenas em 2011, período em que ocorreram 607 acidentes. André Dias informa que, por enquanto, o objetivo do MPF é fazer uma intervenção para retirar a rodovia da situação precária em que ela se encontra, mas que não está descartada a possibilidade de investigação sobre a suspeita de má aplicação de recursos liberados para a conservação da BR-251. “Tudo vai depender do relatório que vamos receber”, disse.
Logo após o protesto realizado pela Ammesf, a Superintendência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) anunciou que, por meio de licitação, contratou duas empresas para a recuperação da BR-251. A assessoria do Dnit em Minas informou nessa segunda-feira que as empresas foram contratadas por cerca de R$ 15 milhões para o início imediato do serviços.
“Lucro”
Enquanto isso, quanto ganham os “trabalhadores da estrada”? “A gente consegue até R$ 30 por dia”, conta M. I.. Ela e M. C. estão sempre se revezando: enquanto uma tapa os buracos com um balde de terra, a outra acena para os motoristas – principalmente, para os caminhoneiros: “Moço, joga uma moeda aí”. “Mas não é todo mundo que contribui com a gente”, afirma M. I., que cursa o sexto ano do ensino fundamental e mora no Bairro Alfredo Dias, uma das áreas mais carentes de Francisco Sá.
Na altura do km 480, a reportagem também encontrou quatro adolescentes, com idades entre 13 e 17 anos, tapando buracos com pás. Um deles, Marcos (nome fictício), disse que tem 16 anos e que ainda está no segundo ano do ensino fundamental. “A gente vem para cá porque precisa ganhar algum dinheiro”, afirmou. Por dia, o grupo junta R$ 50, que divide entre os quatro a cada fim de tarde. A conversa foi interrompida por um caminhão de onde foram jogadas várias moedas. Logo, os quatro adolescentes pularam no meio da pista, procurando o dinheiro no asfalto em meio à poeira.
Em busca de sustento para família
Na operação tapa-buraco da BR-251 também “trabalha” Maria da Glória Ferreira, 40 anos, que, mesmo com quase todo o rosto coberto, resiste à foto. O recurso é usado para se proteger do sol e da poeira, mas também esconde uma dura realidade: “Tenho vergonha de que as outras pessoas vejam que estou em um sofrimento deste. Estou desempregada há mais de três meses. O dinheiro que estou ganhando aqui vai servir para comprar material escolar para os meninos”. Ela refere-se aos três filhos: Ronaldo, de 16; Karine, de 14, e Renato, de 11 anos.
A desempregada também usa um balde, retirando terra em um barranco para depois tapar os buracos no meio da pista. Ela conta que começou o serviço há mais de um mês, quando a situação da BR-251 se deteriorou de vez por causa das chuvas. “No início, cheguei a ganhar até R$ 70 por dia. Agora, o pessoal está dando menos dinheiro para a gente. Ganhamos entre R$ 20 e R$ 50 por dia”, afirma. Ela conta que recebia o Bolsa-Familia. “Mas, há quatro meses, foi cortado o meu benefício e não explicaram por quê”, acrescenta.
A busca de recursos para comprar material escolar para os três filhos também é a alegação de Deise Pereira dos Santos, outra moradora de Francisco Sá que se arrisca na frente de caminhões e carretas para tapar os buracos da 251 em troca de moedas. “O lugar aqui é muito fraco. Não tem emprego e a gente precisa sobreviver”, comenta a mulher. No “serviço”, Deise tem a companhia do marido, Eliel dos Santos Souza, que também reclama do desemprego em Francisco Sá. “Eu queria trabalhar, mas a gente não encontra outra coisa”, diz Eliel, que demonstra habilidade com uma pá, cobrindo as crateras. Por dia ele ganha em torno de R$ 20 em moedas, mesmo valor “juntado” por sua mulher.